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Travesti Brenda Lee é encontrada morta em Pelotas

Genilson Coutinho,
17/12/2015 | 00h12

Brenda se formaria em Psicologia no sábado

Esse espaço estava reservado para postarmos a matéria da repórter Tânia Cabistany com fotos de Jô Folha e vídeo de Leandro Lopes sobre uma formatura que entraria para a história: Paulo Rogério Duarte Nunes, com o nome social de Brenda Lee, de 46 anos, receberia o diploma no sábado do curso de Psicologia. Mas o destino não quis assim. A formanda foi encontrada morta pela mãe, na manhã desta quarta-feira (16), em casa, na rua Barros Cassal, bairro Areal,Pelotas, com ferimentos na cabeça.

O local foi isolado pela Brigada Militar e agentes do DML e da Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) aguardam a perícia. Além do quarto, a sala onde morava Brenda estava revirada. O caso será investigado pela Delegacia de Homicídios e Desaparecidos (DHD).

Na frente da residência de Brenda, parentes e amigos estavam inconsoláveis. A mãe da vítima, dona Adelina, precisou de atendimento médico.

Figura conhecida do Carnaval de Pelotas, Brenda Lee agregava amigos por onde passava. Ela é ex-candidata a vereadora de Pelotas. O velório, que estava marcado para as 18h, deve começar por volta das 21h na capela da Angelus Pax. O enterro está marcado para as 10h desta quinta-feira no Cemitério Ecumênico São Francisco de Paula.

Montando o quebra-cabeças
Testemunhas relatam que Brenda foi a uma festa na noite de terça-feira acompanhada. A Polícia Civil vai investigar se a pessoa que saiu com ela foi a mesma que voltou até a residência.

O carro, que havia desaparecido, foi encontrado no início da tarde na avenida Duque de Caxias, no bairro Fragata.

Confira abaixo a máteria publicada na edição desta quarta-feira no jornal impresso:

Por Tânia Cabistany

Paulo Rogério Nunes, nome social Brenda Lee, recebe neste sábado, no Theatro Guarany, diploma do curso de Psicologia da Universidade Católica de Pelotas (UCPel). Acredita ser o primeiro caso em Pelotas e mesmo que seja chamado apenas pelo nome de batismo, não tem problema nenhum com isso, pois como ele mesmo diz, não nasceu Brenda Lee. “Para mim é tranquilo lidar com isso”, fala.

Sabe que a aparência é o que causa impacto, mas não teve problema nenhum com os colegas, mesmo se formando com uma turma que não é a sua de origem. Conta ter sido extremamente acolhido, pois seguiram os princípios básicos da psicologia, que não é fazer julgamento e sim descer do pedestal e ajudar o próximo. “Até nisso Deus foi generoso comigo”, comenta. O único preconceito enfrentado foi com dois funcionários. Doeu na época, mas é página virada.

Brenda destaca estar saindo de uma instituição religiosa, por isso mesmo não pode se opor à forma como vai receber seu diploma. “Está na Bíblia, não julgues para não ser julgado”, ressalta. Ela acrescenta estar também amparada pela Constituição Federal e pelo Conselho Federal de Psicologia, que não vê a homossexualidade como patologia. “E o Judiciário me protege, porque é um direito meu”, completa.

Orientação sexual é uma coisa muito bem resolvida, salienta, ao observar que quando trata um paciente – e já o fez durante todo o período de estágio – quer saber da vida dele, não da sua. Mas vai atender em consultório como Paulo Rogério. “Cada coisa no seu momento. Nunca vou levar minha sexualidade para dentro do setting terapêutico”, fala. O convite de formatura conta a história do Paulo, com uma foto da Brenda ao fundo de formanda. Sua intenção foi de fazer um reconhecimento público à figura materna e a uma amiga que considera ter sido um ser humano ímpar.

Brenda não tem carteira social e nem teve vontade de fazer, mas é muito conhecida pelo Carnaval e por já ter concorrido a vereadora. Por isso mesmo já ganhou judicialmente o direito de concorrer com o nome social. “Entrei na faculdade de cabeça erguida, sofri preconceito, mas sei lidar com isso. A vida para nós homossexuais é mais difícil. Mas nem por isso desisti do meu objetivo”, frisa.

Cursar psicologia foi uma forma de autoconhecimento. Não pensava em clinicar. Mas pegou gosto e se deu conta ao longo do caminho que havia encontrado sua vocação, pela vontade de ajudar a resolver os problemas das pessoas. O diploma é uma conquista, sobretudo por não ter sido uma trajetória simples. Pelo caminho enfrentou internações hospitalares, inclusive em Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), por problemas cardíacos e de coluna. O diploma pode ser dele que frequentou as aulas, mas considera que muito mais da mãe. “Minha festa também é dela. Não cheguei a lugar algum sozinho”, garante.

Adelina Nunes, a mãe, também diz se sentir realizada com a realização dele. “Tenho um filho maravilhoso, especial. Aconselho a todas as mães que não façam da sexualidade dos filhos um terror. Hoje ele é o meu maior orgulho. Se voltasse atrás não teria sofrido. É perda de tempo. Só deixei de ficar envergonhada o dia que me dei conta que o filho é meu, responsabilidade minha e que ele é muito melhor que tudo isso”, afirma.

Do Diário Popular