Música

No Circuito

Notícias

Os LGBTQIAPN+ na música brasileira nos anos 80, 90 e 2000

Carlos Leal,
03/03/2023 | 12h03
Foto: Reprodução internet

Se até 1979, como falamos no artigo anterior ainda havia um certo receio por parte das gravadoras em incluir termos considerados LGBTS nos repertórios dos seus artistas, alguns, verdadeiras minas de ouro para elas, o que poderia causar prejuízo nas vendas e shows e discos, com a chegada dos anos 80 isso começa a mudar. Mesmo não acrescentando em nada ao movimento, muito pelo contrário, o Rock das Aranhas do baiano Raul Seixas, uma música marcante dessa época foi um marco. Claro, era uma forma pejorativa de tratar a condição sexual da mulher “homossexual”, era piada, era machismo, mas só em ouvir as frase “eu vi duas mulher botando a aranha prá brigar”, já era um marco, mesmo levando em consideração que foi nos anos 80 que se consolidou a música de duplo sentido no forró. E duplo sentido, era, como já diz, duplo sentido e não algo tão direto. Na mesma época e na mesma linha, vieram canções como Maria Sapatão, de João Roberto Kely, Leleco e Abelardo “Chacrinha” Barbosa, gravada pelo próprio Chacrinha, que também em nada acrescentou ao movimento LGBTQIAPN+, mas que entrou aí nos sucessos dos bailinhos de carnaval.
A marchinha do Chacrinha seguia a linha A Cabeleireira do Zezé, de autoria de João Roberto Kelly e lançada ainda nos anos 60. O autor, jura, não há nada de homofobia na letra da música e que “até beijaria um gay” e hoje, aos 84 anos compôs para o carnaval de 2023 uma marchinha que diz: “”Eu sou gay / o mundo é meu / Você não é / Azar o seu”. Já deu para entender a cabeleira, né? Necessidade de aceitação na sociedade, certamente.

Mas nem tudo estava perdido. Homem com H, do paraibano Antônio Barros, gravada por Ney Matogrosso em 1981 e Masculino e Feminino, de Pepeu Gomes e Didi Gomes, gravada por Pepeu, mostravam que algo estava mudando. A sociedade, mesmo que as vezes achando engraçado, aceitava as músicas em suas festinhas “de família e até em bailes infantis” e os dois artistas haviam se tornado grandes estrelas na época. Antônio Barros, por sinal, junto com a esposa Cecéu foram autores de vários hits de Ney Matogrosso, dentre eles Por debaixo dos Panos (O que a gente faz, é por debaixo dos panos…) e 1º de Abril (Mentia Ana Maria, Mentia Ana Maria e no forró ninguém sabia). Certamente uma nova era na MPB está começando a se abrir. Em 1984, em clima de muita polêmica, Erasmo Carlos grava Close, parceria sua com Roberto Carlos e uma homenagem a Roberta Close, primeira artista transexual e ser sucesso no Brasil pela sua beleza (e que beleza!), estampando capas de grandes revistas da época, a exemplo da Fatos e Fotos, Amiga e Manchete. A música, que ganhou clipe especial no Fantástico, é sucesso até hoje. Ah! E Roberta está em temporada Brasileira linda como sempre.

Foto: Reprodução

A coisa só tendia a melhorar, de repente, chega Cazuza, vindo de uma das grandes bandas de Rock da Época, o Barão Vermelho. Homossexual assumido, nunca negou suas preferências, foi, inclusive, por muito tempo, namorado de Ney Matogrosso. Um fato curioso é que em 1988 ele grava uma música chamada Como já dizia Djavan. Após vários versos, ele conclui com a frase “num mundo inacreditável, dois homens apaixonados”, uma referência à música Nobreza no álbum Luz que o cantor alagoano havia gravado no inicio em 1982 e que tinha, dentre outros sucessos as músicas Açai, Pétala e Samurai. Mas nem só de Cazuza viveram os anos 80, surgiu um outro grande ídolo: Renato Manfredini Jr, o Renato Russo, também declaradamente gay que já no primeiro álbum, intitulado Legião Urbana, mesmo álbum que trouxe os sucesso Geração Coca Cola e Ainda é Cedo trouxe a música Soldados com a estrofe:
“Quem vai saber o que você sentiu?
Quem vai saber o que você pensou?
Quem vai dizer agora o que eu não fiz?
Como explicar pra você o que eu quis?”

