Sala VIP

Teatro

Sala Vip: Uma conversa sobre teatro com o ator Mario Bezerra

Genilson Coutinho,
25/09/2014 | 22h09

Cearense de nascimento e baiano de coração é como se sente o ator Mario Bezzera, que revela que antes de abraçar o teatro como profissão estudou administração e psicologia, além de ter sido sócio do pai em uma empresa como tentativa de escarpar do mundo das artes, até o dia que se entregou de corpo e alma ao teatro. Em entrevista ao site Dois Terços, Mário conta um pouco da sua trajetória no cenário teatral de Salvador e da sua mais nova experiência com a Cia Baiana de Patifaria, em especial no aplaudidíssimo espetáculo “Abafabanca – uma delicia de comédia”, em cartaz aos sábados e domingos, às 20h, no teatro ISBA em Ondina.

Confira a entrevista na íntegra e conheça um pouco mais sobre Mario Bezerra.

Dois Terços – Quem é Mario Bezerra? Conte-nos um pouco sobre você.

Mario Bezerra – Mario Bezerra é um baiano de coração e de alma nascido em Fortaleza (CE), mas que vive em Salvador desde os 3 anos de idade. Iniciei no universo artístico na adolescência, aos 14 anos, em 1992, com o professor/diretor/dançarino Osvaldo Rosa. Mas aí, questões familiares me obrigaram a largar por um longo período esse universo. Nesse meio tempo me formei em administração, fiz pós-graduação em psicologia, fui sócio de meu pai numa empresa de consultoria, enfim, tentei escapar do caminho que me interessava, mas não consegui. Há cerca de 6 anos, retomei o caminho. De lá pra cá, abandonei quase tudo e hoje estou aqui vivendo exclusivamente como um profissional das artes e, mesmo com as dificuldades, estou muito feliz.

DT – O musical “Éramos Gays” trouxe para Salvador o primeiro musical gay da cena teatral da cidade. Você acredita que o público baiano se identificou ou houve algum estranhamento?

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MB – Èramos Gays foi um espetáculo fundamental, no sentido de que seu longo processo (9 meses de ensaio e produção) foi todo superando dificuldades em vários aspectos. Mas, justamente tratando de um musical, os desafios começaram desde as audições. Por um motivo simples: a Bahia é um estado abençoado pela música, pelas expressões artísticas, pela dança, pelo teatro, mas essas linguagens não dialogam muito entre si.

A formação artística dos atores mal se comunica com a formação dos cantores que se comunica pouco também com a dos dançarinos etc. Não digo que seja fundamental que todos os artistas baianos busquem essa formação interdisciplinar, mas seria muito bom se ela fosse oferecida pelas instituições. Então isso gerou um desafio que conseguimos superar, claro, mas que tornou o processo mais longo do que deveria.

Tivemos outros musicais como Amor Barato, Eu Sou Dom Quixote, e agora Toda Forma de Amor, então acredito que a demanda existe para que se invista na formação. Eu canto também, faço parte hoje da orquestra do Maestro Fred Dantas, e isso me traz um aprendizado incrível. Busco também aprimorar a técnica do canto, faço aulas com Manuela Rodrigues. Acaba que temos que buscar, individualmente, essa formação por si.

Quanto a gerar estranhamento, não acho que tenha acontecido com Éramos Gays. Tivemos uma média de lotação de 80% em nossas temporadas, o publico gostava, voltava mais vezes, levavam mãe, pai, avós, enfim. Nesse sentido, atingimos bem nosso objetivo.

DT – A reação da platéia com seu solo sado masoquista sempre mexia com todos. E contigo, como foi viver esse momento?

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MB – Ah, aquilo foi fantástico. Não era exatamente um número sadomasoquista, era mais fetichista na verdade. Adrian Steinway, o diretor, conseguiu convencer a dramaturga de que era importante montar aquele meu solo, porque se há a proposta de colocar 6 personagens gays de biotipos e estilos diferentes, que cada um deles pudesse ser explorado de alguma forma. Então, nada mais apropriado que meu personagem, o ursão gordinho, peludo e barbudo, mostrasse que é possível se sentir desejado, ser desejado, que pode haver sensualidade num corpo fora do padrão.

