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Sala VIP

Sala Vip – Comissão da Diversidade Sexual e Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Bahia

Carlos Leal,
12/10/2023 | 11h10
Dr. Ives Bittencourt

“É urgente a necessidade de fomento à contratação das pessoas pertencentes à comunidade LGBTQIAPN+, inclusive com cotas, para emprego e trabalho formal” Comissão da Diversidade Sexual e Gênero da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) Bahia


São muitas as questões que envolvem os direitos da comunidade LGBTQIAPN+ no Brasil e no mundo. Algumas são tão sutis que os envolvidos nem se dão conta de que podem, por exemplo, entrar com uma ação para ter seus direitos garantidos. Pensando nesse tema, o site Dois Terços conversou com Dr. Ives Bittencourt e Dra. Luise Reis, presidentes da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB-BA, para alguns esclarecimentos.

Dr. Ives Bittencourt @ivesbittencourt, homem cisgênero, homossexual, nordestino, gordo, branco, advogado humanista e antidiscriminatório, pós-graduado em direito e processo do trabalho, atual presidente da Comissão de Diversidade Sexual e Gênero da OAB/BA, supervisor voluntário do CEJUSC Garibaldi TJ/BA, Mediador Judicial, membro da Comissão de Direitos Humanos do IAB/BA e sócio fundador do escritório Abreu & Bittencourt Advocacia e Consultoria Jurídica.

Dra. Luise Reis: Advogada e pesquisadora, bacharela em Direito pela Universidade Católica de Salvador, bacharela em Letras pela UFBA, Mestre em Linguística Aplicada (UFBA /Universidad de Deusto – Bilbao)

Dra. Luise Reis



DOIS TERÇOS:Em 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a união estável entre pessoas do mesmo sexo. No mesmo ano, o casamento entre pessoas do mesmo sexo também foi reconhecido por meio do julgamento de um recurso especial da 4ª Turma do STF. Na prática, o que difere a União Estável do Casamento Civil?

COMISSÃO DA DIVERSIDADE SEXUAL E GÊNERO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL (OAB) BAHIA:  A diferença entre casamento civil e união estável está basicamente nos processos burocráticos. Para formalizar a união, não é necessário realizar cerimônia, como acontece nas celebrações civis e no casamento religioso. A união estável pode ser oficializada por contrato particular ou cartório. Além disso, ressaltamos que, na união, o estado civil dos indivíduos não é alterado, diferente do que acontece no casamento civil.
Contudo, pertinente aos deveres e direitos, não há diferença entre os dois eventos.
Sobre esse tema, registramos inclusive que a comunidade LGBIQIAPN+ sofreu uma tentativa de golpe recentemente, com a votação da PL que buscou proibir o casamento entre pessoas do mesmo sexo, apontando grande retrocesso para o país.

DT: LGBTQIAPN+fobia é uma violência grave que ainda presenciamos no nosso dia a dia. São inclusive crimes equiparados ao crime de racismo. Quais são os principais problemas que chegam até vocês nessa esfera?

CDSG-OAB/BA
: O cenário para população LGBTQIAPN+ no Brasil é bem preocupante. Segundo o Observatório do Grupo Gay da Bahia (GGB), a região Nordeste continua sendo a mais insegura para a comunidade LGBTQIAPN+. A Bahia assume a primeira posição no ranking de violência. Dos 155 municípios brasileiros que registraram ao menos uma morte violenta dessa comunidade, Salvador fica entre os cinco primeiros.
Temos acompanhando o crescimento de violências LGBTQIAPN+fóbicas no âmbito familiar, escolar, universitário, em espaços de trabalho e na internet. É uma violência institucional e estrutural. No entanto, a maior dificuldade encontrada é o despreparo do Estado no acolhimento das vítimas.


A pessoa violentada enfrenta muitos entraves para denunciar a violência, como a dificuldade em ter sua identidade de gênero, orientação sexual, pronomes e nome social respeitados. Essas falhas percebidas durante a busca para sanar a violência principal acabam se tornando novas violências estruturais e institucionais.   Atualmente, temos a primeira delegacia especializada em Repressão aos Crimes de Discriminação (COERCID), que presta suporte às vitimas, mas este caminho ainda é uma travessia para poucos.

DT: Se uma pessoa da comunidade LGBTQIAPN+ for discriminada, em qualquer situação, quais passos deve seguir? E se um terceiro presenciar essa violência?

