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O inimigo não mora ao lado: a homofobia dentro de casa

Dra. Bethânia Ferreira,
17/05/2015 | 10h05

defensora

Hoje, 17 de maio, é o dia Internacional de Combate à Homofobia. Dia de luta contra aqueles que se entendem como “normais” e identificam como anormais os que não rezam pela mesma cartilha que eles. Dia de protestos pelo fim da violência e discriminação. Dia de conscientização. Dia para bradar ao mundo que todos são iguais e possuem idênticos direitos.

Hoje é dia de andarmos alertas contra os inimigos da igualdade. Dia de nos lembrarmos dos mortos que foram assassinados simplesmente por terem orientação diversa do que se entende como “normal”. Quando sair de casa hoje, pense na erradicação da homofobia como algo a ser conquistado. Vá para as ruas e mostre que todos merecem o mesmo respeito e que ninguém deve ser discriminado, violentado ou morto, tão somente por não se adequar a certos padrões heteronormativos.

Acontece que hoje, 17 de maio, o inimigo não está somente nas ruas. Esperando à espreita para violentar, ameaçar, fazer piadinhas ou desmerecer gay, lésbica, bissexual, travesti ou transexual, não raro o inimigo está dentro de nossas vidas. Dentro de nossa casa.

Imagine um menino que teve um quarto e roupinhas azuis, carros, bola e aviões como brinquedos – ou uma menina, que foi educada a brincar com suas bonecas, casinhas, em um quarto todo cor de rosa –; depois acrescente à vida dessa criança piadinhas homofóbicas; em seguida junte um pouco de humilhação sofrida na escola. Imagine uma criança ou um adolescente, em fase de total descoberta e vulnerabilidade, ouvindo que “essa gente” não é normal, porque no livro sagrado está escrito diferente.

O menino chegando à adolescência se “descobre” gay. Com o tempo, a família o “descobre” gay. Com mais tempo, os pais percebem que aquele filho, concebido para ser sua imagem e semelhança, simplesmente tem personalidade própria, definida. Seguramente, é bastante difícil para os pais. E sofrido para o filho. Pai e mãe, ou um ou outro, carecem do entendimento de que o filho possui o direito à orientação sexual igual ou diversa da dele, e ainda direito à identidade de gênero.

agressao

A tristeza do pai homofóbico (ou da mãe) começa a trilhar o caminho do abandono afetivo e material. Em um caminho curto, vários princípios constitucionais de proteção à criança e ao adolescente são desrespeitados. O percurso começa pela falta de entendimento e interlocução, como se o princípio da afetividade abarcasse somente a habitabilidade conjunta. É pouco! O princípio da afetividade que rege o moderno direito de família, pressupõe oitiva, respeito, carinho e cuidado.

Depois, a mesma estrada leva ao abandono material. Alimentam-se mais os filhos que possuem a mesma orientação sexual que a sua. Corta a mesada da filha (ou filho), para que ela não possa encontrar com a namorada. Mais para frente, o abandono material se agrava. Não paga os estudos do filho, não empreende   esforços para fornecer cuidados básicos e, por fim, expulsa-o de casa.

Com essa atitude, abandona a filha material e afetivamente. Afasta o filho. Não o inclui nas festas familiares. Não permite que se toque no nome. Triste pai homofóbico… descumpre formalmente o que a Constituição e demais leis ordinárias prescrevem como sua obrigação: cuidar. Descumpre o princípio da paternidade responsável. O triste pai homofóbico, com suas ações de abandono, pode gerar dano material e moral à família e, como consequência, amargar uma ação judicial de indenização ou mesmo de alimentos.

O triste pai homofóbico segue seu caminho. Entristeceu o filho. Dividiu a família. Deixou de amar, deixou de cuidar, desobedeceu à lei e à Constituição, humilhou, bateu, chegou a cometer crimes contra o próprio filho. Com que objetivo? Perdeu o filho. O pai, agora triste, amargo e solitário, continua o seu trajeto. O filho passou privações, humilhações e abandono. Onde se encontrarão? Talvez em uma mesa de audiência, diante do juiz, para enfim o pai cumprir o que simplesmente manda a lei: cuidar do filho.

Por Dra. Bethânia Ferreira, Defensora Pública.

 

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