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‘O meio rural é muito preconceituoso. Muitas vezes preciso fingir que não sou gay’, diz agroboy mineiro Jorge Santos

Carlos Leal,
22/08/2023 | 11h08

Sucesso no Instagram e destaque recente da revista Globo Rural (Ed. Globo), Jorge Eurípedes Santos, ou Jorge Santos, como é conhecido pelos seus seguidores, tem 33 anos e é natural de Uberaba (MG), onde vive na zona rural do município até hoje. Carismático, Jorge usa sua página para mostrar seu dia-a-dia e até dar respostas bem humoradas a pessoas que destilam homofobia. Na revista Globo Rural Jorge conta, por exemplo, que chegou a ser expulso de casa quando revelou para a família que era gay, mas que hoje, na medida do possível, vive em harmonia familiar. Em entrevista exclusiva a Carlos Leal para o site Dois Terços, ele fala um pouco do seu cotidiano e sobre o preconceito de ser um “agrogay”, tema em alta devido a personagens de novelas como Pantanal e Terra e Paixão, ambas da Rede Globo.

Foto: Divulgação

DOIS TERÇOS: Jorge, na sua página do Instagram você tem quase 50 mil seguidores engajados. Já vi você mais de uma vez responder a hatter ou a comentários do tipo “vira homem, peão”. Esse tipo de comentário ainda te incomoda ou para você hoje isso é algo indiferente?

JORGE SANTOS: Carlos, sobre hatters, eu não ligo! Porque eles me deixam ainda mais em alta, dá mais angajamento às minhas publicações, então eles estão é me ajudando, não tenho medo deles. Agora aqueles comentários e mensagens que são perversas e cruéis contra meu jeito de ser, eu já chamo de perseguição. E esses tem que ser combatidos ou excluídos porque pode gerar problemas e desinformação, esses eu nem respondo, apago logo. Tem comentários de pessoas que tem a língua maldita e vivem nas redes sociais só pra atacar… CONTINUEM falando de mim! Eu amo ver meu nome e meu perfil do Instagram no top trends! Porque é um trem as vezes movimenta essa energia! Sei que falam, criticam, mas não ligo. Mas digo que recebo mais comentários de apoio que exatamente de homofóbicos.

DT: Sua primeira postagem no Instagram foi em julho de 2019, depois, outra em 2021 e assim foi começando timidamente. Somente em 2022 você começa a fazer suas postagens com frequência. Porque passou tanto tempo sumido das Redes Sociais e o que levou você a retornar com as publicações com mais frequência?

JS: Pois é peão! Eu fiquei muito tempo sem acesso à Internet! Na maioria das roças, fazendas e ranchos que morei com minha família, não tinha esse acesso. São locais isolados, no meio do nada e não pega nem rede de telefone. O que me levou a voltar com publicações diárias, foi que além de ter conseguido comprar um celular bom pra gravar meu vídeos, agora moramos numa roça que pega internet! Aí fica mais fácil. Não vou dizer que é uma Internet boa! Aqui usamos só 8 mega de internet e é via satélite. Se o tempo fechar ‘nois fica’ sem internet. Para você ter uma ideia, Carlos, pra publicar um vídeo de um minuto no feed do Instagram, levo cerca de três horas pra carregar. Mas já ‘tô’ acostumado com esse trem. É melhor que tá morando numa roça sem acesso a nada!

Foto: Divulgação

DT: Rapaz, e você voltou com publicações mais ousadas e provocantes …

JS: Minhas publicações estão mais ousadas mesmo! Isso é porque ainda ‘tô’ solteiro… se eu começar a namorar todas essas coisas ousadas serão excluídas e arquivadas. E serei mais reservado.

“Eu nunca tive medo e nem vergonha de nada!”

DT: Antes desse sucesso nas Redes Sociais, como era sua vida no campo? Sempre foi destemido e sem medo do que o preconceito causasse em sua vida?
JS: Eu nunca tive medo e nem vergonha de nada! Sempre fui esse sagitariano mineiro que vive no mato que você pode ver nas publicações. Mesmo antes de publicar fotos e vídeos no Instagram eu sempre fui espontâneo, levando a vida sempre para um lado bom, mesmo diante de alguns cenários tristes que se vê nos comentários de minhas fotos.

