Por debaixo dos panos, no “Mundo Gay”

Genilson Coutinho,
15/09/2012 | 16h09


Em junho deste ano, o deputado João Campos (PSDB-GO) propôs o Decreto Legislativo nº234/11, que nada mais deseja além de poder autorizar psicólogos a tratarem os pacientes que alegam sofrer de um mal que os incomoda: sua não-heterossexualidade. O termo serve para enquadrar todos aqueles que não pertencem a uma orientação sexual que é tida como a “natural”, a “normal”, a “vontade de Deus”. O Brasil que tem força para fazer tramitar uma lei como essa é o mesmo Brasil onde dois irmãos gêmeos heterossexuais que andam abraçados são agredidospor oito pessoas até a morte de um deles, onde amigos heterossexuais que andam na Avenida Paulista podem tomar uma lampadada na cabeça e onde um casal de lésbica, pelo simples fato de andarem de mãos dadas e darem eventuais beijos na boca podem ser expulsas da escola onde estudavam.

Por medo, vergonha ou por fetiche, todos os dias, não-heterossexuais são empurrados para experimentar as suas sexualidades de forma marginal, e é no lugar de marginais que eles passam a enxergar a si e ao outro. Essa condição é retratada no documentário Um Lugar Para Beijar (2009, 28m30’’), dirigido pela jornalista social Neide Duarte e produzido pelo Programa Municipal de DST/Aids da Secretaria de Saúde de São Paulo. O filme foi criado para mostrar as práticas desses grupos, tidos como o principal alvo de HIV no país.

É sem precisar recorrer muito às falas de especialistas sanitários, antropólogos, sociólogos ou quaisquer outros academicistas que o media-metragem se constrói. Nele, quem fala são pessoas de baixo nível educacional e econômico que freqüentam a periferia de São Paulo em busca de sexo, por prazer ou por dinheiro. Os entrevistados foram encontrados em esquinas de boates, em festas e bares gays, em cinemas eróticos ou em pontos de “pegação”, como cemitérios ou parques.

Os depoimentos gravados pela câmera retratam o preconceito que reforça a sua condição marginal da travesti que constrói uma personagem para trabalhar, do jovem que tem vergonha de ser gay por causa dos pais, do homem casado em busca de um outro parceiro, do agente de prevenção ou do idoso abandonado pela família depois de acolher seu parceiro na própria casa.

Os depoimentos de dois agentes de prevenção mostrados parece enfatizar uma espécie de essência no “ser homossexual”, que vem acompanhado de regras inquebráveis típicas de um tal “mundo gay” que eles narram. “Como o homossexual escolhe lugares abandonados para praticar sexo, eles acabam dividindo locais com usuários de droga ou com profissionais do sexo”, afirmou Vladimir Souza. Outra fala é de José Luis: “O mundo gay rola muita traição porque o gay está sempre procurando mais um, mais um, mais um… e o resultado disso é a caçação (sic)”.

Uma travesti e garota de programa do filme revela sua vergonha em ter um diploma de enfermeira, e não poder exercer a profissão por causa de preconceito. “Sou dependente da profissão [de garota de programa] para viver”, disse. Enquanto, para elas, respeito seria poder sair da condição de profissionais do sexo para viver, para outro rapaz que aparece no vídeo (Anderson Martins, enfermeiro), ter respeito está em não se beijar “em frente de crianças e velhinhos, porque só se tem respeito se dando respeito”.

É assim, evidenciando os saberes dos próprios freqüentadores desses lugares específicos na periferia de São Paulo, que o documentário conseguiu dar conta de um cenário que, sem dúvida, é nacional. Um cenário de hierarquizações, vergonha, preconceito e outras características que foram propiciadas e continuam sendo por uma forma muito específica de lidar com a questão da sexualidade. Fundamentada em valores cristãos, burguês, heterossexual e branca, a sociedade brasileira continua marginalizando aqueles que estão fora desse lugar. E enquanto não decidem nos confins do Planalto se a homossexualidade é ou não uma doença (mesmo quanto tantos porta afora já parecem afirmar que sim), pessoas de todas as cores e idades continuam morrendo e arriscando por um único motivo: serem homossexuais.

Por
Gilberto Rios

Gilberto Rios é estudante de Jornalismo na Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (FACOM/Ufba) e bolsista da Agência de Notícias Ciência e Cultura.