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O Festival Villa Mix e o seu curralzinho LGBT

Elder Luan,
27/02/2018 | 18h02

No último sábado, recebi de uma amiga em um grupo de whatsapp uma imagem com o valor dos ingressos para o Villa Mix Belo Horizonte, que acontecerá no próximo dia 07 de abril. Estaria tudo dentro dos conformes, se não fosse uma área específica do evento, que tem como nome: “Sense LGBT”. Segundo informações fornecidas pelos idealizadores da festa, o Sense LGBT é um espaço “exclusivo” destinado para pessoas trans, lésbicas, gays e bissexuais, que contará com shows, drinks e decoração diferenciada para o que eles estão chamando de “público arco-íris”.

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O evento já estava sendo divulgado há algum tempo, porém foi no último fim de semana que a questão chegou às redes sociais, junto com uma chuva de críticas de seguidores que discordavam da separação de pessoas LGBTs em um cercadinho, que segundo informou o site da Uol, será um espaço que “ficará distante do palco principal e também das outras áreas do evento “ [sic].

Fui então pesquisar a proposta desse “camarote”, e para minha surpresa descobri que essa ideia não é nova, e que desde 2015 o Villa Mix organiza espaços como esses em suas festas. Em uma matéria publicada no site “Guia Gay BH”, pude constatar que a ideia surgiu em Belo Horizonte em 2015, num evento do Bloco Pirraça, e que devido ao grande sucesso foi incorporada ao Villa Mix BH. O espaço, dito exclusivo, fica dentro de outra área do evento, o Villa Prime, tal como podemos conferir na imagem abaixo, disponibilizada no site do evento:
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Ao contrário de todas as outras áreas do evento, o sense LGBT é um cercadinho, dentro de um dos espaços mais caros da festa. Pensando que esse é o quarto ano que o Villa Mix conta com esse espaço, e que possui ingressos a R$210,00, há como supor que o mesmo seja um sucesso, ou que pelo menos possui uma quantidade mínima de pagantes, que faz com que essa área seja mantida. É perceptível também, através das imagens divulgadas da área, que o principal público do sense LGBT são homens gays brancos.

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Não é nenhuma surpresa que o Villa Mix tenha se atentado ao potencial de consumo de pessoas LGBTs, especialmente dos Gays Brancos, que tem movimentado cerca de 150 milhões de reais por ano, segundo aponta levantamento da InSearch Tendências e Estudos de Mercado. Poderíamos até avaliar como positivo, que empresa esteja considerando a existência de pessoas LGBTs em suas festas, mas o que há de exclusivo em ficar trancado em um cercadinho? O que o Villa Mix está propondo não é um espaço exclusivo para pessoas Trans, Lésbicas, Gays e Bissexuais, ao contrário disso, é um modo de segregação, identificação, e separação do público LGBT do principal público do evento: as pessoas heterossexuais.

A vivência LGBT sempre foi guetizada. Os gêneros e as sexualidades não-normativos sempre estiveram fadados a lugares específicos. A criação de guetos para sujeitos com vivências e expressões de gênero e sexualidade não normativas veio com a urbanização e modernização das cidades e o preconceito e as dificuldades de homossociabilização em espaços públicos. Entre as décadas de 80-90, uma subcultura gay começava a ser gestada nas grandes cidades, a partir de uma geografia sexual que possibilitava o encontro de pessoas LGBTs em espaços públicos, porém mais reservados.

De lá pra cá, especialmente nos últimos anos, a vivência LGBT tem ultrapassado o limite dos guetos, e uma das demandas do movimento LGBT atual, é justamente que pessoas LGBTs, especialmente aquelas que não dispõem do benefício da passibilidade, possam circular por quaisquer espaços, sem que para isso tenham que esconder ou negar as suas identidades.

Criar um cercadinho para pessoas LGBTs só reforça a compreensão de que pessoas LGBTs são um risco às sexualidades heterossexuais. Algumas pessoas sinalizaram que o cercadinho seria um espaço mais seguro para a vivência da sexualidade. Eu não duvido de que existindo um espaço LGBT no evento, que ele seja um lugar de menor potencialidade para a violência. Entretanto, o que questiono, é se a preocupação do Villa Mix é com a nossa segurança, ou com o afastamento do público heterossexual da festa provocado pela forte presença de homens gays nesses espaços. Afinal, quem quer ir para a balada sertaneja para ver dois homens e duas mulheres se beijando?

Se você tem dúvidas disso, sugiro que leia o relato produzido pelo blog Me Salte sobre o Camarote Skol no Carnaval de Salvador no “dia que o camarote ‘só tinha viado’ e os heteros surtaram”. A principal questão posta no relato de Jorge Gauthier, é que havia uma forte insatisfação entre as pessoas heterossexuais de que aqueles espaço, que não é um reduto gay, estava tomado por gays e lésbicas, suas performances, afetos, pegações, entre outros aspectos comuns do universo LGBT.

O cercadinho é uma estratégia de inclusão de LGBTs ao Villa Mix, ou uma forma de proteger o público heterossexual de nossas performances, identidades e demonstrações de afeto?  O cercadinho pode até nos proteger, mas, na mesma medida, ele provoca que nossos afetos continuem sendo trancado em lugares específicos, o que só contribui para a manutenção da violência nos espaços comuns.

O que há de positivo em voltar a ser guetizado, nesse momento, onde o que desejamos é que a vivência não-heterossexual seja naturalizada em espaços que estejam além dos redutos LGBTs?

*Elder Luan – Graduado em História e doutorando do Programa de Pós-graduação em Estudos Interdisciplinares sobre Gênero, Mulheres e Feminismo.