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‘Se o sistema racista pensa que irei sucumbir, está enganado, pois nunca vou desistir’, diz cantora Claudya Costta

Carlos Leal,
19/11/2023 | 10h11

Claudya Costta é uma artista que encara a arte como ferramenta de autoafirmação. A artista reflete na construção da sua identidade musical a visão do mundo atual. Acabou de lançar o Single Em tuas Marés, que inicia nova fase em sua carreira artística, introduzindo, conceituando e intitulando seu próximo EP, com novas tendências para a Contemporaneidade.

Além de ser conhecida como “a voz feminina do Cortejo Afro”, Claudya possui um trabalho solo que a eleva como uma das grandes cantoras do Brasil. A artista, que já dividiu o palco com artistas como Já dividiu palco com Gerônimo,   Margareth Menezes, Daniela Mercury, Mariene  de Castro, Martinália, Preta Gil e  Luiza Possi, conversou com o DOIS TERÇOS e falou um pouco de sua carreira, shows fora do Brasil, racismo e sobre o lançamento do seu primeiro livro, dia 26 de novembro, na Livraria do Cine Glauber Rocha.

DOIS TERÇOS:  Claudya, as pessoas associam muito sua imagem ao Cortejo Afro, mas, na verdade, você possui um trabalho independente… gostaria que você falasse um pouco desse seu trabalho solo.

CLAUDYA COSTTA: Meu novo trabalho solo traz  a visão do mundo atual. Acabei de lançar o Single Em tuas Marés, que inicia nova fase em minha carreira artística.  É a faixa que introduz e conceitua meu próximo EP. Um trabalho que traz novas tendências para a Contemporaneidade. Nas letras vocês  irão encontrar a elevação da autoestima preta e mistura de ritmos como o afrobeat, o afropop e influências do Jazz, ReB e referências dos tambores dos Blocos Afros da Bahia, em conexão com ritmos eletrônicos mesclados às batidas do Trap e POP. Logo estarei lançando mais três Singles, que completarão o EP.

DT: O que representa o Cortejo Afro na sua carreira?

CC:  Foi muito importante, principalmente pelo amadurecimento e conhecimentos agregados. Dentro do Cortejo Afro  eu fui às pesquisas. Ali, aprendi muito, conheci muita gente boa. Sou muito grata por participar deste projeto incrível, afrofuturista, que é o Cortejo Afro. Tudo a ver comigo! A troca com os colegas de trabalho é sempre gratificante! Amo, de paixão, Portella, Aloisio Menezes , Valmir Britto, Shido, Marquinhos Marques…o Cortejo foi um divisor de aguas na minha vida. Um projeto que participo nos ensaios de verão e carnaval de Salvador. Ali, no Cortejo, todos os componentes têm sua carreira artística solo, paralela e está tudo bem. O próprio Cortejo Afro nos dá força neste quesito e vibra com o nosso crescimento.  Eu, geralmente, estou envolvida em vários projetos. Puxo o Cortejo Afro, no carnaval, puxo a Mudança do Garcia também… Acho o circuito Riachão maravilhoso e muito democrático!  Depois do carnaval eu tenho já um outro projeto fora do Brasil, na França, onde levo mostras da multiplicidade musical brasileira, no projeto Brasil Tropical, no PamPam  Spetacle. Então, eu sou essa artista multi. Não consigo ser uma só. Gosto de sempre estar buscando novos caminhos, novos rumos e sempre estar me atualizando, afinal, somos pessoas do nosso tempo, ne?

DT: E sua carreira internacional,  fala um pouco sobre seus shows fora do Brasil.

CC:  Shows contagiantes! É muito boa esta troca com o público europeu. Um outro projeto que me deu vasta experiência.  Intercambiar culturas é delicioso. Aprendi a falar um pouco de francês para ter melhor comunicação com o público, dá os comandos de êxtase, no show. Nesta mostra, fora do Brasil, levo afro brasilidades e o que tem de mais rico na nossa musicalidade: o samba e sua multiplicidade, o axé, o maracatu, xote, baião e toda alegria e colorido do nosso Brasil.

