Notícias

Nem no amor nem na dor a Parada Gay de Salvador representa a comunidade por Rafael dos Anjos

Rafael dos Anjos,
12/09/2017 | 12h09

Vamos lá… Vou falar pela milésima vez sobre a Parada Gay de Salvador, visto que, o assunto foi parte até do meu TCC, durante a graduação em 2008. Todos os anos as reclamações se repetem: sobre violência, descaso da polícia e governos, municipal e estadual. Sobre as “divas” da música, dos empresários… Nenhuma novidade! As gays reclamam, condenam, chamam de carnaval fora de época e não entendem tanta exposição, excessos e trios.

Tá bem! Eu concordo que esse modelo carnavalesco, infelizmente, não funciona em Salvador. Lembrando que este ano eu não estive presente. Trio aqui é Carnaval, as demais capitais que investem nisso não tem o nosso know how para agitar a massa com axé e pagode. Lá é novidade e dá certo. Ressalto que qualquer ritmo cabe na Parada LGBTQI+. Não vou repetir mais a sigla ao longo do texto.

No começo do ano soube da indicação de Tia Má, a jornalista Maíra Azevedo. Critiquei, confesso. Lembrando que a admiro pela jornalista que é, pela representatividade que é para muitos, independente de gays, mulheres, negros ou nordestinos. Ela representa muitas pessoas. Mérito dela, mas discordo de tê-la como representante dessa nossa luta. 1 º Motivo: ela – não eu – defende o tal ‘lugar de fala’, logo, não tem esse lugar na sigla acima. Eu entendo a indicação de seu nome como madrinha, mas ainda discordo. Ela poderia estar no trio levando todos os holofotes pra lá, sem ter de usar a faixa. 2º Motivo: essa ação distorce a coisa toda e nós estamos muito acostumados com essas distorções, tudo muito aceitável e tá bom assim mesmo. Não. Não está bom! Aí me enfiam a Flora Gil no meio, que nem apareceu. E depois disso se tornou alguém “irrelevante”. Pra quê chamou?

A ideia era mídia. Ouvi muito isso: “mídia, mídia”. Mas chamar atenção sem estratégia pode ser um tiro no pé e me parece que só tem sido assim. Me surpreenderia se a Parada fosse criticada em 2017 por outras razões, mas não as mesmas dos últimos 7 anos, por exemplo. Nada, absolutamente nada mudou. Meu descontentamento é exatamente porque eu sei que gente muito boa está por trás desse trabalho e rala muito pra chegar até a rua no domingo.

Inevitável, é preciso ouvir as pessoas, inclusive ler as críticas dos chamados “militantes virtuais”, influenciadores de seus próprios nichos e que muitas vezes chegam facinho onde a campanha da TV Bahia não chega.

Aliás, as redes sociais viraram palco de muita ‘treta’ desde o final do ano passado e muitas delas envolviam a Parada e eu até me envolvi em algumas. Não adiantou nada. Assim como os erros repetidos das edições anteriores, os argumentos e as críticas são as mesmas agora. O que de fato impede uma nova formatação do evento? A pergunta é séria e eu adoraria saber a resposta.

Uma sugestão antiga é o fim dos trios, a manutenção do palco no centro do Campo Grande e exclusividade para os shows e performances de artistas militantes, parte da nossa agenda, da comunidade, além de seus brilhantes coletivos, grupos e associações com seus protestos e força. Já vi tantos talentos nossos, fazendo funk, pagode, revivendo divas do pop e até drags monxtras, de barba e tudo resistindo <3 Acrescento que vi algumas delas criticando a forma que foram marginalizadas pelo evento. Então nem me venham com essa de que a Parada foi a mais “preta da história” e por isso negligenciada.

Sempre foi negligenciada, porque é “coisa de viado”.

Dentre as ‘tretas’ que citei, rolou uma sobre encontros e debates para discutir a Parada 2017, pois os horários eram complicados para quem trabalha em jornada comercial, tipo eu. Mas acontece o seguinte, se você não for elogiar ou dar tapinhas nas costas de um ou outro, você ‘não sabe de nada’, você é “irrelevante”, você simplesmente precisa ser ignorado e todos seguem blindados em suas certezas.

Eu só tenho certeza de uma coisa: Não está dando certo. Todo mundo reclamando e se foi a mais preta na rua – o que pra mim sempre foi – nos trios foi bem clarinha e cheia de selfies. Parabenizo sim os espaços privados da festa, no caso ao Maluf pelo camarote mantido no circuito, ao Burlesque Bar, a Amsterdam pela iniciativa do after. Parabéns as drags, trans e travestis que deram mais uma vez a cara a tapa na rua, no chão, no trio ou no palco. Dion Santyago (não vi mídia preocupada em entrevistá-la), resistindo, sempre elogiada e lembrada pelo público… Pelo público. Tanucha MissTaylor, Ferah Sunshine, Bagageryer Spilberg, Nathalya Striker e Valerie O’rarah, das quais também li muitos comentários positivos.

Não vou citar os artistas que já lotaram os sites de notícias a respeito da Parada. Nenhum deles tem de fato representatividade na causa. Nenhum! Aos demais envolvidos, mais humildade, ouvidos e olhos abertos, atentos para as entrelinhas dos comentários, online e offline, para o descontentamento desse público tão diverso e plural que morre aos montes por aí.

 

Confira o desabafo da ativista Dion Santiago .

Rafael dos Anjos

Jornalista e especialista em mídias sociais

19988999_1249658998489580_370515445_n-1