CDSG-OAB/BA: Se você foi vítima ou tomou conhecimento de um crime LGBTQIAPN+fóbico temos algumas sugestões:

. Se for seguro, interrompa imediatamente a ação: sempre que possível, busque proteger a vítima. Avalie a situação e, em estado de segurança para você e para a vítima, impeça a pessoa agressora de continuar o delito. Chame a atenção das pessoas ao redor. Se possível, colabore com a produção de provas.

. Acolha a vítima: busque confortá-la, escute sua demanda e pergunte se ela quer ajuda ou algum apoio para sair daquele local e realizar a denúncia.

. Denuncie: através do Boletim de Ocorrência (B.O.), qualquer Delegacia tem o dever de acolher e atender vítimas de LGBTQIAPN+fobia. O B.O. deve ser realizado pela vítima, mas a pessoa que presenciou o ato pode acompanhar e depor como testemunha.  As denúncias também podem ser feitas pelo 190 e pelo Disque 100 (Departamento de Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos).

Sendo constatada a existência de crime, caberá sempre à Polícia Civil investigar os fatos e ao Ministério Público requerer a condenação dos acusados perante a Justiça. A vítima deve buscar também indenização na esfera cível pelas violências sofridas.

DT: Quando um menor de 18 anos é expulso de casa por se declarar LGBTQIAPN+, existe alguma lei que obrigue os pais a assumir a responsabilidade do menor?

CDSG-OAB/BA: O artigo 227 da Constituição Federal, bem como o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/1990), atribui aos pais e responsáveis o dever geral de cuidado, criação e convivência familiar de seus filhos, bem como de preservá-los de negligencias, discriminação, violência, entre outros.

Não há como obrigar um pai a amar um filho, mas a legislação lhe assegura o direito de ser cuidado. Os responsáveis que negligenciam ou são omissos quanto ao dever geral de cuidado podem responder judicialmente por terem causado danos morais a seus próprios filhos.

Dessa forma, pais e equiparados que expulsarem seus filhos em decorrência da orientação sexual ou identidade de gênero podem responder por abandono afetivo motivado por LGBTQIAPN+fobia cível e criminalmente.

Além disso, vale ressaltar que na rede estadual não há um equipamento destinado ao acolhimento para pessoas LGBT+, o que acentua o processo social de apagamento e vulnerabilidade.

DT: Muitas pessoas trans e não binárias ainda continuam com nome de batismo, registro ou nome morto, como se diz. Fazer essa retificação é complicado e caro? O que é preciso para essa mudança?

CDSG-OAB/BA: Atualmente não é tão burocrático e oneroso, pois não é mais preciso passar por um processo judicial nem ter a decisão de um juiz para que a alteração seja feita. Tudo é realizado diretamente no cartório, desde que a pessoa apresente todos os documentos necessários e seja maior de 18 anos. Além disso, aqui no Estado da Bahia são realizados diversos mutirões de retificação de nome e gênero pelo Ministério Público, Defensoria Pública, CPDD, GGB, CDSG, entre outros, que isentam a comunidade dos custos e reduzem a burocracia.

Conforme regulamentação, podem ser alterados prenomes e agnomes indicativos de gênero (filho, júnior, neto, etc.), bem como o gênero em certidões de nascimento e de casamento.

O pedido de troca poderá ser feito nos cartórios de registro de nascimento ou em qualquer outro cartório com o requerimento encaminhado ao cartório de origem. Nesses casos, o pedido deverá ser feito por meio do ofício do Registro Civil de Pessoas Naturais (RCPN).

Para solicitar a alteração, a pessoa deve apresentar ampla documentação, entre os quais: documentos pessoais e certidões negativas criminais e certidões cíveis estaduais, conforme Provimento nº 73/2018.

DT: Lembro que há algum tempo fui doar sangue e uma das perguntas era “É homossexual?”, se a resposta fosse sim, o doador era reprovado. Hoje, isso mudou. Foi uma vitória! Para a adoção de filhos, também houve uma evolução e casais homoafetivos já podem fazer adoção sem restrições especiais. No entender de vocês, dentre tantas necessidades, o que ainda precisa ser mudado com mais urgência?

