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Novas vozes saem das urnas

Armando Januário,
30/11/2020 | 19h11
Erika Hilton, primeira mulher trans negra eleita vereadora de São Paulo (Foto: Divulgação)

As eleições municipais de 2020 ainda não terminaram em todo o Brasil. Haverá segundo turno em 57 cidades. Contudo, a geografia política dá claros sinais de mudança: 25 pessoas trans foram eleitas, o que representa um aumento de 200% em relação a disputa em 2016, conforme dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA). Esse crescimento é uma resposta às políticas de segregação impostas pelo atual governo federal, que desde o início do seu mandato já deixou bastante evidente a sua repulsa por segmentos minoritários da sociedade. Resultado: o presidente brasileiro sai do processo eleitoral como o maior derrotado, haja vista a grande maioria daqueles apoiados por ele, não terem sido eleitos. É o caso do deputado federal Celso Russomanno (Republicanos), o qual era tido por determinados setores da sociedade paulistana como o mais cotado para disputar o segundo turno com o atual prefeito, Bruno Covas (PSDB). Russomanno acabou sendo ultrapassado por Guilherme Boulos (Psol), que irá ao segundo turno.

O mapa político dessas eleições pode significar uma prévia de 2022: a luta do campo progressista contra o fascismo. Contudo, a novidade pode residir na liderança do progressismo. A despeito de sair vitorioso do segundo turno, Boulos emerge como o principal nome da esquerda no país, deixando o PT e Lula alertas quanto a como se dará o processo de aliança para as eleições daqui há dois anos. Na verdade, Boulos e Erundina já são grandes vitoriosos: o Psol aumentou sua bancada em São Paulo e no país, elegeu diversas candidaturas originárias de minorias sociais.

Deve-se mencionar também que além das 25 pessoas trans eleitas, 176 serão suplentes, uma marca histórica para o movimento trans e travesti. Essa é mais uma demonstração do poder de resistência e combatividade às formas retrógradas de concepção da sociedade. Travestis e transexuais a cada dia aumentam sua evidência na mídia, algo conquistado através da militância desde os Anos de Chumbo, quando esse grupo social enfrentou não apenas a violência da polícia, mas também o HIV/AIDS, saindo vitorioso e chegado à segunda década dos anos 2000 com significativas conquistas. Nomes como Millena Passos, Keila Simpson, Marcelly Malta e tantas outras pessoas trans e travestis que por décadas têm lutado em prol da igualdade e equidade para a população trans, certamente veem agora com alegria, os resultados do seu incansável trabalho.

O Brasil segue como o país em que mais se mata travestis e transexuais. No entanto, o resultado eleitoral demonstra que estamos caminhando para deixar esse triste indicador para trás. Isso porque novas vozes saíram das urnas. E elas dizem: “nós existimos!”

*Armando Januário dos Santos é mestrando em Psicologia pela UFBA, psicólogo graduado pela UNEB, pós-graduado em Psicanálise; em Gênero e Sexualidade; e em Literatura. Graduado em Letras com Inglês. Autor do livro Por que a norma? Identidades Trans, Política e Psicanálise. E-mail: armandopsicologia@yahoo.com.br | Instagram: @januario.psicologo.