Comportamento

Social

Festival terá documentário sobre a primeira trans das Forças Armadas brasileiras

Genilson Coutinho,
15/04/2019 | 18h04

Focado em documentários, o festival É Tudo Verdade, cuja 24ª edição está em cartaz atualmente nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, é uma boa oportunidade de conhecer histórias reais que relembram casos do passado, mas cujos temas continuam importantes nas dicussões da sociedade atual. Não por acaso, uma das seções do festival é chamada de O Estado das Coisas. É dentro deste recorte que está ‘Maria Luiza’, longa sobre a primeira militar reconhecida como transexual na história das Forças Armadas brasileiras.

Se o caso que narra já é por si só marcante, o filme (que ainda tem exibições na capital carioca nesta quarta e quinta) ganha em importância principalmente por dois fatores: o primeiro é a questão das pessoas transgênero, tópico cada vez mais discutido, à medida que a minoria luta por visibilidade. Outro é a ascensão de figuras ligadas à cultura militar no governo de Jair Bolsonaro, ele próprio capitão reformado do exército.

Maria Luiza, a personagem retratada no documentário dirigido por Marcelo Díaz, é alguém capaz de “bugar” o cerébro dos bolsonaristas mais ferrenhos. Foi militar por 22 anos e, de acordo com os depoimentos de quem conviveu com ela durante o período, nunca apresentou “trejeitos femininos”. Não falava alto, não “andava rebolando”, como diz um dos entrevistados. Seus interesses incluíam engenharia de aeronaves e corridas de carro, áreas costumeiramente atribuídas ao sexo masculino. Mesmo assim, sempre foi uma mulher por dentro, a ponto de acreditar piamente que estava grávida, durante a adolescência.

“O que faz de alguém um homem?”, pergunta um psiquiatra ouvido no filme, que discute as associações que se tornaram comuns à cada um do gênero. A complexidade de Maria Luiza, assim como a de qualquer outro ser humano, vai além do elemento biológico.

Tímida e solitária por convicção, ela se revela aos poucos, nos desenhos que faz e nas fotos com legendas detalhadas que guarda. Também em gestos delicados como o ato de fazer tranças em suas plantas, hábito que traz desde a infância, impedida de brincar com bonecas.

Seu tom de voz sereno muda apenas quando emociona-se ao falar da luta para conseguir seu RG com nome social e ao relembrar de momentos traumatizantes no Rio de Janeiro, quando sofreu violência nas mãos de oficiais dedicados a silenciá-la.

Em certo ponto do documentário, uma das entrevistadas reforça como a vitória de Maria Luiza para ter sua identidade reconhecida, com o apoio de advogados e outros profissionais que estiveram ao seu lado, demonstra a capacidade da sociedade em se mover mais rápido que as instituições oficiais. Um alento e um lembrete, em tempos que preconceitos e discursos de ódio são proferidos até mesmo por quem senta nas cadeiras mais altas do poder.