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“Não tem como fazer qualquer tipo de arte sem se posicionar” ,diz Rodrigo Lelis

Genilson Coutinho,
24/10/2022 | 11h10
(Foto: Caio Lírio)

O ator Rodrigo Lelis Prestes a estreia no cinema vivendo Caetano Veloso, no longa“Meu Nome é Gal” sobre a vida e a obra de Caetano Veloso , e dando vida ao personagem Rubens, no espetáculo “O Princípio de Arquimedes”, com últimas apresentações na Sala do Coro, em Salvador. O ator arrumou um tempo meio a correria e projetos, e falou ao Dois Terços sobre carreira, preconceito e da sua estreia no Ateliê Voador.

Dois Terços : Quem é Rodrigo Lelis? Conte-nos um pouco sobre você.

Rodrigo Lelis : Rodrigo Lelis é uma pessoa do interior, um interiorano, que veio para a capital aos 17 anos na busca de novas vivências, de novas oportunidades. Eu posso dizer que eu sempre tive em mim, não sei explicar o porquê, o desejo e a vontade de alguma forma fazer arte, de levar mensagens, algum tipo de mensagem para as pessoas. Desde muito jovem eu tinha essa vontade em mim, principalmente dentro das artes cênicas. Eu comecei a fazer teatro no colégio e desde esta época eu gostava muito dessa arte. Quando cheguei em Salvador, procurei saber mais sobre teatro, a cultura e os cursos de formação daqui. Foi quando conheci a Universidade Livre do Teatro Vila Velha, que foi o lugar que me deu todo o suporte necessário, toda a formação pra me tornar o ator que eu sou hoje, pra me tornar o ser humano que eu sou hoje.

DT: Como surgiu o convite para viver Caetano Veloso no longa “Meu Nome é Gal”, que chega aos cinemas em 2023?

Rodrigo Lelis caracterizado como Caetano Veloso, papel que interpreta no filme ‘Meu Nome É Gal’ (Foto: Itala Martina)

R L:Fazendo teatro baiano, dentro do Teatro Vila Velha. Eu tive a oportunidade de conhecer Dandara Ferreira, a diretora de “Meu Nome é Gal”, que recebeu um convite de Márcio Meirelles pra fazer um espetáculo chamado “Por Que Hecuba”. Ela foi convidada por Márcio, aceitou o convite e a partir dali passou a conhecer o meu trabalho. Quando surgiu o “Meu Nome é Gal”, quando surgiu a oportunidade de fazer Caetano, nesse contexto de testes para o filme, ela lembrou de mim por causa desse processo e me enxergou como Caetano. Através disso eu fiz uma serie de testes e passei pro personagem. Vivi ele durante alguns meses da minha vida. Foi muito mágico, muito especial. Eu dou esse mérito sempre a Dandara, que foi a pessoa que me achou, que me descobriu, que é minha amiga e minha irmã até hoje.

DT: O que foi mais difícil na composição do personagem, diante de tantas referências e proximidade com o cantor?

Rodrigo e Caetano Veloso (Foto: Arquivo Pessoal)

R L : É engraçado que, antes do filme, ninguém me associava a Caetano. O desafio maior foi justamente buscar esse Caetano que há em mim. Eu busquei, como sempre busco em meus personagens, uma referência visual e comecei a tentar viver um pouco Caetano em mim. Acho que o maior desafio disso tudo também foi interpretar um personagem vivo, acho que a partir disso há uma responsabilidade grande, mesmo sabendo que eu nunca quis imitá-lo, nunca quis trazer o Caetano que já existe. Eu sempre busquei o Caetano em mim. Logicamente, dentro desse processo, eu busquei trazer gestuais, um visual parecido, e acho que eu tive um êxito interessante nesse processo. É isso, eu acho que o maior desafio foi fazer um personagem vivo, fazer uma figura viva. Acho que nesse processo há uma responsabilidade maior.

