HIV em pauta

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A história de mulheres que tiveram papel decisivo na luta contra a aids no Brasil

Genilson Coutinho,
08/03/2022 | 12h03

Ao longo de todo mês, a Agência de Notícias da Aids vai homenagear mulheres que lutam incansavelmente contra a aids, a favor do SUS e dos direitos humanos. São pessoas que compartilham com o mundo a força feminina. Por meio delas, homenageamos todas as mulheres pela coragem com que declaram seu amor à vida e lutam por igualdade, justiça e respeito.

Relembre a seguir as histórias das médicas Dra. Mariângela Simão e Maria Clara Gianna, e da ativista Jenice Pizão.

Gestão e planejamento para enfrentar o HIV 

Dra. Mariângela Simão está na coordenação da Organização Mundial da Saúde na formulação de mecanismos globais para assegurar alocação justa e acesso equitativo a vacinas e terapias que sejam comprovadamente eficazes e seguras contra o novo coronavírus.

Foi diretora por mais de cinco anos do Departamento de DST/Aids/Hepatites Virais do Ministério da Saúde, onde se destacou pela atuação na garantia do acesso a medicamentos e na defesa de direitos das populações mais vulneráveis ao HIV. Antes da OMS, integrou o corpo diretivo do Programa das Nações Unidas para o HIV e Aids (Unaids) na Suíça, onde também foi diretora do departamento de Prevenção, Direitos Humanos e Gênero até 2017.

Na adolescência, ela queria ser astrônoma. Passou um ano em intercâmbio nos Estados Unidos e, quando voltou, percebeu que gostava de trabalhar com gente e pensou em seguir psicologia. Um tio dela psiquiatra, já falecido, sugeriu que ela fizesse medicina e se especializasse em psiquiatria. “Fiz medicina, psiquiatria no Brasil era meio difícil na época, uma tendência muito conservadora, e acabei fazendo pediatria e vim para a saúde pública. Foi tudo meio por acaso”, disse.

Ela brinca que, depois que se tornou mãe, se tornou uma pediatra melhor, porque entendia melhor as mães. “Quando me perguntam se tenho alguma indicação de pediatra, eu digo para procurarem alguém que não seja tão novo, obcecado com a ciência, que tenha 30 ou 40 anos e que tenha filhos”.

Mariângela tem dois filhos: Luciano, jornalista fazendo doutorado em Portugal e Felipe, farmacêutico trabalhando com bioinformática e genética, estabelecido na Finlândia.

Aposentada pela Secretaria Municipal de Saúde de Curitiba, no Paraná, a médica foi uma das pessoas que participou da primeira implantação do programa Mãe Curitibana anos atrás, com objetivo de eliminar a transmissão vertical na cidade.

Então, um programa que inicialmente tinha como objetivo a vinculação da gestante à atenção primária à saúde e ao trabalho de parto, foi evoluindo para também incluir a diminuição da mortalidade infantil.

Em 2007, época em que Mariângela estava à frente do então Departamento de DST/AIDS/Hepatites Virais do Ministério da Saúde, o governo Lula decretou pela primeira vez no Brasil o licenciamento compulsório de um medicamento, o antirretroviral Efavirenz, utilizado no tratamento da aids.

A força das mulheres com HIV

Jenice Pizão, uma das fundadoras em 2004 do Movimento Nacional das Cidadãs Posithivas.

Ela conta que o impacto do movimento social veio em encontro da Rede de Paulista de Mulheres com HIV/Aids. , coordenado por Nair Brito. “Conheci outras mulheres, escutei suas histórias de filhos e maridos, de encontros e desencontros, dos medos da visibilidade, tão parecidos com os meus. Senti as lágrimas e sorrisos, a necessidade de gritar nossas necessidades, de mostrar nossa cara. Não éramos as outras, éramos nós, éramos nós que carecíamos de assistência médica para o perfil feminino, de profissionais de saúde sensibilizados com nossa especificidade, direitos e desejos. Com a vontade e as Deusas, conspirando por nós, sensibilizamos o PN em apoiar o Projeto Cidadã Posithiva, de construção conjunta, para mulheres com HIV/aids.”

