Victor Nascimento conta sobre o documentário Âncora do Marujo

Fábio Rocha,
26/11/2013 | 00h11
 
Em entrevista exclusiva ao Site Dois Terços, o cineasta Victor Nascimento falou sobre o documentário, lançado recentemente, que conta a história do  Âncora do Marujo, antigo bar da cena LGBT soteropolitana, localizado no centro de Salvador.  
Ele falou ainda dos poucos espaços destinados ao transformismo em Salvador e das histórias de artistas que mantêm esta cultura viva. “Em todas as histórias, o que mais me comove é o tributo desses artistas às mulheres e o amor à arte por permitir que eles encontrem um espaço em suas vidas para sonhar”, diz. Confira o bate-papo:

DT – Como nasceu a ideia de falar do Ancora do Marujo?
Victor Nascimento – Eu conheci o bar quando eu ainda morava em Salva

dor e nem sonhava em trabalhar com cinema. Eu era frequentador e adorava o ambiente divertido da casa. Mas quando eu estava no último ano do curso de cinema, decidi levar meu encanto pelo bar a sério e fazer um documentário longa metragem sobre ele. Eu achei que ele renderia um excelente filme, misturando religião, música e sensualidade. Eu queria documentar a história do Âncora do Marujo, mas também

 homenagear a cultura de Salvador, minha terra natal, que acho única. 


DT – O Âncora é um dos poucos espaços na cidade para os profissionais da arte do Transformismo. Você escutou muitas queixas sobre a falta de novos espaços?
VN – Há poucos espaços na cidade, isso é verdade. O Âncora parece ser o único desses espaços dedicado exclusivamente aos shows de transformismo. Acredito que isso é algo especial, pois ele não se rendeu a modismos ou a outras atividades. Além disso, o bar é um importante espaço para artistas que querem começar a fazer show e que normalmente não encontrariam portas abertas em outro lugar.

DT – O documentário conta a historia do Âncora e dos artistas que mantém viva a casa, Você encontrou historias lá que mexeram com você?
VN – Foram muitas horas de filmagem e muitas histórias incríveis. Eu poderia fazer um filme sobre cada artista da casa, mas na edição fomos escolhendo os momentos que ao todo conseguissem criar o retrato mais fiel da multiplicidade que é o Âncora. Em todas as histórias, o que mais me comove é o tributo desses artistas às mulheres e o amor à arte por permitir que eles encontrem um espaço em suas vidas para sonhar. 

DT – O elenco do show do Âncora é muito grande e diversificado. Como foi o processo de seleção para o documentário?

VN – A equipe foi ao bar meses antes para fazer uma pesquisa. Eu já conhecia a maioria dos artistas, mas nunca tinha sentado para conversar com eles. Foi um processo longo, mas ali já conseguimos encontrar o que queríamos de cada um. Nós procuramos misturar veteranas da casa, como Carolina Vargas, Valerie O’rarah e Scarleth Sangalo, com nomes novos da casa como Larissa Bravo, além de funcionários, frequentadores e Fernando, o administrador do bar. Todos acabam sendo protagonistas em determinados momentos. 

DT -Ainda há preconceito e falta de sensibilidade de algumas empresas no que tange patrocinar produtos culturais  voltado para comunidade gay. Como foi o processo de capitação para o documentário? Você sentiu essa falta de interesse em algum momento?

VN – A falta de interesse pelo tema é real. O filme acabou sendo feito de forma totalmente independente, sem com isso perder sua qualidade. Diversas empresas fecharam as portas para nós no processo de captação, alegando não poder alinhar um filme de tema gay com o seu posicionamento de marketing. Inclusive os editais públicos também são restritos, havendo poucos prêmios voltados para o tema LGBT. Mas o importante é que conseguimos levar o filme ao público depois de 3 anos de trabalho e que iniciativas como essas são fundamentais para termos gays, transformistas e transexuais protagonizando ações que elevem a cultura LGBT.

DT -Você acompanhou o cenário LGBT durante o processo de gravação e conheceu um pouco da realidade dos profissionais da cena LGBT. Como você tem visto esse cenário em SP, é muito diferente daqui de Salvador?

VN – A diferença maior está na estrutura. Há algumas casas em São Paulo dedicadas ao transformismo e outras que têm transformistas como apresentadoras. E elas ganham mais visibilidade, os cachês são maiores, há mais acesso a materiais para o show e figurino. Mas no fundo, a dificuldade é a mesma. E acredito que os artistas do Âncora têm um diferencial incrível que é a baianidade do seu repertório e suas raízes negras. Isso não se vê em mais nenhum lugar e foi determinante na escolha dos números musicais do filme. 

DT – Conte um pouco sobre você.

VN – Biografia: VICTOR NASCIMENTO é cineasta formado pela Academia Internacional de Cinema de São Paulo. Nasceu em Salvador-BA, onde se formou em Comunicação pela Universidade Unifacs e trabalhou por 3 anos em agências publicitárias baianas e na TV Universitária Unifacs como redator. Com sua sócia Patricia Galucci fundou a Maria João Filmes, produtora independente de São Paulo. Com isso eles conseguiram importantes trabalhos como o vídeo em defesa do casamento igualitário para o Google Brasil, que passou de 80 mil views no Youtube. O primeiro filme Ontem (2010) dirigido por Patricia e escrito por ela e Victor ganhou visibilidade em festivais nacionais. Em seguida, Irene (2011) uma direção e roteiro dos dois participou de mais de 40 festivais e ganhou mais de 13 prêmios nacionais e internacionais, incluindo Melhor Filme no Festival Internacional GLBT de Barcelona e Melhor Diretor Estreante no Entretodos Festival dos Direitos Humanos.