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“Enquanto a igreja mascarar essa realidade sobre padres gays, continuará produzindo escândalos “, diz Brendo Silva

Carlos Leal,
08/05/2025 | 16h05

Com a publicação de seu livro “A Vida Secreta de Padres Gays” (Ed. Matrix) gerando grande debate, o jornalista, escritor e ex-seminarista Brendo Silva compartilhou com o Dois Terços insights sobre a gênese da obra, o percurso investigativo e as diversas reações que tem causado tanto de fiéis quanto da hierarquia da Igreja Católica. Durante a conversa o autor revelou ter recebido tanto manifestações de apoio e reconhecimento pela abordagem de um tema crucial quanto ameaças. Convidamos você a conferir os detalhes dessa entrevista reveladora.

“Quando a igreja for curada da sua homofobia internalizada,
a sua relação consigo mesma
e com as pessoas LGBTs dentro da igreja vai ser outra”

DOIS TERÇOS: Brendo, você está lançando o já polêmico livro “ A Vida Secreta dos Padres Gays”. Qual tem sido a reação principalmente por membros da Igreja Católica?

BRENDO SILVA: Primeiro vamos definir o que é membro da igreja católica. De membros leigos eu tenho recebido duas reações: algumas muito negativas e até violentas, como insinuações e difamações, mas também uma parcela que apoia e acha que isso deve ser falado e debatido, ou seja, que a igreja deve falar com mais seriedade sobre a sexualidade dos padres. Com relação a membros da hierarquia da igreja, está sendo incrível pois existe um grupo que apoia e até agora a maior parte que entrou em contato foi para dar apoio, inclusive tenho recebido depoimentos desses membros da igreja. Dessa parte hierárquica da igreja creio que se recebi foram dez reações negativas, os outros só olham, estão ali sempre na página do livro, mas não se pronunciam, só estão observando. Alguns seguem, outros estão lá sempre olhando de “mutuca”. Mas tem de tudo, há os dois tipos de reações. O que me espantou talvez tenha sido que muitos eles mandaram mensagens positivas apoiando a iniciativa do livro. Inclusive, eu fiz uma pesquisa de público na página do livro para ver quem segue, quem nos acompanha, que já tem mais de 22 mil pessoas, e a maioria, leigos católicos que estão lá acompanhando tudo. Inclusive, alguns já compraram o livro, já estão lendo, estão mandando feedbacks.

DT: Você já foi seminarista, ou seja, já almejou um futuro dentro da igreja. De que forma essa sua passagem pelo seminário te influenciou na escolha desse tema tão importante para seu livro?
BS: Bom, não é que tenha influenciado, é a minha própria história, é a minha vida. Antes de ser seminarista por sete anos fui coroinha por um tempo, totaliza aí quase onze anos de vida na igreja. Então, ele surge como uma reparação à minha própria história, às dores e dúvidas que eu não pude partilhar no tempo que era membro da igreja, porque o discurso é que a gente não pode questionar. A gente é doutrinado a só obedecer e o meu livro surge como uma proposta contrária a isso, para desobedecer a norma. O meu livro é para ir contra o que manda a dogmática. O que que a dogmática reza? “Obedeça em silêncio, alguém já pensou por você”. Uma vez em uma conferência paroquial, um frade dava uma palestra sobre os dogmas católicos e eu questionei um dogma e a resposta que ele me deu me marcou para o resto da vida: “Você não precisa questionar sobre isso, alguém já pensou por você”. Eu era um adolescente por volta de 13, 12 anos e aquilo até hoje me martela. Como alguém já pensou por mim? Como eu não posso questionar? Então agora fora do seminário, eu tenho essa autonomia para poder questionar, para poder querer saber o porquê da ordem das coisas. Para poder problematizar questões que, para a maioria dos fiéis e para as “ovelhas” que seguem a doutrina, já está cristalizada, está dada, mas para mim não. Então, essa minha passagem pelo seminário não só me influenciou, como ela é a razão talvez da escrita do livro, que foi, no primeiro momento, contar minha própria história e fazer justiça da minha própria história, que depois acaba também sendo um espaço para outros padres, ex-seminaristas e seminaristas.

Foto: Div.

DT: Você conta algo pessoal, vivenciado dentro do seminário?
BS: A primeira parte do livro é totalmente autobiográfica, totalmente pessoal. Conto muitas coisas vivenciadas na minha época de seminarista, principalmente focado na questão da homossexualidade dentro dos seminários.

