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‘O GGB sempre gostou mais de protestos do que celebrações festivas’, diz Marcelo Cerqueira

Genilson Coutinho,
06/04/2016 | 23h04

No Brasil, os anos oitenta tiveram muitos significados históricos, como o surgimento de movimentos sociais, ONGs e a formação de novos líderes e ativistas culturais defensores dos direitos de negros, mulheres, índios. Pode-se dizer que a sociedade brasileira rompeu a barreira do silêncio bem no apagar das luzes do último governo militar, comandado por João Batista Figueiredo, ascendendo as luzes da cidadania e dos direitos civis para as décadas seguintes.

Na Bahia, ainda em 1977 surgiu o Ilê Ayê. O ano de 1980 já foi marcado pela fundação de três importantes entidades: O Partido dos Trabalhadores, o bloco Olodum e, especificamente no 29 de fevereiro, do Grupo Gay da Bahia (GGB), movimento que surgiu como resposta a um tapa na cara sofrido por Luiz Mott quando apreciava o por do sol com seu companheiro no Farol da Barra. Indo de um tapa para aplausos, o GGB cresceu e se tornou a principal ONG de emancipação homossexual da América Latina. E é para falar um pouco dessa história de luta política e social que em 2016 completou 36 anos que o Dois Terços bateu um papo com Marcelo Cerqueira, atual presidente do Grupo. Confira abaixo.

Dois Terços – No completar de 36 anos de ativismo, como você descreve o  surgimento do GGB?

Marcelo Cerqueira – Já surgimos como resposta ao preconceito. Luiz Mott, recém chegado de São Paulo, professor na UNICAMP, à convite da professora Consuelo Pondé de Senna para ser professor na UFBA, apreciando o por do sol no Farol da Barra com seu companheiro, o sociólogo Aroldo Assunção,  recebe um tapa na cara de um morador de rua que percebeu que se tratava de um casal gay. Mott resolve então publicar um anúncio no jornal Lampião da Esquina convidando “as bichas a rodar a baiana contra o preconceito”. Assim, com o apoio do jornal Inimigo do Rei, aconteceram as primeiras reuniões. Havia muito medo, tais encontros aconteciam em locais distintos, com receio da repressão policial. Isso era tão sério que para registrar a entidade foi preciso  uma liminar na Justiça autorizando, porque os cartórios se recusavam a receber os estatutos.

DT – Imaginamos que os primeiros dez anos do movimento LGBT foram difíceis. Como o GGB sobreviveu ao preconceito, ao estigma do HIV em uma época em que os homossexuais tinham medo de se assumir?

Marcelo e Mott/ Foto: Genilson Coutinho

MC – Anos dificílimos, mas a coragem de Mott venceu tudo e todos. Ele criou uma estratégia de comunicação e o GGB se posicionou em relação ao combate da homofobia na mídia e na sociedade. Tudo era muito difícil, havia muito medo e ainda a Delegacia de Jogos e Costumes prendia travestis e gays por vadiagem. Poucos levantavam a bandeira. A Polícia chegava nas boates e mandava ascender as luzes, dizia “Caçador de um lado e viado de outro” e era só humilhação. Com o surgimento da Aids, chamada de “peste gay”, a situação ficou ainda mais tensa. O GGB manteve-se na dianteira e graças às informações que vinham dos Estados Unidos e da Europa, iniciamos nos anos 90 campanhas de prevenção à doença, estimulando uso de preservativo.

DT – Quais avanços do Movimento Social LGBT na Bahia e no Brasil podemos comemorar como verdadeiras mudanças?

MC – No Brasil, sem dúvida, a criação do programa federal “Brasil sem Homofobia”, para o qual sinto-me orgulhoso de ter colaborado com o texto final, embora poucas concretas  tenham  saído do papel. As Conferências Nacionais LGBT, inclusive com a presença do presidente Lula. A decisão do Supremo Tribunal Federal em considerar as uniões LGBT como núcleos familiares, e, em seguida, autorizar o Casamento Civil nos Tabelionatos brasileiros. Na Bahia, temos a aprovação da proibição de discriminar por orientação sexual na Lei Orgânica de Salvador, por iniciativa do GGB. A criação do Conselho LGBT pelo governador Jacques Wagner e ainda a criação de uma Coordenação LGBT na estrutura da SEDES, que tem cuidado da organização das últimas três Conferencias LGBT. Recentemente em Salvador, graças ao PL da então vereadora Fabíola Mansur, também foi instituído na administração municipal um órgão de combate à homofobia.

Centro de Referência LGBT

DT – Então, conta pra nós como surgiu a Parada Gay da Bahia, hoje “Parada do Orgulho LGBT”, e quais as contribuições dela para o combate aos preconceitos?

MC – O GGB sempre gostou mais de protestos do que celebrações festivas…mas fomos levados pela onda nacional e internacional do “gay pride” e também organizamos nossa primeira Parada Gay. Fomos convidados por um grupo de produtores do sudeste para uma reunião no Trapiche Adelaide, com a presença de Lícia Fabio, para discutir esse tipo de evento na Bahia. Eu e Mott fomos tensos, e depois disso resolvemos abraçar a iniciativa porque os LGBTs queriam muito. A primeira movimentação aconteceu no Beco com Bagagerie, Lilith (Angelo), Dino Neto e outros montados. Foi assim que, em 2001, fizemos a primeira parada com Edson Cordeiro, em junho, de baixo de chuva, mas coma Praça Castro Alves lotada!

DT – A Parada sempre escolhe um tema especifico para discutir com a cidade. Já existe tema para a edição de 2016? Como foi escolhido?

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MC– Esse ano a campanha vai homenagear as mulheres transexuais. O tema é “Uma vida sem violência é um direito das mulheres trans”. Com isso queremos discutir a questão do feminino e das várias formas de ser mulher, considerando que ser mulher, homem ou as duas performances juntas,  são condições sociais que devem ser respeitadas.

DT – Estamos em ano de eleições municipais. Como você vê a participação de LGBTs na disputa política?

MC – A conquista da cidadania passa pela participação ativa de LGBTs no centro de decisões políticas. Nossas lutas não avançam por falta de representação política nessas instâncias. A onda conservadora está muito forte. Os LGBTs devem pensar em votar nos candidatos que têm compromisso com nossas demandas, porque na hora da tensão os políticos ficam com as suas bases que nem sempre respeitam a comunidade LGBT.