Tanto o figurino mínimo que eu usava na cena quanto a letra da música deixavam isso claro. Não tenho notícias de que alguém tenha se chocado com a cena, até porque ela não tem nada de chocante, apenas saía do lugar comum e tirava o publico da zona de conforto, o que é sempre bom. Sérgio Sobreira me deu um feedback sensacional sobre a cena, ele me disse “Mario, sua cena vale mais do que 10 sessões de terapia”.

DT – Como você tem visto o cenário teatral baiano nos últimos anos? Já dá para viver apenas do teatro em Salvador?

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MB – Quando eu tomei a decisão de que ia viver exclusivamente como artista, foi em meados de 2012. Eu já estava desde 2010 tentando conciliar isso com meu emprego formal, na época, justamente porque eu acreditava que seria impossível viver só como ator. Até porque eu, que passei tantos anos afastado, era desconhecido ainda para 99% da classe teatral.

Depois de muitos cursos, muitas apresentações e de colocar minha cara pra ser vista, decidi que era a hora de me dedicar. Só que eu encontrei um cenário um tanto inóspito pra isso. Um cenário em que as empresas não querem mais patrocinar espetáculos, onde as produtoras audiovisuais não conseguem valorizar tanto os atores quanto deveriam, artistas que ganham editais do governo mas que não recebem o dinheiro quando deveriam receber. Enfim, eu fui corajoso e decidi tentar.

Não me arrependo, pois mesmo com as dificuldades, tenho tido boas chances de mostrar meu trabalho e ser reconhecido por ele, não só como ator, mas também como cantor. Tem sido possível sim, para mim, viver de arte. A relação com o dinheiro tem que mudar, claro, pois a insegurança é grande, mas não e impossível.

DT – Abafabanca: Como aconteceu esse convite?

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MB – Ah, foi uma excelente surpresa. Lelo Filho me ligou em fevereiro e sondou sobre minha disponibilidade em 2014. Disse que estava querendo remontar Abafabanca, o 1º espetáculo da Cia Baiana de Patifaria e me convidou para participar de uma seleção.

Éramos cerca de 8 ou 9 atores na primeira etapa, que envolvia leituras e improvisações, e na segunda etapa, já com o crivo de Fernando Guerreiro, eu acabei sendo escolhido, junto com Talis. Então, foi uma honra ter sido lembrado por Lelo, que havia me assistido em Éramos Gays e em Eu Sou Dom Quixote. Estar agora fazendo parte dessa histórica companhia é uma grande certeza de que estou no caminho certo.

DT – Com tem sido essa experiência com a Cia Baiana de Patifaria?

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MB – Tem sido incrível, pois trabalhando com a Cia eu vejo na prática o quanto o teatro pode ser profissional, sabe? Eles têm uma equipe de produção impecável, uma sede muito bem organizada, uma logística de produção superencadeada e eu me sinto muito bem cuidado e respeitado como ator. Acolhido mesmo. E trabalhar com a linguagem do besteirol é um exercício maravilhoso.

Fazer humor é difícil pois dominar o tempo da comédia não é tão simples assim. Eu faço parte do elenco da +1! Filmes há 2 anos, canal de esquetes de humor do Youtube, o que já me obrigou a desenvolver um raciocínio bem mais rápido, pois os textos dos vídeos são todos através de improvisações. Mas lá o diretor edita e pode ajustar esse time, tornando o ritmo ainda mais adequado. Mas com a Cia, no palco, é diferente porque o publico está ali presente e a resposta é imediata.

DT – O público sempre solta uma piadinha no meio do espetáculo e você tem que segurar a onda. Já aconteceu algum momento engraçado que não deu para segurar o riso?

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MB – Em Abafabanca, estou dividindo o palco com Lelo Filho, membro fundador da companhia, com Diogo Lopes Filho que tem uma longa carreira fazendo comédia, tendo feito já 4 espetáculos com a Cia, e com Talis Castro, que faz stand up, que faz parte do Clube das Hienas, enfim, estou rodeado de 3 atores que tem mestrado e doutorado em humor.

Então é impossível não se deixar levar em alguns momentos, se desmontar e cair na risada. Até com eles isso acontece. E acredite, o publico adora nos ver assim em cena, chegam a aplaudir. Certa feita, Diogo deu uma fala toda em espanhol, assim do nada. Como se segurar? Impossível.