Somos soldados pedindo esmolas
E a gente não queria lutar

Poucos entenderam a mensagem, mas tempos depois em uma entrevista reveladora à revista Show Bizz, Renato esclareceu tudo e ainda contou detalhes de sua luta como homossexual para ser um ídolo pop. Mas depois, quando em 1989 o grupo gravou As Quatro Estações com a música Meninos e Meninas, tudo ficou mais claro e a sociedade, outrora preconceituosa, fez com que a Legião Urbana vendesse 1,9 milhões de cópias do referido álbum. Um marco. Uma vitória.

Mas talvez tenha sido Avesso, de Jorge Vercilo, um artista que nunca foi de falar muito sobre sua vida, até mesmo se a música foi mera inspiração ou direcionada a alguém que mandou o recado mais direto com Avesso: Declaradamente uma das maiores declarações de amor de homem para homem, com muito preconceito embutido, é claro:

“O teu pai já me jurou de morte
por eu te desviar
Se os boatos criarem raízes
Ousarias me olhar, ousarias me ver
Dois meninos num vagão e o mistério do prazer
Perigoso é te amar, obscuro querer
Somos grandes para entender, mas pequenos para opinar
Se eles vão nos receber é mais fácil condenar

Se os boatos criarem raízes
Ousarias me olhar, ousarias me ver
Dois meninos num vagão e o mistério do prazer
Perigoso é me amar, obscuro querer”

Não podemos também esquecer da nossa outra pioneira, sempre presente e atual: Cássia Eller, além da sua postura, no seu disco de estreia, lançado em 1990 e que levava seu nome, veio com Rubens, de Mário Manga: “Rubens, não dá. A gente é homem e o povo vai falar…”

Com Cássia Eller chegamos aos anos 90 e inicio dos anos 2000. Com eles outros ícones: Começando com a Diva Ana Carolina, que já tinha uma postura Gay no palco, que gravou o Beat da Beata de Ana e Seu Jorge, no seu segundo álbum, Estampado.

“Tem beata tem sapata
Tem frei pegando gay
Tem puta loirinha e tem mulata
Paraíba surdo e japonês
Na boate bate estaca
Preconceito não tem vez
Vale tudo é tudo certo porque a razão é do freguês”

Foi Ana também que teve a coragem de gravar Eu gosto é de Mulher sucesso do grupo Ultrage a Rigor nos anos 80 e Homens e Mulheres, que gravou com Angêla Rorô no DVD/ CD Ana Carolina +1 – Multi Show ao Vivo. Bom mais isso já rende assunto para um para um outro texto. E assunto não falta, são muitos personagens que aos poucos vamos falar um pouco e individualmente de cada um : Eddy Star, Divina Valéria, Marina Lima, Vange Leonel, Zélia Duncan, Daniela Marcury. São nomes que não necessariamente tenham incluído frases LGBTs em suas letras de música, mas que só pela postura, já representavam e representam muito.

Carlos Leal


Jornalista formado pela Universidade Tiradentes, Especialista em Marketing Digital, autor do livro infanto-juvenil Histórias de Dona Miúda: a Raínha do Forró (Ed.Pinaúna), co-autor do livro Cem Anos de Dorival Caymmi: panoramas diversos, em parceria com a Professora Dra. Marilda Santanna. Atualmente colabora com artigos para o jornal A Tarde e escreve duas biografias: da cantora alagoana Clemilda e da sambista baiana Claudete Macêdo.