“Quando a igreja for curada da sua homofobia internalizada,
a sua relação consigo mesma e com as pessoas LGBTs
dentro da igreja vai ser outra”

DT: Enquanto jornalista, escritor e ex seminarista, como você vê essa questão tão delicada de padres LGBTs dentro da igreja?
BS: Essa é uma pergunta que daria horas para respondê-la, até livros ou uma biblioteca, quem sabe. Bom, eu vou começar do ponto de vista que meu livro tenta abordar. E tem um questionamento: como uma maioria gay pode defender um discurso tão homofóbico? Em resumo, eu acho que a igreja precisa ser curada da sua própria homofobia, da sua homofobia internalizada. Quando a igreja for curada da sua homofobia internalizada, a sua relação consigo mesma e com as pessoas LGBTs dentro da igreja vai ser outra. Enquanto a igreja mascarar a sua realidade interna de uma maioria gay, ela vai continuar produzindo o escândalo, a violência contra as pessoas LGBTs, a violência contra o seu próprio corpo. Para mim, eu sei que não é simples, mas se resolveria a partir do momento que a igreja fosse curada do seu próprio auto-ódio. O caminho é esse, a auto aceitação. Depois que ela se tornar verdadeiramente o que ela é, vai poder lidar com as questões LGBTs de uma forma madura. Enquanto ela ficar no jogo da dissimulação, do silêncio, do sigilo, no campo do segredo, as coisas vão continuar assim e talvez até piorem. Ela precisa se aceitar, como acontece com gay comum, por exemplo, que não se aceita: Após a aceitação as coisas parecem que melhoram pra ele, né? Então, num certo sentido, melhoram e muito. Não no que não depende dele, mas nas questões que dependem dele, melhoram. Da mesma forma a igreja: quando ela se auto aceitar, ela vai tratar as LGBTs da forma correta, porque nem ela se trata da maneira correta, como disse Jesus. Tem que se amar primeiro, isso acontecendo, ela se amar primeiro, vai poder amar os outros. Enquanto isso não acontece, ela vai ficar só na ordem do discurso e nada prático.

DT: O processo de pesquisa para o livro, foi demorado? Qual foi o ponto de partida?
BS: Não foi tão demorado, durou quase um ano, mas o ponto de partida foi um trabalho acadêmico na Faculdade de Jornalismo, que eu precisava escrever um trabalho, um livro reportagem e eu tinha essa ideia guardada. Muitas pessoas que sabiam da minha vida passada na igreja falavam “nossa, isso tem que ser contado em um livro” e eu talvez por não ter conhecimento, não ter força para lidar com uma questão tão complexa, contraditória e polêmica e não ter nenhum apoio, não tinha ido adiante com a ideia. Mas vi essa oportunidade na faculdade e isso foi o ponto de partida.

DT: Você já recebeu ameaças mesmo nessa fase inicial de lançamento do livro. Isso te assusta? Quais as providências já tomadas com relação a isso?
BS: Sim, eu tenho recebido ameaças quase todos os dias, me assusta um pouco, mas, olha, sendo sincero, já era algo esperado, porque estou mexendo em duas forças que sustentam o mundo de certa medida, que é a força da sexualidade e a força da religião. Eu estou tentando balançar essas duas forças. Então, já era esperado uma relação violenta. Já fui na delegacia especializada em crimes de intolerância, abri um Boletim de Ocorrência (BO). Também estou em contato com a promotoria de justiça, que tem me orientado sobre essas questões. E, além disso, estou sendo amparado por um grupo de direitos humanos que dá suporte de assistência social, psicológico e jurídico pra mim. Por enquanto, tenho esses três amparos, mas também terei que constituir advogado pros processos civis que virão.

DT: Existe previsão de lançamento do livro em outras capitais brasileiras depois do lançamento oficial em São Paulo dia 13 de maio?
BS: Até então não há previsão de lançamento em outras capitais, a editora não me falou nada ainda, mas eu aceito convites. Adoraria expandir esse debate.

DT: Onde o livro pode ser encontrado?
BS: O livro já está sendo comercializado em duas versões: digital e impressa. Na versão ebook ele pode ser encontrado na Amazon, Estante Virtual, nos sites das livrarias Leitura, Martins Fontes, Drummond, Livraria da Travessa e vários outros sites e serviços de venda de ebook. Também tenho comigo algumas poucas cópias que eu estou vendendo com dedicatória. São poucos, quem tiver interesse, preciso fazer logo o pedido através do instagram (@avidasecretadospadres). Além disso, essa versão física já está em várias livrarias em todo o Brasil.