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Findos os carneirinhos, contados um a um, é tempo de rememorar o que passou

Genilson Coutinho,
16/03/2022 | 13h03

*Padre Alfredo Dorea 

O tempo, sempre tão escasso, aqui abunda. Sem sono, jazo desperto enquanto a humanidade dorme ao meu redor. Findos os carneirinhos, contados um a um, é tempo de rememorar o que passou, planejar o que há de vir, lutar contra o relógio que insiste em marcar, inexoravelmente, cada minutos de uma madrugada que insiste em não ter fim.

Sob a inspiração de Zeus, no Canto II da Ilíada, vivo com o fantasma de todos os insomníacos, a desesperante sensação de que sou o único pervígil e insone à estas altas hora da noite. Sem nem o consolo de poder sonhar. Sem ninguém desperto para um diálogo, além do apavorante silêncio que povoa o quarto escuro de uma noite em claro.

Tenho sono mas não durmo. Desperto, penso em tudo, posso tudo, exceto dormir. Pensamentos e sensações povoam meu íntimo, seu entorno e assim se alternam, levando-me sempre ao mesmo lugar: a insônia. O corpo não obedece o insistente e desesperado apelo da mente: – quero dormir! Corpo e cansaço afundam no colchão que impõe dores ao meu físico e existência. Sem a mínima sensibilidade o relógio arrasta-se impassível a todas essas longas horas de vigília e teima em marcar, preguiçosamente, apenas 10 minutos passados. O mundo, seguidores e “amigos do face” repousam silenciosos e eu continuo a rolar na cama, sem cochilo ou vislumbre de quando e por quanto tempo voltarei a exercitar a prazerosa arte de dormir.

Em “Escada do Paraíso” (texto do século VII depois de Cristo, redigido em grego), o monge João Clímaco enaltece quem me atormenta: “a insônia mantém o espírito puro. O monge que não dorme combate a luxúria; o que dorme, dorme com ela. A insônia é a supressão da luxúria, é a libertação das fantasias em sonho. O monge que sofre de insônia é um pescador de pensamentos: no silêncio da noite consegue apanhá-los mais facilmente”.

Se assim fora para os padres do deserto, a insônia é criticada hoje por plêiades de profissionais de saúde, a partir do entendimento que nada faz tanto mal ao indivíduo quanto o não dormir. O sono é fundamental! Faz bem e é aprazível. É durante o sono que o organismo exerce as principais funções restauradoras do corpo, como o reparo dos tecidos, o crescimento muscular e a síntese de proteínas. Durante este momento, salutar e revigorante, é possível repor energias e regular o metabolismo, fatores essenciais para manter corpo e mente saudáveis. Dormir bem é hábito que deve ser incluído, por todos, em suas rotinas. Uma noite mal dormida produz efeito semelhante a uma leve embriaguez. Prejudica a coordenação motora e a capacidade de raciocínio. Cumpre dormir um sono agradável, com espontaneidade; bem melhor se sem ajuda de fármacos. Sono dos deuses!

Com o avançar da idade, passei a dormir menos horas a cada dia e a conviver muito bem com esses dois amigos: o sono e a ausência dele, ocasião em que gozo da condição de possibilidade de executar tantas outras atividades, como por exemplo a gratificante “conversa” com os leitores e leitoras, a cada semana, através desta coluna.

*Padre Alfredo Dorea é um anglicano amante da vida, da solidariedade e da justiça social. Com os movimentos populares, busca superar todo preconceito e discriminação. Gosta de escrever e se comunicar.