CDSG-OAB/BA: Entendemos que os estados e municípios precisam adotar capacitações em diversidade sexual e gênero para seus agentes, como também criar delegacias especializadas para essa comunidade, considerando os altos índices de violência que nos deparamos diariamente. Nessa mesma linha, instituições de ensino e empresas devem capacitar seus colaboradores e alunos, com letramento, direitos e deveres dessa comunidade para evitar o crescimento de violência e a ausência da aplicação da lei, incentivando a empatia e o respeito. Em resumo, não adianta termos o dispositivo legal se as pessoas não forem educadas e informadas para aplicá-lo e respeitá-lo.

Promover campanhas de ampla divulgação dessas conquistas também é fundamental para que cada vez mais as informações sejam difundidas, ajudando a movimentar uma mudança de pensamento e atitude na sociedade.

DT: Com relação à empregabilidade, o que podemos citar como evolução nos últimos anos?

CDSG-OAB/BA: Deparamos-nos recentemente com um retrocesso no âmbito da empregabilidade dessa população no Estado da Bahia. Neste ano, um juiz assumidamente homossexual do Tribuna de Justica (TJ) /BA tentou abrir uma seleção para contratar pessoas trans e travestis no Tribunal do Estado da Bahia como estagiárias, objetivando reparação histórica por todas as violências, cerceamento de direitos e dificuldades dessa população, porém o edital foi impugnado e suspenso.

É urgente a necessidade de fomento à contratação das pessoas pertencentes à comunidade LGBTQIAPN+, inclusive com cotas, para emprego e trabalho formal, pois, segundo dossiê da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), os dados de desemprego e violência no espaço laboral são alarmantes.

Embora a legislação trabalhista proíba discriminação, preconceito, assédio moral e sexual nos espaços de trabalho e emprego, as instituições empregadoras devem buscar mecanismos de acolhimento para evitar condutas não inclusivas e lesivas aos colaboradores LGBTQIAPN+.

É necessário estarmos atentos também às tentativas de autopromoção, que visam ganhar aprovação pública sem promover condições reais de segurança para essa comunidade.

DT: É possível pedir pensão para um ex-companheiro homoafetivo?

CDSG-OAB/BA: Sim, as uniões entre LGBTQIAPN+ têm o mesmo regime jurídico protetivo conferido às dos casais não LGBTQIAPN+. Com base nesse entendimento, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça considerou que um dos parceiros pode pedir pensão alimentícia ao outro depois da separação.

DT: Uma questão muito comentada nos últimos anos é a dos banheiros públicos para uso de acordo com a identificação de cada um. Esse tema tem evoluído?

CDSG-OAB/BA: Sim, a ANTRA publicou uma Nota Técnica sobre o direito de travestis, mulheres transexuais, homens trans, pessoas transmasculinas e não binárias utilizarem o banheiro de acordo com suas identidades. A nota foi construída com a colaboração de diferentes profissionais, pesquisadores, ativistas e integrantes da sociedade civil. Nesse sentido, muitas empresas, instituições e órgãos vêm publicizando respeito e incentivo ao uso do banheiro conforme o gênero que a pessoa se identifique.

DT: Se eu insisto em chamar uma mulher Trans pelo pronome masculino, mesmo após ela sinalizar que isso a ofende, o que pode ser feito perante a lei?

CDSG-OAB/BA: A atitude é considerada crime de transfobia, devendo ser denunciada conforme passo a passo já registrado nessa entrevista.

DT: Como a Comissão de Direitos Humanos age nesses casos?

CDSG-OAB/BA: A Comissão Permanente de Diversidade Sexual e Gênero da OAB/BA, em nome da OAB/BA, age assumindo um papel fiscalizador do Poder Público, pois em decorrência do que dispõe o próprio Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil e da Advocacia (Lei 8.906/94) em seu art. 44, I, a OAB tem a finalidade de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas. Dessa forma, a CDSG, atende vítimas de violências LGBTQIAPN+fóbicas, com agendamento antecipado, deliberando sobre o caso, bem como, encaminhando e acompanhando o procedimento até o final; a Comissão desenvolve ainda capacitações, eventos e rodas de conversas acerca da temática para toda sociedade.

Contato: a Comissão de Diversidade e Gênero da OAB/BA está situada na Rua Portão da Piedade, nº 16, Barris, Salvador/BA. CEP: 40.070-045. Seus dados de telefone, e-mail e rede social são (071) 3329-8900, diversidadesexual@oab-ba.org.br e @diersidadeoabba.