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Indígenas e gays: jovens contam como é ser LGBT dentro e fora das aldeias

Genilson Coutinho,
19/01/2019 | 12h01

Danilo Ferreira, de 19 anos, é do povo Tupinikim, no Espírito Santo, mas mora em Brasília — Foto: Marília Marques/G1

G1

Aos 19 anos, Danilo Ferreira deixou a família na aldeia de 3 mil habitantes – no interior do Espírito Santo – para viver e estudar em Brasília. Na capital há oito meses, o jovem da etnia Tupinikim diz que as mudanças não foram só geográficas, mas de “descobertas e aprendizados sobre si mesmo”.

Além de indígena, Danilo é homossexual assumido e ativista LGBT. Uma vez por semana, ele se reúne com outros estudantes com o mesmo perfil, na Universidade de Brasília (UnB), para falar sobre identidade e sexualidade – e como atualizar esses conceitos nas próprias aldeias.

Danilo diz que os primeiros questionamentos sobre a própria afetividade vieram ainda na infância. Para Danilo, os papeis sociais cumpridos nas aldeias indígenas influenciaram positivamente na formação de homens e mulheres mas, atualmente, estão “carregados de preconceito”.

“Até então, achava que eu era o único gay do mundo”, lembra, sorrindo. “Na aldeia eu não tinha referências, a única coisa que eu tinha era contato com o preconceito diário”.

Estudo de gênero Ainda em Brasília, distante da maioria dessas comunidades, a antropóloga Braulina Aurora, da etnia Baniwa, compartilha da mesma visão do jovem Tupinikim. Para a pesquisadora indígena, a ideia de pecado nas relações homoafetivas é “herança das igrejas”.

Há quase dois anos, Braulina desenvolve uma pesquisa na Universidade de Brasília (UnB) para entender como a sociedade indígena considera, como um todo, a orientação de homens e mulheres que se assumem homossexuais.

Samuel Guajajara fala ao G1 como a homossexualidade é vista na aldeia onde cresceu — Foto: Marília Marques/G1

“Em algumas etnias, eles [LGBTs] são considerados como pessoas estéreis, que não podem gerar filhos”, explica.

“Na época da minha avó, nas aldeias, quando a mulher se recusava a casar, a família passava a responsabilidade dela para outro parente e, assim, ela se tornava a tia que não podia ter filhos”.

Para a antropóloga indígena, o entendimento da própria identidade está intimamente ligado ao respeito que a comunidade – principalmente os “mais velhos da aldeia” – têm com a situação.

Debate e orientação Nas rodas de conversas semanais, o grupo conta que a pauta tem sido “bem aceita” em algumas aldeias indígenas. Em cada local, a homossexualidade é vista de uma forma – o entendimento varia do “natural” ao “tabu”. “Ainda é muito difícil para as mães aceitarem. Normalmente o índio sai de casa, porque ainda é um choque descobrir que sua filha está gostando de outra mulher, apesar de os mais velhos saberem que isso sempre existiu”, diz Braulina.

Aceitação

Na aldeia do jovem Samuel Guajajara, de 20 anos, a sexualidade não é um assunto que costuma ser debatido entre os indígenas da comunidade, no interior do Maranhão. Ainda assim, ele considera que as pessoas de lá são “mais abertas às relações homoafetivas”.

O estudante diz que sempre teve clareza sobre a própria sexualidade, e lembra que não foi difícil entender quem era – “mas minha realidade não se aplica a de todos”, pondera.

Na convivência entre os familiares, ele diz que as tradições indígenas mais originárias – como a “naturalização da nudez, do corpo e da sexualidade” – se perderam com o tempo, mas “nunca foram demonizadas, como em outras culturas”.