DT: Você tem um público LGBTQIAPN+ muito presente em seus shows. O que esse público representa em sua vida?

CC: Aaaaamo, de paixão o Público LGBTQIAPN+.  É um público fiel, alegre, colorido….Adoooro esta alegria. É um público exigente, também.  Eu sintonizo muito com essa galera por ter uma alma libertária.  Adoro conversar e ter essa troca com essa plateia, que representa pra mim a diversidade, a liberdade, o rasgar preconceitos e que se façam, sempre presentes, nos meus shows.  Sejam muito bem vindos!

DT: E o preconceito por ser mulher e negra, você sente isso em sua vida?

CC:  Desde que nasci. E na escola foi muito doloroso, este processo. O racismo estrutural se manifestou em minha vida em diversas instâncias. Na minha carreira, enquanto cantora negra e na carreira de tantas cantoras negras, na Bahia isso é visível. O Racismo estrutural é sempre presente! Por que tantas cantoras negras tiveram percursos diferentes das cantoras brancas, na estrutura baiana? Fico perplexa, vendo ainda o que temos que percorrer. Só quem tem a pele preta sabe o que sente e o que é. A gente sabe o que nossa família passa e o que nossos antepassados passaram. E vamos construindo nossa história com muito sangue e suor. Tudo o que tenho, eu fui buscar,  na coragem. E, na minha carreira, eu sempre estive sozinha, gerenciando e formando a minha equipe, porque sempre fui buscar o que é meu, na raça, sendo vitoriosa. E se o sistema racista pensa que eu vou sucumbir, está enganado, porque , nunca vou desistir!  

DT: Além de cantora, você irá lançar um livro agora em novembro. Poderia falar um pouco sobre ele?

CC: É um livro de representatividade negra, com foco no público infantil, mas, que faz uma conexão  com todas as idades. O livro chama-se “Ayana e o passeio à Lagoa do Abaeté”. A personagem principal, Ayana, traz muita representação. A criança vai se mirar e se reconhecer. As várias possibilidades dos seus cabelos crespos  é um dos principais discursos, no livro. Seus penteados insinuam um olhar afro identificado, para dentro da narrativa. Nela se lê o discurso da conquista da voz! É o espaço de voz da menina negra que, historicamente, foi silenciada, na ficção. Então, é uma personagem que vai além dos príncipes e princesas da Disney, que sempre ocuparam esse papel. Para além dos estereótipos, a gente precisa pensar em outros padrões de representatividade que tragam e dialoguem a formação de identidade brasileira. Além deste discurso, o livro , também traz as tradições populares de matrizes africanas, a cultura popular e uma homenagem às Ganhadeiras de Itapuã. O samba de roda da Bahia, o acarajé ocupam múltiplas narrativas, aumentando a consciência da criança sobre representatividade e valorização da sua identidade.

DT: Deixa uma mensagem para os leitores do Dois Terços…

CC: Quero agradecer à Dois Terços e todos os leitores pelo carinho e acolhimento . A mensagem que tenho é: precisamos combater, cada vez mais, todas as estruturas de preconceitos, seja racial, social, de gênero e podemos fazer isso através da educação, começando dentro de casa, com nossas crianças. Apresente às suas crianças literaturas que libertam e empoderam, lembrando aos adultos que somos o primeiro exemplo para os nossos pequenos. Você é o primeiro passo para que possamos formar cidadãos que tenham uma educação antirracista, anti-homofóbica, antisexista. Você é o primeiro agente da mudança que essa criança precisa ver no mundo. Espero todos vocês, no dia 26 de novembro, às 15h, na Livraria do Cine  Glauber Rocha para o lançamento de “Ayana e o passeio à Lagoa do Abaeté”!  Beijo a todos!