World Pride em Madrid e as paradas LGBT no Brasil. É possível ser igual?
Por Bruno Brasil
Para o padrão da imprensa e – principalmente – para o ritmo do consumo instantâneo de notícias das redes sociais, a World Pride de Madrid que aconteceu no dia 1º de julho já pode ser considerada como uma notícia velhíssima e praticamente morta.
Porém, o espancamento do estudante Andrei Apolônio, de 23 anos, dentro de uma delegacia no Rio de Janeiro mostra que essa notícia precisa durar mais que os atuais memes que transformam qualquer assunto sério em mera brincadeira.
Andrei afirma que foi agredido por agentes da 81ª DP, em Niterói, depois de ter ido até a unidade policial às 4h da manhã para registrar um boletim de ocorrência pelo furto de seu celular e acabou com escoriações, hematomas e três dentes quebrados.
“Ele não quis fazer meu B.O e ficou muito invocado com meu estilo de ser. Dava para ver que ele estava incomodado com quem eu era, porque eu sou gay. Ele achou uma afronta eu ser um gay e querer fazer ele trabalhar às 4h da manhã”, afirmou o estudante ao G1.
Enquanto que o Brasil sustenta – impunemente – o título de ser o país em que mais se matam pessoas LGBT’s no mundo (superando, inclusive, a Chechênia, onde há acusações de existir campos de concentração para gays), em Madrid foi registrado nos dez dias da World Pride apenas UMA denúncia de homofobia em toda a cidade.
Números
A World Pride reuniu, em Madrid, 1,5 milhão de pessoas no dia do desfile e chamou a atenção de todo o mundo. Em São Paulo, segundo os organizadores, o público foi de 3 milhões de pessoas. Ou esse número simplesmente não bate, ou assumimos nossa incapacidade de transformar esse evento em um dos momentos mais importantes no combate à discriminação sexual. Talvez seja um pouco das duas coisas.
O desfile da World Pride é, antes de tudo, um ato político. E por isso mesmo extremamente emocionante. É uma festa na rua para celebrar a conquista daquele espaço e lutar pelas pessoas que não têm esse mesmo direito. Em Madrid, diversos grupos marcharam no meio da multidão com faixas em que se pedia a liberdade em países onde a homossuxualidade é crime como o Líbano, Yemen, Rússia, entre tantos outros. Drag queens, transexuais, transgêneros, lésbicas e até mesmo assexuais se reuniam em grupos próprios espalhando suas mensagens com o propósito político de ter visibilidade e educar as pessoas.
Entre um movimento e outro, encontramos um dos milhares de brasileiros naquela multidão. Ele estava em Portugal quando soube da Pride e chegou em Madrid sem local para ficar trazendo apenas uma mochila com passaporte, desodorante e escova de dentes. “Mas tá chato isso aqui, né? Esperava que fosse mais ferveção”, desabafou o carioca.
Anitta e Daniela Mercury
Enquanto isso, em São Paulo, a principal estrela da Parada Gay, realizada no dia 18 de junho, foi a cantora Anitta. Ou melhor… a ausência dela, que foi vista por breves momentos em cima de um trio elétrico. Depois da repercussão negativa, a cantora se pronunciou dizendo que foi convidada apenas para uma participação – e não para “puxar o trio”.
Felizmente a Parada Gay de São Paulo também contou com a presença – cada vez mais frequente na cidade – de Daniela Mercury e da transexual Viviany Beloni. O discurso ativista de Daniela, porém, não ganhou o destaque merecido na imprensa e também entre o público que está acostumado a um modelo de Pride como sinônimo apenas de festa.
Em uma live realizada na sede do Facebook dias depois da Parada, Daniela desabafou estar cansada de sempre precisar militar. “Nenhuma porta se abriu para mim. Eu só arrumei uma causa que não é nem um pouco confortável de ficar falando todo dia. É cansativo. É desgastante. Todas as vezes que eu e Malu saímos de casa para falar desse assunto a gente pensa se estamos realmente dispostas a fazer isso”, declarou. Enquanto isso, outras cantoras se tornam ‘musas’ do público LGBT cobrando cachês altíssimos para dar declarações vagas e participações pouco expressivas.
Parada do Orgulho LGBT da Bahia
Sim, a alegria pode até ser uma resposta para dor, como cantou Daniela no autoral disco ‘Vinil Virtual’. Mas precisamos ser mais que isso. Em setembro, será realizada a 16ª Parada do Orgulho LGBT da Bahia. Enquanto essa manifestação for sinônimo de trios elétricos com bandas de pagode em que o público sofre com inúmeras brigas e assaltos; enquanto a programação incluir um caruru dentro de uma sauna e o público ter medo de ir para a rua pelas brigas e assaltos, ela não terá representatividade e efeito necessários.
Esse modelo não atrai turistas, não envolve os empresários e, principalmente, pouco mobiliza a população LGBT. Onde estão as grandes cantoras do verão que lotam seus blocos de Carnaval com o dinheiro desse público? Cadê o Cortejo Afro que movimenta milhares de pessoas todas as segundas em uma apresentação carregada de manifestação política? Exportamos para Madrid os tambores de Neguinho do Samba, que deram o tom exato do protesto fora daqui, celebrando a felicidade sem deixar de falar da dor. Ao mesmo tempo, mandamos para São Paulo a voz-protesto de Daniela Mercury. Por aqui, nos restou muita pouca coisa.
A World Pride é uma manifestação que reúne as principais entidades da luta LGBT a cada dois ou três anos em uma cidade diferente do mundo. Assim como as Olimpíadas ou a Copa do Mundo, para uma cidade ser sede da World Pride é necessário enviar uma proposta que envolva as entidades de luta pelos direitos LGBT’s, assim como todos os poderes públicos. Realidade oposta ao que acontece atualmente no Brasil. A próxima World Pride vai acontecer em 2019 na cidade de Nova York para celebrar os 50 anos da luta de Stonewall.
Bruno Brasil é jornalista