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‘Todas queriam fazer a bonita, dublar músicas românticas e eu queria fazer algo diferente’, diz Dino Neto sobre Sfat Auermann

Carlos Leal,
24/09/2023 | 12h09
Foto: Divulgação

Em Salvador, quando se trata de artistas LGBTQIAPN+, a  noite   sempre nos revela grandes surpresas, há atrações para todos os gostos. Umas, preferem fazer cover de grandes artistas e o fazem muito bem. Outras criam personagens que ficam marcados nas mentes de quem os assite. Um desses artistas é o maquiador  Dino Neto, que há 34 anos dá vida a Sfat Auermann, uma das drag queens mais reverenciadas na noite soteropolitana. Nesse bate papo com o Dois Terços, Dino fala um um pouco da sua trajetória e como foi o processo de criação de Sfat Auermann.

DOIS TERÇOS: Dino, primeiro quero dizer que admiro demais o seu trabalho, já te vi em cena e é algo realmente marcante. Queria saber inicialmente como surgiu Sfat Auermann. Houve inspiração em algum artista?

DINO NETO: Sfat surgiu em um momento em que eu achava que os transformistas estavam fazendo tudo muito igual, era minha visão. Todos queriam fazer a bonita, dublar músicas românticas e eu queria fazer algo diferente. Sempre fui fã de Gracy Jones, Nina Hagen, Boy George, david Bowie e essas pessoas sempre tiveram uma imagem muito forte nos figurinos, nos seus shows e então eu queria fazer uma mistura, juntar todos em uma personagem. O nome Sfat foi por conta do sobrenome da Dina Sfat, que eu era muito fã e a modelo alemã  Nadja Auermann que, se não me engano, foi uma das primeiras modelos a entrar para o Guiness Book  pelo tamanho das pernas. Daí, eu montada, as pessoas diziam: ah, suas pernas ficam gigantes e eu queria fazer esse link, de algo que tivesse a ver com minhas pernas. Parti para um personagem que ninguém queria fazer: ficar pendurada de cabeça para baixo, cuspir fogo, ou seja, saindo do cotidiano dos shows de transformistas de drags.

DT: Já são 34 anos levando sua artes para as casas noturnas de Salvador e e também para outros estados. Para você, qual é o sucesso desse sucesso há tanto tempo?

DN: Eu creio que uma das coisas que dá certo é surpreender. Quando tem apresentação minha todos já falam: “ah, lá vem Sfat, ela não vai ficar quieta”. Tem outra coisa: desde os tempos que faço shows, mesmo antes da Sfat, desde Os Monges que eu tenho amizade com Chiquinho DJ e ele sempre manda para mim músicas que são a minha cara. Às vezes são até músicas que já tocam nas pistas de dança, mas com uma nova versão; tem uma música gravada pela cantora Kinda, chamada Love Song que o Chiquinho fez um remix para mim, e eu gosto de inovar. Claro que em casas pequenas eu não consigo fazer o que faço em raves. Em eventos maiores eu fico de cabeça para baixo, pulo, uso extintor de incêndio que fica muito legal, mas requer espaço. Olha, não acho que faço sucesso tanto não. Acho que meu diferencial é proporcionar surpresa.

DT: Durante esse tempo, além de apresentações em casas noturnas, fez e faz muitas festas privadas?

DN: Já fiz muita festa de aniversário, muitos telegramas animados, mas agora caiu um pouco porque as pessoas só querem mais atores que se vestem de  drags… Olha, eu já fiz até festas de 15 anos dublando I Will Survive ou It’s rainning Man …

DT: Quando você começou existia a possibilidade de fazer, por exemplo, uma Madonna, uma Gal Costa ou uma Tina Turner, mas você preferiu enveredar por outro caminho. Você acha que o fato de um artista trabalhar apenas com cover pode tornar sua carreira mais curta?

