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Gisberta: a brasileira que virou símbolo da luta LGBTQIAPN+ em Portugal

Carlos Leal,
29/05/2023 | 22h05
Foto: Divulgação

Muitos conhecem Gisberta apenas pelo nome, pois a música Balada de Gisberta, uma homenagem do compositor português Pedro Abrunhosa, teve algumas regravações no Brasil, dentre elas a de Maria Bethânia, que é a mais conhecida. Mulher trans, Gisberta Salce Junior era brasileira e foi morar na França quando ainda tinha 18 anos para fugir da violência que vitimava travestis na cidade de São Paulo (SP).
Após alguns anos na França, decidiu mudar para Portugal, já estava em pleno tratamento hormonal e com silicone nos seios. Como meio de vida, fazia shows em bares e boates, além de se prostituir. Com o tempo, contraiu o vírus HIV e com o passar dos dias foi ficando debilitada. A beleza de outrora já não existia e ela não conseguia mais trabalhar. Passou por alguns hospitais e por fim fugiu de uma comunidade terapêutica onde estava em tratamento.
Sem ter onde morar, construiu uma barraca dentro de um prédio abandonado na cidade do Porto. No início do ano de 2006 um grupo de três garotos entrou no prédio para fazer pichações, encontraram Gisberta e um deles a reconheceu. Filho de uma prostituta, o menino, quando tinha entre 4 e 6 anos, ficava aos cuidados de uma babá, amiga de Gisberta. O grupo se aproximou de Gisberta e passou a visita-la com frequência. Confiando nos novos “amigos”, ela contou sobre a doença, que usava drogas e das dificuldades que estava enfrentando na vida. De início, os garotos chegaram a ajudá-la, levando comida e outros itens necessários para sua sobrevivência.

Um dia, um dos garotos contou para os colegas da escola onde estudava, sobre uma pessoa que havia conhecido: um “homem” com “mamas” e que parecia uma mulher de verdade. A partir daí, 14 garotos se juntaram ávidos por conhecer o “homem com mamas” e foram visitar Gisberta.  Em 15 de fevereiro o garotos passaram a se reversar em pequenos grupos com o objetivo de violentá-la de todas as formas possíveis: ela foi espancada, apedrejada, recebeu pauladas, além de ser queimada com cigarro e estuprada por todos a cada “visita”. Entre os dias 21 e 22 do mesmo mês, ao voltarem ao local, os garotos encontraram Gisberta desacordada. Pensaram logo em uma forma de sumir com o corpo, achando que estivesse morta. Assim a jogaram no fosso do edifício, que estava cheio de água, mas Gisberta estava viva.
No mesmo dia, um dos garotos contou sobre o ocorrido para uma professora e o corpo de Gisberta foi encontrado. As investigações constataram que Gisberta estava realmente viva quando foi atirada ao fosso, tendo sido afogamento a causa da sua morte. A acusação dos jovens foi alterada de homicídio doloso para ofensas corporais. O juiz responsável pelo caso chegou a dizer que “tratava-se de uma brincadeira de mau gosto de algumas crianças”.
Mas o caso ganhou grande repercussão e em julho do mesmo ano surge a Marcha do Orgulho LGBT+ Porto, que podemos comparar às paradas LGBTQIAPN+ que acontecem no Brasil. A primeira marcha foi, propositalmente, realizada em um local próximo ao prédio onde Gisberta foi encontrada. Um dos organizadores da marcha, identificado como Allan, contou à revista Marie Claire, que o assassinato brutal de Gisberta causou muita comoção entre portugueses, principalmente ativistas da causa, e isso foi importante para que houvesse uma grande mobilização. “O caso trouxe visibilidade até mesmo para outras questões que envolvem os direitos das pessoas trans. Até hoje existe muita desinformação em Portugal. Mas já houve um grande avanço, nos últimos anos, Portugal avançou bastante: tivemos uma lei aprovada em 2018, que é a lei de identidade de gênero, que traz uma série de medidas e proteção para a comunidade LGBT, mas ainda falta muito para avançar”, contou Allan.
Portugal hoje conta também com o movimento Se A Rua Fosse Minha, criado pela Marcha do Porto que busca dar o nome de Gisberta a uma rua da cidade. Mesmo 17 anos depois a Marcha continua acontecendo e um dos objetivos é fazer com que o crime não seja esquecido. Os membros da marcha consideram Gisberta uma representação da exclusão social, tornou-se símbolo de uma luta fazendo com que centenas de pessoas se unissem e lutassem por uma cidade que trate a comunidade LGBTQIAPN+ com mais respeito e igualdade.
Em 2022 com sete votos a favor e seis contra, o nome da brasileira Gisberta Salce Júnior foi aprovado pela Comissão de Toponímia da Câmara Municipal do Porto 

para dar nome de rua na cidade. Em conversa com o site Dois Terços, Camila Florência, da Marcha do Orgulho LGBTI+ Porto, contou que apesar da aprovação, o projeto ainda não saiu do papel, pois eles alegam que não podem trocar nomes de ruas, mas sim, dar nomes a ruas novas. Então, essa homenagem a Gisberta, que é lembrada todos os anos durante a Marcha, continua esperando.
Fontes: Revista Marie Claire, Internet, conversa online com Camila Florêncio.