Qual projeto de lei é mais urgente: casamento civil igualitário ou criminalização da homofobia?

Genilson Coutinho,
30/06/2012 | 11h06

Várias pessoas têm me perguntado se, na minha opinião, o “casamento civil igualitário”, como pauta política da comunidade LGBT, é mais ou menos importante que a “criminalização da homofobia”. Eu sempre respondo que não há resposta precisa: ambas são importantes e não se opõem ou contradizem. O PLC-122 (que altera a Lei do Racismo, criminalizando a homofobia) está — faz muito tempo — esperando ser votado no Senado Federal, enquanto a PEC que legaliza o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, proposta por mim e pela deputada Érika Kokay (PT-DF) junto a parlamentares, está na Câmara dos Deputados, em fase de recolhimento de assinaturas. Ambas as iniciativas podem tramitar simultaneamente nas duas casas e, como deputado federal e ativista gay assumido e orgulhoso da luta da nossa comunidade pela liberdade e a igualdade e contra a discriminação e o preconceito, eu defendo a aprovação das duas.

No entanto, sempre respondo também que é legítimo debatermos, sim, qual desses projetos é mais urgente e deveria ser considerado prioritário estrategicamente. Qual deles é uma ferramenta melhor para combater, de fato, a homofobia? Qual deles ajudará mais e mais rápido a diminuir o preconceito? Qual deles será mais eficaz para reduzir a violência homofóbica? Qual deles terá um efeito mais rápido e poderoso para melhorar a qualidade de vida dos homossexuais, facilitar a saída daqueles e daquelas que ainda estão no armário, produzir uma mudança na percepção negativa e preconceituosa que milhões de pessoas ainda têm das minorias sexuais e garantir o acesso igualitário aos direitos civis que deveriam ser para todos e todas?

Em primeiro lugar, considero necessário esclarecer o que significa, para nós, gays e lésbicas, o direito ao casamento civil. Tem gente que pensa que se trata, apenas, de uma série de direitos materiais: inscrição do(a) parceiro(a) como dependente no plano de saúde, direitos migratórios, benefícios fiscais, acesso ao crédito como casal, adoção conjunta e reconhecimento da paternidade/maternidade, direitos trabalhistas, herança, pensão etc. Claro que tudo isso é importante — perguntem, se não, por exemplo, ao viúvo que foi expulso da casa onde morara durante décadas junto ao parceiro, quando os sogros que nunca o reconheceram como genro apareceram e reclamaram os bens que eram do casal mas, segundo a lei, eram apenas de quem morreu —, mas isso tudo poderia ser resolvido com leis específicas ou com um instituto separado, especial, como a “união civil” que existe em alguns países. No entanto, eu jamais votaria a favor da “união civi l” ou de qualquer lei segregacionista, mesmo que, em troca de aceitar a segregação, a gente conquistasse aqueles direitos materiais e ficasse numa situação semelhante à dos casados. Reclamar os mesmos direitos com os mesmos nomes significa dizer, bem alto, que, numa democracia, não pode haver cidadãos de segunda, cujos direitos são regulados por leis também de segunda. O casamento civil igualitário, além de garantir direitos específicos, garante a igualdade perante a lei, a cidadania plena e o reconhecimento simbólico do Estado — e também vai ser, quando aprovado, um pedido de desculpas a gays e lésbicas, por tantos séculos de discriminação.

Que fique claro: o casamento civil igualitário não é apenas uma lei que reconhece direitos. É uma lei que diz que os casais homossexuais valem o mesmo que os casais heterossexuais, não são melhores nem piores e merecem o mesmo trato, a mesma proteção, o mesmo reconhecimento e a mesma celebração. Porque o casamento também é isso: uma celebração pública. E não há melhor forma de combater a homofobia que essa. A inclusão de gays e lésbicas numa instituição ordenadora na nossa cultura, o reconhecimento dos casados como casados e a celebração dos seus casamentos são também políticas educacionais. As crianças do amanhã nascerão num país em que essa barreira simbólica que nos deixava fora não existe mais e o Estado reconhece que somos cidadãos como qualquer um. Que, como cantava Cazuza, “eu sou mais um cara”.

É claro que a criminalização da homofobia, que o PLC-122 propõe é justa e necessária. E sou a favor dela mesmo não gostando do aumento do Estado penal que ela implica, pois, se o racismo é crime — e acredito que deve continuar sendo — a homofobia também tem de ser. Mas precisamos ser conscientes de que a desvantagem da criminalização é que ela sempre chega tarde, quando o crime já se cometeu; e já aprendemos, pelo que acontece com muitos outros crimes, que a pena não é muito eficaz para prevenir. A mudança cultural que o debate e a aprovação do casamento civil igualitário podem produzir é capaz de mudar a cabeça das pessoas. Pode prevenir e diminuir radicalmente a homofobia, fazendo com que a criminalização, algum dia, deixe se ser necessária. Foi isso que aconteceu em outros países onde o casamento civil igualitário foi aprovado.

Eu acredito, portanto, que a legalização do casamento civil entre pessoas do mesmo sexo vai prevenir e combater a homofobia de maneira muito mais rápida, eficaz e profunda que a criminalização da homofobia. É por isso que a minha prioridade estratégica, como parlamentar, é essa. E acredito também que, depois da aprovação do casamento igualitário, o PLC-122 vai ser aprovado muito mais facilmente. E não vai ser o projeto que está nas gavetas do Senado faz muitos anos, bloqueado pela bancada fundamentalista, mas outro projeto muito mais avançado.

Por isso, repito: sou a favor do casamento civil igualitário e do PLC-122. Quero que ambos os projetos sejam aprovados e espero que o PLC-122 seja reformulado para ser mais avançado e eficaz. Contudo, acho que a prioridade estratégica deve ser o casamento. É nesse debate que se joga tudo. Se conseguirmos, o país vai começar a ser outro, a mudança cultural será enorme e as outras leis que nos faltam vão ser aprovadas mais rápido e com mais consenso. Além disso, teremos feito um grande serviço a todos os setores da sociedade que lutam por um estado laico, com liberdade religiosa e não-intromissão das igrejas nas políticas públicas e nas leis civis.
Por

Jean Wyllys

Jornalista e linguista, é deputado federal pelo PSOL-RJ e integrante da frente parlamentar em defesa dos direitos LGBT.

Artigo publicado na Revista Carta Capital