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A história de nortistas que lutaram contra o preconceito e a LGBTQIA+fobia

Genilson Coutinho,
20/01/2025 | 22h01

A defesa da população LGBTQIA+ foi uma das bandeiras de vida de Adamor Guedes na Manaus do início da década de 2000. Presidente da Associação Amazonense de Gays, Lésbicas e Travestis, ele percorria delegacias em busca de informações sobre crimes cometidos contra homossexuais.A defesa da população LGBTQIA+ foi uma das bandeiras de vida de Adamor Guedes na Manaus do início da década de 2000 (Foto: Reprodução)Em 2005, os vizinhos de Adamor ouviram gritos: eram pedidos desesperados de socorro. Horas depois, o ativista, de 40 anos, foi encontrado sem vida em seu apartamento. Na fuga, os assassinos roubaram aparelho de televisão e objetos pessoais da vítima. As circunstâncias da morte dele, no entanto, nunca foram esclarecidas.

Em 2019, a imagem da transgênero negra Ursula Maravilhosa desfilando em uma avenida movimentada de Porto Velho, Rondônia, ganhou o mundo. A imagem foi compartilhada pela drag queen RuPaul e deu visibilidade à moradora de rua que chegou a ganhar uma transformação promovida por um maquiador da cidade.

A fama instantânea, no entanto, não foi suficiente para tirar Ursula das ruas. Depois de viver em albergues, ela morreu em 2021, aos 24 anos, vítima de COVID-19.A imagem de Ursula Maravilhosa circulou o mundo, mas a fama não bastou para tirá-la das ruas (Foto: Reprodução)As histórias de Adamor e Ursula integram o trabalho de pesquisa “Panorama das Violências e Violações Contra a População LGBTQIA+ na Região Norte do Brasil”, realizado pela professora do Instituto Federal do Rio Grande do Sul, Lauri Miranda Silva. Mulher transgênero, ela analisou 54 dissertações e teses sobre o tema.

“São sujeitos e sujeitas de memória. Uma geração para a qual devemos um olhar mais sensível e humanizado para que, a partir daí, a gente possa naturalizar os nossos corpos em todos os aspectos, em todos os sentidos e em todos os lugares”, afirma.

O estudo foi apresentado durante a abertura da audiência pública que reúne representantes dos sete estados da Região Norte para o Grupo de Trabalho Interministerial Memória e Verdade LGBTQIA+, criado para dar luz às violações de Direitos Humanos contra as pessoas LGBTQIA+ na história brasileira. As atividades ocorrem até sexta-feira (16), em Belém (PA).

A pesquisa também catalogou territórios ocupados pela população LGBTQIA+ dos sete estados da Região Norte do Brasil como bares, boates, praças e saunas. “São espaços de resistência e de existência dos nossos corpos que rondam e circundam esses lugares”, explica.

Violação de direitos

O levantamento constatou, ainda, a ausência de delegacias especializas voltadas ao combate dos crimes de intolerância religiosa e LGBTQIA+fobia na região, além da falta de profissionais capacitados para atendimento à população LGBTQIA+; a violação do direito à moradia; a subnotificação dos casos de LGBTQIA+fobia; e a violação de direitos à saúde para travestis e pessoas trans, em especial no que diz respeito à transfobia e desrespeito ao nome social, entre outros.

Audiências públicas

Este foi o quinto encontro regional do GT Memória e Verdade. Ao longo de 2024, o grupo também realizou audiências públicas de diálogo e escuta ativa voltada à população de Brasília (DF), Belo Horizonte (MG), Florianópolis (SC) e Fortaleza (CE).

O presidente do Grupo de Trabalho, Renan Quinalha, afirmou que a violência e a memória são temas centrais na construção da cultura e da sociedade brasileira. “Muitas das nossas memórias – na maioria das vezes, as mais plurais, diversas e democráticas – são invisibilizadas. Elas têm sido atacadas e silenciadas. Por isso, é fundamental trazê-las à tona e valorizá-las de maneira acolhedora e respeitosa”, defendeu.

Os depoimentos, pesquisas e dados compartilhados nas audiências públicas darão origem a um relatório final que será lançado em 17 de maio, Dia de Enfrentamento à Violência contra as Pessoas LGBTQIA+. O diretor de Promoção e Defesa dos Direitos das Pessoas LGBTQIA+ do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, Hiago Mendes, afirmou que a preservação da memória integra a construção da política nacional LGBTQIA+.

“Parte da construção dessa política nacional se encontra justamente em um esforço de memória e de entender que as violências e violações de direitos humanos que hoje afetam a população LGBTQIA+ não são um produto do agora, mas um produto que vem da história brasileira desde o período colonial e que tem relegado a população LGBTQIA+ a um papel social secundário e que está exposto a diversas formas de violência”, declarou.

Atividades prorrogadas

As atividades do Grupo de Trabalho Memória e Verdade LGBTQIA+ foram prorrogadas por 180 dias. A norma foi publicada no Diário Oficial da União do dia 8 de janeiro. O prazo passou a contar a partir do dia 16 de dezembro de 2024.

O grupo tem a finalidade de garantir e efetivar os direitos à memória e à verdade histórica, e à dignidade das pessoas LGBTQIA+. O trabalho é realizado em parceria com a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que disponibilizou R$ 600 mil em recursos para a execução do projeto.

Sobre o GT

Criado em 2023, o GT de Memória e Verdade das Pessoas LGBTQIA+ tem como missão esclarecer as violações de direitos humanos contra a população LGBTQIA+ ao longo da história brasileira.

O grupo é composto por representantes de todas as regiões do país e de diversas identidades, e tem realizado reuniões mensais para desenvolver pesquisas que subsidiarão o relatório final.