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Quem (realmente) precisa ‘sair do armário’?

Armando Januário,
18/02/2021 | 12h02

Em meados do século 20, nos Estados Unidos, as garotas debutavam, ou seja, se apresentavam à sociedade em bailes, com o objetivo de encontrar um marido. Esse gesto, em língua inglesa, come out of the closet, significa, “sair do armário”. Nesse tempo também surgiu a expressão skeletons in the closet, “esqueletos no armário”, indicando guardar um segredo vergonhoso. Décadas mais tarde, a expressão “sair do armário” se popularizou entre pessoas LGBT, indicando o processo de assumir para a sociedade a sua orientação sexual e/ou identidade de gênero.

Em relação à população trans e travesti, o armário traz uma nuance: quando uma pessoa trans ou travesti inicia o processo de transição, a sociedade revida, acionando mecanismos com a intenção de forçar o seu corpo a retornar para uma suposta naturalidade heterossexual e cisgênera. Em sua obra, Travesti: prostituição, sexo, gênero e cultura no Brasil, publicada em 2008, o antropólogo Don Kulick (1960-) aponta para a família, a escola e o mercado formal de trabalho como agentes (re)produtores da transfobia. A cientista social e professora de Antropologia, Larissa Pelúcio (1963-), em Abjeção e Desejo: uma etnografia travesti sobre o modelo preventivo de AIDS, lançado em 2009, demonstra como a sociedade impõe o estigma da doença sobre o corpo das travestis, enxergando-as como portadoras e difusoras em massa de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). Por outro lado, nessa mesma obra, Pelúcio enfatiza a procura dos homens, na clandestinidade, pelos serviços sexuais das travestis. Homens cisgêneros, heterossexuais e que amam se relacionar com as travestis e mulheres trans em segredo: são os t-lovers, ou “amantes/adoradores/admiradores de travestis e transexuais”.

Tanto Kulick quanto Pelúcio evidenciam o que toda a sociedade brasileira sabe e dissimula: existem homens cisgêneros, heterossexuais com forte atração amorosa, afetiva e sexual pelas travestis e mulheres trans. No entanto, as normas cisgêneras inviabilizam esse tipo de relacionamento, por entender que esses homens são homossexuais, quando, na verdade, eles se sentem atraídos pelo feminino presente nas travestis. Indo mais além, observamos algumas mulheres cisgêneras com grande insegurança frente a esse desejo dos seus parceiros, namorados e maridos: elas recorrem à transfobia para afirmar a sua feminilidade enquanto superior àquela presente em mulheres trans e travestis. Eis aí um grande equívoco: muitas mulheres trans e travestis desenvolvem ao longo da sua transição, o hiperfeminino, ou seja, um status de beleza e sedução tão poderoso, que fascina completamente um homem. E mesmo aquelas que não alcançam tal feminilidade atraem profundamente muitos homens.

Portanto, são os homens cisgêneros e heterossexuais que precisam “sair do armário” imposto pelas normas sociais, assumindo publicamente relacionamentos amorosos com mulheres trans e travestis. Eles não são homossexuais, afinal é o feminino que lhes atrai. Contudo, mesmo se fossem, haveria qual impasse nessa orientação sexual, exceto a homofobia e a transfobia, a qual todo homem nessas circunstâncias deve estar preparado para enfrentar?

Sobre o autor:

Mestrando em Psicologia pela UFBA. Psicólogo graduado pela UNEB e Graduado em Letras com Inglês pela mesma instituição. Pós-graduado em Psicanálise; em Gênero e Sexualidade; e em Literatura. Autor do livro Por que a norma? Identidades Trans, Política e Psicanálise. Instagram: @januario.psicologo.