DN: Eu não concordo que seja mais curta não, viu, acho que até ajuda. A Marcela Nudan Nascimento fez Bethânia durante uns 40 anos, se não me engano. Tem a Andrea Gasparelli, do Rio de Janeiro, que faz Gal Costa até hoje. Creio que até ajuda. Lembra das meninas de São Paulo que fazem Manonna até hoje, são ídolos e ídolos não limitam, pelo contrário, dá uma “esticada” naquele determinado trabalho.

DT: Além de apresentações individuais, você fez parte de um grupo chamado Os Monges, onde dividia a cena com Sulivan Reis e Johnny Star. Poderia falar um pouco da importância desse espetáculo na sua vida?

DN: Tudo começou com os Monges mesmo. Eu e Sulivan fazíamos dança, Johny Star se vestia de um personagem meio Boy George. Foi quando um amigo nosso chamado Marcelo Dantas trouxe da Suissa um disco que não existia no Brasil ainda, era o Enigma, que era com padres cantando em cima de uma batida musical. Dai montamos Os Monges, lembro que escrevemos Monges com J …. aí o Jhonny Star dublava a parte musical que era feminina, eu e Sulivan entrávamos de padres, meio monges e tirávamos a ruoupa ficando só de tapa sexo ou de sunga dançando porque nós nem dublávamos naquela época. Foi quando tentamos fazer uns barulhos com a boca, que tentávamos imitar, Chiquinho DJ conseguiu uma maxmix que também eram vários pedacinhos de uma música que também tinha. Aí a gente criou um número chamado bonecos de mola, onde imitávamos uns bonecos. Foi quando um produtor do SBT veio a Salvador, isso quando a TV Itapoan retransmitia o SBT, fizemos o teste e nem acreditamos muito que iria rolar e olha um mês depois ele nos levando para o Programa Silvio Santos? Depois  voltamos, fizemos o Programa do Gugo, depois da Hebe Camargo, Programa do  Bolinha e até o programa do Amaury Jr nós gravamos. E foi assim, a partir do disco Enigma que tudo começou.

DT: Nos anos 80 e 90 existia uma efervescência cultural muito grande na noite soteropolitana. Só para lembrar de alguns espaços: Boate BRW, Boate Mix Ozônio, Bar Charles Chaplin, Boate Caverna e por aí vai. Poucos sobreviveram, posso citar o Clube 11 como um deles. O que você acha que fez com que houvesse essa mudança?

DN: Penso que o que mudou na efervescência dos anos 80 e 90 acho que foi investimento público. Perceba que todas as cidades do Brasil onde ruas começaram movimentos LGBTS, elas se mantém. São Paulo, por exemplo, fecha uma coisa, abre outra … aqui teve essa coisa de jogar uma coisa para a Barra, outra para o Rio Vermelho e a Rua Carlos Gomes foi abandonada. Eu e Genilson Coutinho fizemos um documentário sobre a Carlos Gomes, que foi a primeira rua LGBTQIAPN+ oficial na Bahia  e que hoje está abandonada. O que faltou foi investimento público, mais segurança, abrir mais espaços, a ajuda da prefeitura, que seria fundamental. É preciso investimento naquele local. A Carlos Gomes foi o primeiro lugar LGBT que fui, depois fui conhecer a boate tropical, que não existe mais … tinha a I’s Kiss, a BRW, o Caverna …. então, repito: faltou investimento

DT: Como você avalia a cena transformista de hoje?

AS: Temos bons nomes. Valerie Ohara, Aimée Lumière, Petra Perón, Amanda, Rainha Loulou, Isabela Sodré, Miss Boana, Suzy de Costa, Fera Sunshine, Mel Blera, Eyshyla, Scarlet Sangalo, Scher Marie, Desirée Beck. Só acho que algumas tem que se desligar de performance em cima de cantoras e criarem uma imagem própria…isso é importantíssimo pra marcar a imagem e a carreira de um artista transformista!