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Mesmo com epidemia controlada, Aids avança entre homossexuais

Genilson Coutinho,
13/05/2014 | 11h05

Aids

Os índices globais de contaminação por HIV e de mortes associadas à Aids foram drasticamente reduzidos nos últimos 20 anos graças à ampliação do acesso ao tratamento. Apenas no Brasil, por exemplo, o total de óbitos a cada 100 mil habitantes caiu 12% entre 2002 e 2011. Quando foco é apenas o público homossexual masculino, no entanto, o resultado está longe de ser animador. De forma surpreendente, a infecção voltou a crescer no mundo inteiro entre esse público – o primeiro a ser atingido em cheio pela doença.

Dados do “Boletim Epidemiológico – 2013”, do Ministério da Saúde, mostram que entre 2002 e 2012, o total de homossexuais com idade superior a 13 anos contaminados por meio de relações sexuais cresceu de 22% para 32%. Em números absolutos, a evolução foi de 2,9 mil para 4,3 mil. Até a metade de 2013, o total de infectados já chegava a 32,5% (1.463 casos).

Entre os homens, 43,5% dos casos se deram por relações heterossexuais, 24,5% por relações homossexuais e 7,7% por bissexuais. Já entre as mulheres, 86,8% dos casos registrados em 2012 decorreram de relações heterossexuais.

Apesar de o número de o total de casos no sexo masculino ainda ser maior entre os heterossexuais, a epidemia no país é concentrada em grupos populacionais com comportamentos que os expõem a um risco maior de infecção pelo HIV, como homossexuais, prostitutas e usuários de drogas.

Na avaliação do infectologista Amilcar Tanuri, chefe do laboratório de virologia molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFJR) esse comportamento é fator fundamental para explicar a resistência da AIDS entre o público homossexual.

– Sabemos que o coito anal leva a um risco maior de infecção que o vaginal. Isso já foi comprovado inclusive por meio de experimentos realizados com macacos. Esse tipo de relação expõe uma região com grande presença de órgãos linfoides – onde ficam localizadas as células mais sensíveis ao vírus – à doença. Esse fato relacionado à negligência na prevenção pode explicar os números relacionados aos homossexuais – avalia.

Segundo o especialista, também existe um forte componente comportamental, que somado à vulnerabilidade, contribui para os altos índices.

– É preciso reforçar as medidas de proteção voltadas a essa parcela. Acredito que as turmas mais jovens, que não foram expostas a todos os problemas do passado, não têm muita consciência sobre os riscos As terapias e coquetéis são capazes de bloquear completamente a infecção e prevenir totalmente o vírus – aponta.

Os fatores, entretanto, podem ir além. Em 2012, o governo brasileiro chegou a receber críticas do coordenador do Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS (Unaids) no Brasil, Pedro Chequer, após se submeter às pressões de parcelas religiosas da sociedade e vetar uma peça publicitária voltada para o público homossexual.

O comercial que estava previsto para ser veiculado no Carnaval trazia imagens de um jovem casal gay trocando carícias numa boate. No final da cena, aparecia uma fada com um preservativo e o slogan de que sem camisinha não pode rolar. O vídeo foi substituído por outro mais burocrático.

Na Inglaterra, o risco é o mesmo

O problema da Aids entre os homossexuais não é exclusivo do Brasil. Artigo publicado nesta segunda-feira no jornal britânico “The Telegraph” aponta que, no país, mesmo passados 30 anos desde que o HIV foi isolado pela primeira vez, uma pesquisa do Instituto “National Aids Trust” apontou que, em 2012, 98.400 pessoas adquiriram o vírus. Os novos casos de HIV entre homens que fazem sexo com homens atingiu um recorde de 3.250.

O artigo chega a sugerir que aplicativos de celular como “Grindr”, “Scruff”, “Blendr”, Tingle fazem com que o sexo entre rapazes desconhecidos esteja a apenas alguns toques do telefone, e que muitos não se atentem para os riscos – especialmente porque as possibilidades de contrair o HIV têm desaparecido da consciência do público em geral.

Tratamento eficaz, mas efeitos adversos

O infectologista Amilcar Tanuri critica essa ideia de que a doença não mais assusta – algo que pode estar contribuindo para o aumento da quantidade de casos nos grupos de risco.

– Claro que há tratamentos eficazes, mas os efeitos são adversos e as terapias precisam ser aplicadas por toda a vida. Se houver algum tipo de descuido, vírus mais resistentes podem ser selecionados, tornando a luta contra a doença bem mais complexa. Também há o problema de pessoas que são contaminadas muito jovens, e acabam se saturando e abandonando o tratamento. Isso é até mais perigoso do que ficar sem se tratar, pois o retorno normalmente acontece com a presença de alguma doença grave – avalia .

O especialista indica que a medicina já evoluiu ao ponto de determinar que o tempo de vida de uma pessoa com HIV não seja mais restrito.

– Depois da introdução da terapia antirretroviral, a aids passou a ser considerada uma doença crônica. Se manejada e tratada de maneira adequada, diminui, consideravelmente, a probabilidade de adoecimento e morte – finaliza.

A Aids no Brasil

Desde o início da epidemia, em 1980, até junho de 2012, o Brasil registrou 656.701 casos de Aids, de acordo com o último Boletim Epidemiológico. Apenas no ano de 2012, foram notificados 39.185 casos no país. Este valor vem se mantendo estável nos últimos 5 anos.

Atualmente, ainda há mais exemplos da doença entre os homens do que entre as mulheres. Essa diferença, no entanto, vem diminuindo ao longo dos anos. Em 1989, a razão de sexos era de cerca de seis casos entre homens para cada caso no sexo feminino. Em 2011, chegou a 1,7 caso entre homens para cada caso em mulheres.

Do Oglobo