Após exames de rotina, aos 30 anos, em 1990, Jenice Pizão se viu diante do HIV — “sem entender nada, só com a certeza da morte rápida”. “A culpa e o medo da discriminação me paralisavam, mais ainda quando pensava em minha filha, com 14 anos na época”, relembra. O conhecimento da ciência e dos profissionais de saúde ainda estava em construção — assim como o SUS, que acabava de nascer. “O único medicamento era o AZT, com um custo elevado para uma professora como eu e além da alta toxicidade hepática”.

“O acesso a psicoterapia foi fundamental para minha autoestima e melhor compreensão da realidade da epidemia de aids, conhecer as terapias integrais e complementares que poderiam estimular o sistema imunológico e me fortalecer para enfrentar o medo, o preconceito e a discriminação. Dessa forma, consegui fazer a escolha pela vida, com dignidade, sem culpas, porém, com responsabilidade”, relata. Segundo Jenice, assim ela descobriu como sair “da cadeira de vítima” e assumir “o protagonismo de mulher vivendo com HIV/aids”.

Hoje, aos 62 anos, em Campinas (SP), coordena o grupo Flores Vermelhas, de ajuda mútua com mulheres cis e trans que vivem ou convivem com HIV/aids.

“Buscamos atender as nossas necessidades, ou pelo menos, amenizar as dificuldades que vivenciamos conosco, com nossos filhos e companheiros.”

Representante do Avanço da Luta contra HIV em São Paulo

A médica sanitarista Maria Clara Gianna nasceu em São Paulo em 23 de junho de 1961. Casada e mãe de duas meninas, Carolina e Mariana, Clara começou atuar na luta contra aids em 1988, como técnica da Divisão de Vigilância Epidemiológica do Programa Estadual DST/Aids. Em 2005, ela assumiu a Coordenação do Programa Estadual DST/Aids de São Paulo, cargo que ocupa até hoje.

Seu trabalho no Programa Estadual de DST/Aids tem por objetivo principal diminuir a vulnerabilidade da população em relação às  doenças sexualmente transmissíveis, como a aids; melhorar a qualidade de vida das pessoas já infectadas pelo HIV; e reduzir o preconceito, a discriminação e os demais impactos sociais negativos das DST/aids por meio de políticas públicas pautadas pela ética e compromisso com a promoção da cidadania.

Para ela, reduzir a vulnerabilidade feminina em relação a aids, “é necessário a ampliação de projetos de prevenção ao HIV com foco especialmente para mulheres, como por exemplo, a ampliação do acesso ao preservativo feminino.”

“Por mais estranho que pareça e por mais que os índices apontem o contrário, há quem, ainda nos dias de hoje, vá contra as evidências e levante dúvidas sobre a eficiência dos antirretrovirais no controle do vírus da aids. Nós, da Coordenação Estadual de DST/Aids de São Paulo, cumprimos o dever de esclarecer a população. Temos a dizer que os profissionais da área da saúde que atendem portadores de HIV/aids desde o início da epidemia não têm a menor dúvida em relação aos benefícios que os medicamentos vêm proporcionando aos pacientes. A redução impressionante da taxa de mortalidade no Estado de São Paulo (de 22,9 em 1996 para 8,0 em 2007 num grupo de 100 mil) e a melhoria expressiva da qualidade de vida dos pacientes em tratamento são as provas disso.”

Maria Clara compartilha da convicção da comunidade científica internacional de que a relação custo/benefício do tratamento, quando relacionada aos efeitos adversos, é indiscutivelmente positiva. “Atualmente, a aids é uma doença crônica e controlável graças aos antirretrovirais e todo esforço é dispendido na tentativa de fazer o diagnóstico precoce a fim de se iniciar o tratamento no momento adequado, antes que o paciente adoeça devido à imunodepressão.”

Agência AIDS