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Um LGBT para além dos muros por Filipe Cerqueira

Filipe Cerqueira,
05/06/2020 | 16h06

Filipe Cerqueira
Depois de um dia cheio, trabalho intenso, deito a noite na minha cama e a única coisa que quero fazer é relaxar vendo um filme. Decido ver uma produção lgbt e procuro, no mais popular serviço de streaming, um exemplar que me agrade. No emaranhado de opções, resolvo fazer um funil. Não aos filmes dramáticos demais, saem pelo ralo produções com foco na temática do armário, dos relacionamentos desequilibrados, famílias desajustadas por transformar as homossexualidades em drama, homofobia e religião, gays obsessivos por conta de uma homossexualidade mal resolvida… também não estou afim de assistir filmes onde a solução para a gay protagonista é justamente um relacionamento com um macho padrão. Descarto ao todo 80% do catálogo. O que me resta são (poucos) filmes com lésbicas, bissexuais e transexuais. Desses 20% restantes, começavam novamente a roleta russa entre produções melancólicas ou estereótipos das outras identidades homossexuais. Neste funil simples, dos 3 serviços de streaming da minha tv, fico com 0 opções!

O que eu queria? Um filme policial onde o personagem principal fosse gay! Ele resolvesse um caso quase impossível, o vilão poderia ser até clichê. Tem nada não! Não estou pedindo nenhum 007. Não me incomodaria nem um pouco se no clímax, num rompante de desespero, o vilão sequestrasse a família do protagonista (marido e filhos), trazendo mais uma motivação para minha atenção a trama. Ou uma comédia romântica lésbica, onde em momento algum a bissexualidade de uma das protagonistas fosse coloca em pauta e a outra fosse um estereotipo de “moleque macho” destruidora de lares. Quem sabe uma ficção cientifica onde três cientistas travestis tivessem contato com extraterrestres e era dado a elas o poder de decidir entre quem iria sobreviver no mundo e quem deveria morrer, pois os alienígenas estavam ali para destruir o planeta. Por sinal, gostei dessa última ideia que acabei de inventar. Daria uma boa série!


Sabe, sinto falta de filmes assim envolvendo meu povo. Sério! Nós não somos somente uma problemática invasiva e eterna da nossa sexualidade. Pagamos contas, bebemos, trabalhamos, mentimos, brigamos, sorrimos, nadamos, cantamos, vamos ao supermercado, nos entupimos de dividas, brigamos com parentes… Vida normal! Sem necessariamente nossa sexualidade estar envolta nisso tudo. Pode ter uma certeza, quando a sexualidade está marcada em uma dessas situações é devido, muitas vezes, a presença de um hetero problematizador. Como uma travesti ir ao shopping, sentir vontade de ir ao banheiro e ser proibida de entrar no lugar. Tem sempre um hetero pondo nossa sexualidade a prova!
Existem POUCOS personagens gays ou lesbicas em series ou filmes onde sua sexualidade não é o fator principal para sua presença no filme. Friso, são poucas! Nessas séries, os personagens LGBTs não são protagonistas. Poucos são os autores dispostos a escrever sobre homossexualidade como foco, imagina pedir a esses mesmos autores escreverem algo dentro de temáticas “normativas” com personagens LGBT?
Pensar para além da caixa! Para além dos muros. Nós estamos em todos os lugares, então por que não estamos em todas as locações? Por que o nosso cinema, produzido por gente LGBT não sai da caixa? Dormi desejando um musical, a lá Moulin Rouge, brega, alegre, intenso. O casal poderia até morrer no final, mas não vitimas da homofobia de algum vilão estereotipado… Seria pedir demais?… Acho que sim.


Filipe Cerqueira é diretor da SOUDESSA Cia de Teatro, historiador pela UNEB, realizador audiovisual pelo Projeto Cine Arts – UNEB – PROEX e apaixonado por cinema.