“…imagina lidar com grupos de homens chatos que se acham os brutos da família? Esquece. Vão querer que eu estrague a tradição do agro e da família tradicional?”

DT: E Com relação a sua família?

JS: Minha família também me segue no Instagram, não escondo nada deles… no passado eles foram cruéis comigo, chegaram a me expulsar de casa, mas hoje em dia aceitam tudo! Inclusive minha mãe sempre brinca falando ‘pra eu’ arrumar um peão pra vivermos juntinhos. Sinto mesmo é que eles tem medo de me ver sofrer preconceito nas ruas quando vou pra cidade. Pois ouvimos tanta coisa ruim acontecendo por ai contra a comunidade LGBTQIAPN+… imagina então quando souberem que sou gay e moro na roça tendo que lidar com grupos de homens chatos que se acham os brutos da família? Esquece. Vão querer que eu estrague a tradição do agro e da família tradicional?!

DT: Sabemos que o meio rural é extremamente preconceituoso. Queria saber como outros peões ditos machões reagiram e ainda reagem a suas publicações.

JS: Muitos brutos ainda não sabem que sou um agroboy gay. Somente alguns! Pois sei que ainda tenho que fingir que não sou gay quando ‘tô’ perto deles. Já conheço a postura da maioria, principalmente quando estamos numa roda de peão ‘’bebendo umas’. Só “docê” ouvir a conversa deles, já sabe que as falas são machistas e homofóbicas. Quando não quero participar da conversa eu finjo desinteresse ou levanto e saio da roda.

DT: Além de não se importar com sua sexualidade, você também publica vídeos muito sensuais e com mensagens provocativas. Recebe muitas cantadas no direct?

Foto: Divulgação

JS: Percebi que 90% de meus seguidores são também LGBTs e bem sei que gostamos de algo provocativo! Ainda mais vindo de um gay que mora na roça, isso é algo diferenciado! Não é todo dia que ‘oce’ vê um vaqueiro gay solteiro por aí. Confesso que a pedidos já até me aventurei a vender fotos mostrando mais do que posso no Instagram! E olha… deu um bom rendimento… hoje entendo porque tantos famosos entram em plataformas de conteúdos adultos.

DT: Mas você já pensou em ter uma página em uma dessas plataformas digitais por assinatura ou recebeu algum convite de parceria para fotos sensuais?

JS: Por enquanto ninguém entrou em contato querendo fazer algum ensaio, parcerias, ou outras coisas. Os conteúdos que as vezes tenho eu vendo pros ‘peão’ pelo Instagram mesmo! Não ofereço, eles pedem, eu faço, e ficamos todos felizes.

“Tem muitos casados que entram em contato comigo no Instagram, elogiando… perguntando onde moro, como faz pra me conhecer… essas coisas”

DT: Fala a verdade: alguma das cantadas recebidas e dessas vendas de conteúdo são de peões que no dia a dia, na lida do seu trabalho, se dizem machões?

JS: Óia… não exatamente da mesma roça que eu! Mas sempre tem uns peão que gosta do sigilo. Tem muitos casados que entram em contato comigo no Instagram, elogiando… perguntando onde moro, como faz pra me conhecer… essas coisas. São héteros enrustidos, né assim que fala? Não só peão… sempre tem uns que entram em contato comigo achando que sou garoto de programa e atendo esses trem! Mas não sou! Sou apenas um peão barbado e tatuado que vive no campo com a família.

DT: Você recentemente foi parar em uma matéria da Revista Globo Rural, o que tornou você mais famoso.

