Médicos buscam novas formas de manter pessoas com HIV mais saudáveis
Os americanos portadores de HIV estão conseguindo o que antes era impensável: uma marcha constante para uma idade mais avançada. Mas a partir dos 50 anos muitas pessoas que vivem com o vírus enfrentam uma série de problemas de saúde, desde doenças cardíacas e diabetes até isolamento social e declínio cognitivo.
Por isso, a comunidade de pesquisa médica, que há cerca de três décadas desenvolveu medicamentos que salvam vidas mantendo o vírus sob controle, agora está procurando novas formas de manter as pessoas com HIV mais saudáveis nos seus últimos anos.
Um estudo recente, por exemplo, mostrou que uma estatina reduziu significativamente o risco de ataques cardíacos e acidentes vasculares cerebrais entre adultos de meia-idade e idosos com HIV, e pode revelar informações biológicas sobre a razão pela qual esse grupo tende a envelhecer mais rapidamente do que outros. E uma série de hospitais acadêmicos criaram clínicas especializadas para idosos com o vírus, oferecendo médicos especialistas, bem como assistentes sociais, conselheiros sobre abuso de substâncias, psicólogos e nutricionistas.
“Fiquei incrivelmente impressionado com a forma como os cuidados para a população idosa com HIV realmente explodiram”, disse Nathan Goldstein, que dirige uma dessas clínicas no Hospital Mount Sinai, em Nova York. “Recebo emails todos os dias sobre novos modelos, novos financiamentos. As pessoas estão prestando muita atenção nisso.” Mais de duas dezenas de especialistas em HIV e envelhecimento também expressaram otimismo, em contraste com a perspectiva mais sombria que muitos tinham há uma década.
Os pesquisadores se referem frequentemente a um iminente “tsunami grisalho” de pessoas idosas com HIV que necessitam de melhores cuidados. Em 2021, 572 mil americanos com 50 anos ou mais foram diagnosticados com HIV, um aumento de 73% em relação a 2011.
Hoje, dois terços das mortes na população soropositiva têm outras causas que não o vírus. Esse grupo idoso enfrenta um risco aumentado de diabetes, doenças hepáticas e renais, osteoporose, declínio cognitivo e vários tipos de câncer.
Mas talvez sua preocupação de saúde mais premente seja o risco duplicado de doenças cardiovasculares, em comparação com pessoas que não são portadoras do vírus. Pesquisadores na Holanda estimaram que, até 2030, mais de três quartos da população soropositiva daquele país terão doenças cardiovasculares, incluindo pressão arterial e colesterol elevados, infartos ou AVCs.
Procurando um baluarte contra essa ameaça crescente, os Institutos Nacionais de Saúde (NIH) dos Estados Unidos investiram US$ 100 milhões num ensaio clínico aleatório, denominado Reprieve, que testou uma medicação com estatina contra um placebo entre 7.769 pessoas com idades entre 40 e 75 anos, portadoras de HIV. Os voluntários eram relativamente saudáveis e estavam em tratamento antirretroviral estável, por isso normalmente não teria sido recomendada para eles uma estatina. Mas os resultados desse ensaio, publicados no The New England Journal of Medicine, mostraram que o medicamento reduziu o risco de eventos cardiovasculares graves nos voluntários em mais de um terço.
Formas de prevenção do HIV
“Este é realmente um estudo importante”, disse o médico Anthony Fauci, que, como ex-diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas —ele se aposentou em dezembro— foi um dos líderes do NIH que aprovaram o gigantesco orçamento do Reprieve. “Os resultados, em alguns aspectos, são ainda melhores do que eu esperava.”
Steven Grinspoon, principal autor do Reprieve e professor da Escola de Medicina de Harvard, disse que o ensaio clínico também mediu muitos marcadores químicos de inflamação no sangue dos voluntários e escaneou suas artérias coronárias. Os investigadores estão analisando se esses dados podem ajudar a explicar por que a estatina reduziu os eventos cardiovasculares. Os pesquisadores apresentarão suas descobertas num encontro em novembro.
Fauci suspeita que essa análise provavelmente revelará que a estatina reprimiu a inflamação crônica dos voluntários e, por sua vez, evitou o acúmulo de placas nas artérias que podem precipitar um ataque cardíaco ou acidente vascular cerebral.
Mas os especialistas afirmam que os cuidados em longo prazo das pessoas com HIV dependerão de muito mais que medicamentos prescritos. Uma série de problemas sociais são especialmente prevalentes entre as pessoas idosas com HIV e podem agravar os perigos do envelhecimento, incluindo a pobreza, a solidão, a dependência química, a doença mental, o estigma e a insegurança habitacional.
Paul Aguilar, 60, teve previsão de cinco anos de vida quando foi diagnosticado com HIV em 1988. Ele sobreviveu, mas não sem lutar. A gordura desapareceu de seu rosto, um efeito colateral da tóxica geração inicial de medicamentos antirretrovirais. E ele resistiu a ondas de amigos perdidos em San Francisco: primeiro por causa da Aids e, mais recentemente, por outras doenças.
No ano passado, ele começou a frequentar o programa “Bússola de Ouro” para pacientes idosos com HIV na Universidade da Califórnia em San Francisco, que oferece uma série de serviços, incluindo cardiologia, aulas de ginástica e cuidados dentários, oftalmológicos e de saúde mental. Ele disse que o aconselhamento psicológico e o apoio que recebeu lá o ajudaram a lidar com a crise de saúde mental que teve após a morte de seu amigo mais próximo, por suicídio.
O programa da universidade é “realmente uma dádiva de Deus”, disse Aguilar, observando que não tem custos diretos, graças à cobertura do Medicare e do Medicaid.
Mas a grande maioria das pessoas idosas com o vírus não dispõe do tipo de cuidados de alta qualidade que ajudaram Aguilar a prosperar, dizem especialistas. Tais programas são muitas vezes proibitivamente caros e impõem exigências de pessoal e de espaço que muitas clínicas, especialmente em áreas com poucos recursos, não conseguem satisfazer.
“Os pacientes estão sendo ignorados”, disse Jules Levin, 73 anos, um importante ativista que defende os idosos soropositivos como ele.
Depois de saber das descobertas do estudo Reprieve, Aguilar perguntou a seu médico se devia começar a tomar estatina.
Fonte: Folha de S.Paulo