(Foto: Caio Lírio)

DT: Em “O Princípio de Arquimedes” você dá vida ao professor de natação Rubens, acusado de assédio em um clube de natação infantil, após um suposto beijo dele em um dos seus alunos. Qual foi o seu maior desafio para viver Rubens?

R L : O maior desafio pra viver Rubens foi rememorar um homem, um ser humano, que eu busco todos os dias desconstruir, me distanciar. Eu não acredito muito nesse processo de viver um personagem e sair de si próprio pra viver aquilo. Acho que os personagens estão sempre dentro da gente. Viver Rubens, um personagem que sofre tanto com a masculinidade tóxica, pra mim foi um processo doloroso porque trazer isso à tona, colocar em questão, mostrar ao público tudo aquilo que você combate diariamente é um processo difícil. Acho que esse foi o maior desafio.

DT: Como tem sido a recepção do público após o espetáculo?

R L : A peça sugere uma série de perguntas, não traz muitas respostas, e eu acho que isso é o mais interessante desse texto e do nosso espetáculo também. Eu tenho recebido feedbacks muito interessantes sobre todo o processo, muita gente que já viveu situações parecidas com as que estão sendo postas na peça, pessoas que acreditam no personagem, pessoas que não acreditam, existe um percentual muito parecido de pessoas que saem com opiniões muito opostas e isso pra mim é muito interessante, porque mostra que o meu trabalho, que é o que eu queria buscar, está sendo feito de uma forma muito interessante. Os feedbacks têm sido os melhores possíveis. Muita gente tem vindo falar que gosta muito do espetáculo e eu percebo um olhar sincero nisso, enfim, acho que tem sido muito interessante tudo isso.

DT: Estamos vivendo dias difíceis no atual contexto do Brasil em todos os setores, e somos sabedores do quanto a arte é transformadora. O artista deve se posicionar na luta por melhorias no país?

R L : Com certeza! Acho que a palavra ator vem de atuante e não existe ator que não atua, não está atuando de alguma forma dentro da sociedade. Acho que essa pergunta por si só não deveria existir, porque eu acho que é uma obrigação de todo ator, é obrigatório se posicionar e entender que a arte é também nesse lugar. O teatro é política. As duas palavras pra mim são redundantes. O teatro, o cinema, a arte são política, então eu acredito que não tem como fazer qualquer tipo de arte sem se posicionar.

DT: Muito jovens deixaram de fazer teatro por suas famílias, pejorativamente, afirmarem que “teatro era coisa de viado”. Você acredita que esse preconceito ainda dita o futuro de muitos jovens, que sonham em ser ator?

R L: Eu acho que o teatro é coisa de viado sim, e que bom que é! O teatro é coisa de viado, coisa de sapatão, coisa de gente de todo tipo de gente, seja você preto, branco, viado, maconheiro, o que quer que seja. O teatro é um lugar de acolher e por isso que é tão associado a isso. Essa coisa de ser associado a ser coisa de viado pra mim é tão bom, porque coisas de viado são coisas tão interessantes. Eu acho que nesse processo é mais interessante a gente subverter esse lugar do que simplesmente repudiar e achar que esse tipo de fala é algo ruim, muito pelo contrário, é algo bom.

DT: O ATeliê VoadOR tem no seu repertório espetáculos que sempre trazem uma reflexão com foco na diversidade e nas relações humanas. Já tem novos projetos em andamento?

R L : Eu não sou da Companhia, fui convidado para fazer este espetáculo. Pelo que eu conheço Djalma Thürler, e pelo que já conversamos, tem sim projetos novos pela frente. Djalma quer montar um espetáculo chamado “Cabaré Star”, que vai homenagear o artista Edy Star, uma figura maravilhosa dentro desse contexto de cabaré. Acho que por enquanto é isso que eu posso dizer. Djalma faz, e sempre quer realizar coisas. Não é à toa que o ATelie voadOR esteja completando 20 anos.