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Opinião: Quem tem direito a vida nova no ano novo?

Elder Luan,
17/01/2018 | 17h01

Com a virada de ano voltam todas aquelas promessas de renovação, de um ano diferente, com mais prosperidade, e por aí vai! Desde o fim do ano passado que tenho pensado sobre quem de fato tem direito a uma vida nova no ano novo, mas essa pergunta pressupõe outra, que é sobre quem tem o direito de existir, afinal, para ter uma vida que seja renovada, antes disso, você precisa ter vida, ou ser reconhecido como um ser que merece/deve/pode viver.

No último dia 03 de janeiro essa pergunta disparou de forma mais forte em minha cabeça. Começamos o ano tal qual foi 2017, com mais mortes de pessoas LGBTs. Apenas três dias depois da entrada de 2018, uma mulher trans, em processo de transição, foi assassinada a machadadas em Fortaleza, no Ceará. Apenas dois dias depois da tragédia a Polícia Civil negou que o caso era um crime LGBTfóbico e atribui o fato a briga de gangues. Sendo ou não, o que é latente para aquelas que tiveram coragem de ver o vídeo, é que o tempo todo a vítima é chamada de viadinho e outros insultos homofóbicos.

Assim foi com Walteres, outra vítima da homofobia nos dez primeiros dias de janeiro. Segundo matéria publicada no G1, Walteres, homem gay e Drag Queen, foi encontrado desacordado na noite do dia 08 de janeiro com fortes lesões no crânio provocadas por espancamento, vindo a falecer dois dias depois de ter ficado em coma. A polícia suspeita de homofobia, os amigos e ativistas não tem dúvida.

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O que há de comum nos dois casos que relatei e aconteceram nos dez primeiros dias de janeiro é que: vidas LGBT não importam. Vidas de pessoas trans importam menos ainda. Essas pessoas, que não trazem em suas identidades aquilo que se espera socialmente para homens, mulheres, e heterossexuais, que performam um gênero e vivenciam uma sexualidade diferente daquela que foi projetada para seus corpos, são chamadas por Judith Butler (2003), de Corpos Abjetos.

Para Judith Butler (2003), corpos abjetos são aqueles corpos não humanizados ou que a sua humanidade é contestada, são “corpos cujas vidas não são consideradas vidas e cuja a materialidade é entendida como não importante” (PRIS E MEIJER, 2002, p. 161). São corpos que não possuem uma materialização do humano, que são materializados como abjetos. No que tange as questões de gênero e sexualidade, a norma heterossexual atua na construção dos corpos que são considerados aceitáveis ao tempo que cria também os corpos que não são considerados compreensíveis.

A norma heterossexual que produz os corpos inteligíveis só compreende homens e mulheres a partir do binarismo e da perfeita relação entre sexo, gênero, desejo e performance. Aqueles e aquelas que escapam dessa produção normativa são excluídos, e quanto mais distante esses corpos estiverem dos ideais da normatização, mais dispensáveis eles serão para sociedade.

A partir da noção de abjeção podemos explicar porque os corpos e as vidas de pessoas LGBTs que se distanciam das produções heteronormativas são tão dispensáveis para nossa sociedade. Esses corpos não são dignos de vida, não são reconhecidos como humanos, e por não serem reconhecidos como tal, são desprezados, violentados, passíveis de morte, sem que haja sequer piedade ou comoção social sobre suas tragédias. Para o assassinato de pessoas LGBTs sempre aparece uma justificativa que reforce a necessidade do crime, tal como existe para heterossexuais brancos uma defesa pela preservação de suas vidas.

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Ato contra a LGBTfobia em Uberlândia

Em dezembro do ano passado, especificamente no dia 24, quando boa parte de nós estávamos reunidos com nossos familiares para celebrar o Natal, Gabriel Magalhães, 16 anos, foi espancado até a morte pelo próprio pai apenas por ser gay. Em maio do ano passado uma mulher matou seu filho e depois queimou o corpo, o motivo era o mesmo: a sua existência enquanto gay não era possível.

Também em 2017 Dandara foi espancada e assassinada a tiros, Eduarda levou um tiro no rosto, Canoa foi espancada, Larissa foi morta a pauladas em um hotel, todas elas travestis. Todas assassinadas por serem travestis. Todas perderam a vida, porque viver para elas não era algo reconhecido, porque seus corpos não eram lidos como humanos, porque suas vidas eram dispensáveis. Entre elas estão outras tantas que nem sabemos o nome ou que as reportagens noticiam com seus nomes de registro.

No Brasil, a expectativa de vida de uma pessoa trans ou travesti é de 35 anos. Segundo dados do GGB o número de mortes de LGBT aumentou em 2017 e subiu para 445. A cada 20 horas um LGBT é assassinado aqui. Por isso, volto a perguntar: quem tem direito a vida nova no ano novo? Quem tem direito de viver? Para que haja uma renovação da vida, é preciso que, haja em primeiro lugar a possibilidade de viver, a possibilidade de existir.

REFERÊNCIAS

BUTLER, Judith. Problemas de gênero. Feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003

PRINS, Baukje, MEIJER, Irene Costera. Como os corpos se tornam matéria: entrevista com Judith Butler. In: Revista Estudos Feministas. Volume 10, número 1, Florianópolis, janeiro de 2002, pp. 155-167

Eu*Elder Luan – Graduado em História e doutorando do Programa de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Gênero, Mulheres e Feminismo.