Reflexão:Por uma ABGLT do tamanho do Brasil

Genilson Coutinho,
24/04/2012 | 13h04

Em 2011 realizamos o IV Congresso da Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais – a ABGLT. A partir desse congresso, a maior rede brasileira e latino-americana LGBT passou a ter 257 organizações afiliadas e um conjunto de resoluções políticas que apontam desafios a sua base, sua organização e sua relação tanto com o movimento de luta pela livre orientação sexual e identidade de gênero, quanto com os demais movimentos, o Governo e a sociedade.

O IV Congresso representou um divisor de águas para dentro da entidade. Embora uma menor participação do que no III Congresso em número de afiliadas, tivemos visivelmente a presença de mais lésbicas e mulheres bissexuais, bem como de jovens representando suas organizações de base e/ou presentes no Congresso, se dispondo a construção da ABGLT com a suas diversas caras, ânimos, vontades e sonhos.

Um conjunto de elemento nos levou a essa, ainda, tímida mudança, que esperamos que só aumente na ABGLT.

Um deles, sem dúvida, foi o esforço e trabalho feitos desde o último congresso pelos Coletivos de Mulheres Feministas e de Juventude, que de forma mais constante pautam a entidade em seu conjunto, forma e método de direção e condução.

Tivemos ainda no IV Congresso um momento político e histórico protagonizado por estes coletivos em conjunto com as Negras/os e Travestis e Transexuais.

Apresentamos, juntas, na plenária final, um manifesto contra-hegemônico. O fizemos, fundamentalmente, para lembrar a todas que apesar de compormos as mesmas fileiras entendemos e reconhecemos as contradições presentes na nossa entidade e lembramos que é preciso, também todas, lutar para supera-las.

Entendemos que essa hegemonia não diz respeito a pessoas e nem ativistas de maneira específica ou isolada, mas a práticas que foram sendo naturalizadas ao longo da história da entidade e do movimento e sobre a qual entendemos ser necessário pautar e combater dentro e fora da ABGLT.

O ano de 2012 é o momento para a ABGLT inaugurar um novo período com novas e ousadas formas de lutar contra a homofobia. Centralmente é necessário lutar contra a hegemonia que nossos opositores reais – em especial as lideranças fundamentalistas religiosas – têm conseguido construir no conjunto da sociedade, nas casas legislativas e nos executivos.

Ademais, é necessário resignificar a nomenclatura dada a esse grupo de conservadores, fascistas e nazistas, classificá-los como a extrema direita que não só no Brasil, mas no leste europeu, na França, nos países islâmicos tentam confundir a sociedade atribuindo às religiões suas práticas e violências.

Para este enfrentamento precisamos materializar uma estratégia que torne real o desafio de tornar a maior entidade LGBT da América Latina uma referencia de luta por direitos e por um projeto político emancipatório e libertário ao máximo de LGBT brasileiras.

Não temos dúvidas que temos como dever e tarefa fundamental organizar o maior conjunto de LGBT possível em nossa base social.

Sabemos, contudo, que isso só se dará se o conjunto de afiliadas estiverem organizadas, mobilizadas e orientadas também para ajudar nessa tarefa. Para além das organizações governamentais e não-governamentais a ABGLT precisa ser conhecida e reconhecida pela população LGBT brasileira, que precisa ter na nossa entidade uma referência de luta por seus direitos e por uma transformação real da sociedade.

Essa estratégia soma-se a um outro desafio que está colocado. Temos de ajudar a eleger, em 2012, mais aliados e ativistas LGBT para as casas legislativas municipais, bem como orientar para que tenhamos condições de influenciar no máximo de candidaturas aos executivos municipais, que estarão em processo de eleição.

Respeitando a diversidade de projetos e correntes políticas presentes no conjunto das afiliadas da entidade e do movimento, precisamos novamente lançar uma plataforma pela cidadania LGBT a ser assinada pelas candidaturas como forma de compromisso político com nossa população.

Nessa plataforma elencaremos propostas de políticas públicas e de respeito a princípios fundamentais como o a laicidade do Estado, o direito a não discriminação e a promoção da diversidade sexual e da cidadania LGBT.

Precisamos garantir o compromisso político com a instalação do Tripé da Cidadania LGBT (Coordenação, Plano e Conselho) nas propostas do máximo de candidaturas possíveis. Com esse Tripé conseguiremos estruturar estados e municípios para o combate a homofobia e retiraremos das organizações LGBT o papel de prestadoras de serviços ao Estado.

O ano de 2012, ano em que a ABGLT presidirá o Conselho Nacional LGBT, também será o de reelaboração do Plano Nacional LGBT, a partir das diretrizes e propostas aprovadas na II Conferência Nacional LGBT.

Teremos o árduo trabalho de acompanhar a elaboração de um plano que tenha metas, ações orçamentárias e comprometimento político real com a sua execução.

Para isto vamos precisar ter condição de dialogar exaustivamente com as demais redes nacionais da sociedade civil que compõe o Conselho Nacional LGBT, bem como o conjunto de Ministérios, afim de que este plano supere o primeiro em termos de combate estrutural a homofobia no Brasil e promoção da cidadania da nossa população.

Vimos, no Conselho Nacional LGBT, durante o processo de construção da Conferência, os tensionamentos que tivemos quando o Governo tentou maquiar a não execução de parte do I Plano Nacional LGBT. Sabemos que os representantes governamentais estão no papel deles de mostrar o que fizeram, assim como nós no nosso de cobrar constantemente por essas políticas.

Precisamos de um Plano Nacional LGBT que fuja dos discursos de intenções e coloque-se como um instrumento político de transformação da ausência de direitos e da violência homofóbica presente no cotidiano de um conjunto de brasileiras e brasileiros.

Ainda em 2012, teremos o desafio de dar passos na construção de uma ABGLT que seja do tamanho do Brasil. Para isso, sabemos, é necessário avançar estruturalmente na organização da nossa entidade. Precisamos para 2012 pensar de maneira aprofundada e madura cada ponto da tão esperada reforma estatutária da ABGLT. Mais do que delegar a direção da entidade este papel, precisamos pensar em cada afiliada a ABGLT que queremos, estatutariamente, construída.

Atualizar estruturalmente a entidade nos dará ainda mais condições de sermos representativas ao conjunto de forças e afiliadas que a compõe, ao mesmo tempo que dará conta de trazer para nossas fileiras lutadoras e lutadores que ainda estão de fora da nossa articulação nacional.

Cada tarefa precisa ser encarada de maneira conjunta, coletiva e determinada pela militância da ABGLT. A construção de uma entidade plural, democrática e participativa depende de cada uma e cada um de nós.

Finalizamos com a certeza de que novos ventos e novos tempos virão a maior entidade LGBT da América Latina.

Vida longa a ABGLT e até a vitória contra a lesbofobia, transfobia e homofobia!

* Irina Bacci, militante do CFL(SP) e Secretária-Geral da ABGLT. Keila Simpson, militante da ATRAS(BA) e Vice-Presidenta Trans da ABGLT. Victor De Wolf, militante do GDN(RJ) e membro da Diretoria da ABGLT. Vinícius Alves, militante da Beco das Cores(BA) e da Comissão Política da Juventude da ABGLT.