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Professor voluntário ensina jiu-jitsu para pessoas trans em abrigo de Fortaleza

Genilson Coutinho,
01/11/2020 | 11h11

G1

Moradores da Casa Transformar têm aulas de jiu-jitsu ofertadas por professor voluntário. — Foto: Casa Transformar/Divulgação

Mulheres e homens trans moradores da Casa Transformar, ONG para acolhimento de pessoas trans em Fortaleza, começaram neste mês a receber aulas de jiu-jitsu para defesa pessoal. A oficina é ministrada pelo professor Milton Leite, 42, e mais quatro voluntários. Durante os encontros, os alunos aprendem sobre proteção física e discutem assuntos relacionados à saúde mental dentro do esporte.

As aulas acontecem uma vez por semana e são frequentadas por nove moradores da casa. As atividades estão divididas em dois momentos. O primeiro dedicado a reflexões sobre jiu-jitsu, defesa pessoal e lugar da pessoa trans no esporte. No segundo, a prática da atividade física ganha espaço no tatame.

Nick Hot, uma das fundadora da Casa Transformar, participa das aulas. “Está sendo incrível porque ajuda tanto na saúde física, a sair do sedentarismo, quanto na autoestima das meninas. As pessoas aqui têm muita disforia devido a um padrão de gênero que a sociedade impõe sobre os nossos corpos. A disforia é quando alguém não aceita ou não se sente confortável com uma determinada característica física sua. O jiu-jitsu reduz esse desconforto”, diz Nick.

Essa aproximação, na visão de Milton, também serviu para refletir sobre as práticas esportivas. “A cada treino existe uma quebra de paradigmas. É um contato físico muito intenso. Aos poucos, todo mundo vai vendo que o respeito vale para todos. Existem momentos muito legais nessa troca. Eu desafiei elas no jiu-jitsu e elas me desafiaram no bate-cabelo”, relembra o professor.

Por conta da pandemia, o curso é exclusivo para frequentadores da Casa Transformar e não deve receber alunos de fora da ONG. Milton deseja que a prática permaneça no abrigo até depois da oficina. “Fico lá até que algum aluno da Casa esteja pronto para reproduzir o mesmo trabalho que eu levei”, garante.

Paradigmas
A ideia da oficina partiu do próprio Milton após conhecer a Casa Transformar nas redes sociais. Com trajetória no voluntariado há duas décadas, o esportista diz que a ação é primordialmente de acolhimento. “Começamos a conversar por Instagram em março. Mas veio a pandemia e tivemos que parar a negociação. Voltamos agora em outubro depois de uma rodada de doações de equipamentos”, relembra.

Apesar das técnicas de defesa pessoal serem o foco dos acompanhamentos, a reflexão sobre a representatividade de pessoas trans no esporte é outro assunto abordado nas aulas. “Nós sabemos que o Brasil é um dos países mais perigosos para pessoas trans. O jiu-jitsu entra na casa também para mudar o cenário do esporte em si. Ainda é um meio muito transfóbico. Eu fiquei muito grata ao Milton por esses momentos. Estamos ocupando espaços que as pessoas nos invisibilizam. Ninguém espera ver uma travesti em um quimono”, reflete Nick.

Assim como Nick, Milton defende a entrada de outros perfis no desporto como forma de acolhimento, principalmente em âmbito competitivo. “Treinamos aqui com todo mundo, eles e elas. A gente tem dificuldade junto às federações. Por ser uma discussão nova, como vamos inscrever uma mulher trans no campeonato? Isso ainda é muito novo”, comenta o professor.

Casa Transformar
A Casa Transformar aceita doações tanto de equipamento para as aulas, como tatames e quimonos, quanto de eletrodomésticos, materiais de higiene e produtos não-perecíveis. É possível contribuir com o projeto através das redes sociais e da campanha de arrecadação virtual.