JS: Sim! Foi uma surpresa quando a Globo entrou em contato comigo perguntando se eu tinha interesse em dar uma entrevista pra eles no mês do orgulho LGBTQIAPN+. É especial falar sobre como lidar com preconceitos vivendo no campo, onde todos nos sabemos que é um universo completamente machista! É nítido ‘ocê’ ver tanto ódio e rancor de quem mora no campo e odeia o homossexual que também faz o mesmo trabalho que eles. Prova disso são os comentários lá na matéria, na página da revista.

“Não somos diferentes diante do criador, não somos uma vergonha pra família”

DT: Em algum momento, por preconceito, já pensou em deixar o campo e morar na cidade?

JS: Já! Porém fiz até um vídeo no reels falando sobre isso, pedindo opinião! Pelos retornos, vi que o gay que mora na cidade tem uma possibilidade grande de ser atacado fisicamente, verbalmente, ser perseguido, pessoas fazerem maldade e até ter matar ‘ocê’. Penso que o gay que mora na roça é como ganhar na loteria! Na roça estamos isolados, no meio do mato. Na prática, normalmente não tem ninguém te perseguindo ou fazendo as coisas que fazem na cidade, onde ‘ocê’ está sujeito a maldades de homofóbicos e até religiosos cruéis. Não estou dizendo que não há o preconceito, mas na roça, estamos mais isolados.

DT: Que conselho você daria para outros agroboys LGBTS que tem medo de expor sua vida?

JS: Primeiro escolha suas amizades! Se for para as redes sociais, escolha o tipo de conteúdo que gostaria que as pessoas assistissem… vai com cautela e esteja pronto para enfrentar qualquer tipo de obstáculo! ‘Ocê’ não é obrigado a expor nada pra ninguém, mas se sentir que chegou a hora, seja ‘ocê’ mesmo! Sempre esteja com a cabeça levantada e a mente aberta! O medo e a coragem jamais pode existir dentro da mesma pessoa… ou ‘ocê’ tem medo ou tem coragem! Se o medo gritar mais alto, tente peneirar as experiências que já teve e separe o joio do trigo, coisas boas das ruins. E jamais deixe alguém machucar ‘ocê’ pelo seu jeito ou pelo que ‘ocê’ é! Não somos diferentes diante do criador, não somos uma vergonha pra família. Somos quem sempre fomos!

“Não temos televisão aqui na roça, então, não assisto novelas. Esses dias várias pessoas do Instagram começaram a comentar nas minhas fotos “Ramiro de Minas Gerais ” e eu sem entender nada”

DT: Ultimamente as novelas tem tocado nesse tema do peão que é gay, etc. Você acha que isso contribui para o engrandecimento da causa?

JS: Não temos televisão aqui na roça. Esses dias várias pessoas do Instagram começaram a comentar nas minhas fotos “Ramiro de Minas Gerais ” e eu sem entender nada fiz um Story perguntando pra peãozada o que queria dizer aquilo! Eu nem sabia! Depois me falaram que era um peão lindo por demais de uma novela. Acho interessante esse tema que colocam na TV aberta, um peão rústico e gay ao mesmo tempo. Isso mostra a realidade de muitas roças por aí! Imagina a quantidade de peão gay que sofre no meio dessas roças? Infelizmente, eu não tive com quem me inspirar pra ser quem eu sou hoje. E tenho certeza que há muitos “Jorge Santos” por aí no meio do mato passando o mesmo que eu passei. Novelas assim ajudam eles atenderem que eles NÃO ESTÃO SOZINHOS e que NINGUÉM SOLTA A MÃO DE NINGUÉM nesse vale colorido.

DT: Deixa um recado para seus seguidores baianos…

JS: Aooooowww Bahia! Que terra linda, uai! O sotaque ‘d’ocês’ aquece o coração de qualquer peão! Não conheço essas terras aí ainda não, mas já conversei com muitos baianos e óia…. Todos são educados e charmosos! Quero ir conhecer qualquer dia desses esses calor baiano e ‘esses peão’ daí que são lindos por demais, uai! Muito obrigado pelo carinho de sempre e por acompanhar minhas publicações! Venham qualquer dia pra cá também para a gente tomar banho de rio. Beijos