Marcelo Laffitte fala sobre o filme Elvis & Madonna

Genilson Coutinho,
21/09/2011 | 00h09

Carioca de Volta Redonda, Marcelo Laffitte ingressou no cinema como assistente de produção em “Bete balanço” (1984), de Lael Rodrigues. Exerceu funções técnicas em vários filmes como assistente de direção e diretor de produção. Dirigiu curtas premiados, como “Vox Populi” (melhor filme no Festival Internacional de Santiago do Chile), antes de começar a dirigir seus documentários. Em 2002, foi presidente da ABD&C/RJ e, entre 2003 e 2005, da ABD. Em 2010 lançou seu primeiro longa-metragem de ficção: “Elvis e Madona”.

A comédia romântica “Elvis & Madonna” narra uma inusitada história de amor em um dos bairros mais emblemáticos do país: Copacabana. Elvis (Simone Spoladore) é uma fotógrafa freelancer que, sem trabalho, faz um trocado como entregadora de pizzas. A travesti Madona (Igor Cotrim) é uma cabeleireira que sonha produzir um show de teatro de revista. De um encontro entre as duas, nasce uma divertida e moderna história de amor.

Consagrado pelo público como melhor filme no Festival de Cinema Brasileiro de Paris, “Elvis & Madonna” foi o único a representar o Brasil no Festival de Tribeca, em Nova York.

 

Dois Terços: O filme é uma comédia romântica contemporânea e ao mesmo tempo reflete sobre o amor entre uma lésbica e um travesti. Como nasceu roteiro dessa história de amor?

Marcelo Laffitte durante as gravações

 

Marcelo Laffitte: Foi em Miami que a lâmpada acendeu. Eu estava participando de um festival com meu primeiro curta-metragem, o Vox Populi, quando sintonizei na TV um programa de auditório em espanhol onde um rapaz discutia com uma travesti cinquentona. Apurei o ouvido e entendi que eram pai e filho, e que o filho estava revoltado porque o pai travesti estava tendo um romance com a esposa do próprio filho. Então a travesti falou: “Eu não me apaixonei pelo corpo da sua mulher; me apaixonei pela sua alma”. Ali surgiu a vontade de contar uma história de amor entre uma lésbica e uma travesti.

 

DT: Elvis & Madona foi aclamado em diversos festivais além de ter sido premiadíssimo  por onde passou. Mesmo com todos esses prêmio, o filme só chegará as telas agora em setembro. Você atribui demora a algum fato em especial?

 

ML: Nosso problema é com a distribuição. Nos últimos anos, a produção cinematográfica no Brasil avançou a olhos vistos. Todos os meses são lançados 4 ou 5 filmes no circuito comercial, que são filmes dos mais variados gêneros, matizes e tamanhos. O número de salas de exibição também cresceu consideravelmente e houve o surgimento de circuitos voltados para o público de menor poder aquisitivo. Porém, infelizmente, a distribuição não acompanhou esse ritmo e o nosso mercado se ressente. Existem alguns distribuidores especializados em blockbusters nacionais, assim como também existem os que são especializados em filmes de arte, e ambos têm um limite anual na quantidade de filmes que podem trabalhar. Mas o filme médio brasileiro, onde eu encaixo Elvis & Madona, não tem canais de distribuição competentes e com experiência.

 

DT: Muitos gays se recusam a viverem um  relacionamento com rapazes mais afeminados, abrindo um viés preconceituoso dentro da própria comunidade LGBT. Durantes as exibições nos festivais, como foi a reação do público diante do romance de uma lésbica com um travesti?

ML: Bem, aqui há duas questões. Primeiro, eu não posso concordar nem discordar da sua afirmação, pois, ao longo da minha vida, vi uma infinidade de combinações amorosas que não se restringem ao binômio macho e fêmea. Não é à toa que a bandeira do movimento gay é um arco-íris, não é mesmo? Entretanto, eu não conheço tão bem assim a comunidade LGBT para afirmar o contrário.

Sobre a reação do público ao redor do mundo, eu avalio como excepcional. Já estivemos em Nova York (duas vezes), Gramado, Paris, Montes Claros, Zagreb, Tiradentes, Hong Kong, São Luis do Maranhão, enfim, são mais de 50 festivais em mais de 30 países. Estreamos comercialmente em Santiago do Chile antes de estrear no Brasil, e lá estamos entrando na quinta semana de exibição. Em todos esses lugares, o público embarca totalmente na história. Três exemplos: em Brasília, um rapaz – gay, por sinal – disse que “em 10 minutos de filme, você esquece que são uma lésbica e uma travesti que se chamam Elvis e Madona; você esquece tudo e começa a viver a história de amor das duas”. Em Natal, um senhor me disse: “Sou sargento aposentado da Aeronáutica e nunca pensei, em toda a minha vida, que fosse torcer por um viado um dia”. Em Varsóvia, uma moça veio chorando até mim e disse que Elvis & Madona era o melhor filme que ela viu na vida. É claro que eu respondi sorrindo que ela deveria ver mais filmes, mas ela repetia soluçando: “Você não está entendendo: este é o melhor filme da minha vida!”.

Contudo, não somos unanimidade  Ainda bem, pois, como diria Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra. De cada 10 pessoas que assistem Elvis & Madona, nove saem falando maravilhas e uma sai dizendo que é o pior filme do mundo.

DT: Com Elvis & Madona você estreia seu primeiro longa trazendo para a telona uma história de amor no mínimo impossível para muitos. Você não teve medo da reação do público diante desse amor?

ML: Eu poderia fazer um filme denso e dramático, que discutisse preconceitos e levantasse bandeiras. Uma parte da intelectualidade conservadora me cobra isto. Mas eu pergunto: para quê? Eu nunca quis fazer um tratado sobre sexualidade, muito menos apontar o que é certo ou errado. Minha vontade sempre foi a de contar uma história ambientada numa sociedade que eu julgo ser viável e que pudesse ser entendida por um público amplo, geral e irrestrito. Assim, a opção pela comédia foi a forma de contornar a dificuldade e a estranheza desta combinação entre travesti e lésbica e, ao mesmo tempo, passar minha mensagem de forma direta para uma mente aberta pelo sorriso. O riso abre sua alma, enquanto o choro fecha.

 

DT: As locações do filme aconteceram nas ruas do Rio de Janeiro, especialmente em Copacabana. Houve algum motivo especial por essa região?

ML: Copacabana é a síntese da pluralidade e não existe bairro mais diversificado em todo o mundo. Em Nova York, por exemplo, que é o ícone da metrópole, os italianos moram num bairro, os negros em outro, os brasileiros têm uma rua só deles, e assim por diante. Copacabana não. Em Copa, você tem o banqueiro milionário da Avenida Atlântica e o mendigo que dorme na calçada; tem os pastores evangélicos e as prostitutas; tem os atores famosos da Globo e anônimos camelôs, todos morando no mesmo espaço geográfico. Isto não existe em nenhum outro lugar do mundo.
DT A captação de recursos para o cinema no Brasil mesmo com todo crescimento nos últimos ainda é muito difícil. Você acredita que a captação ficar mais difícil para produções voltadas para o público Gay?

 

ML: Agora eu posso discordar da sua afirmação (risos). A captação de recursos para o cinema vem crescendo exponencialmente nos últimos anos e o fomento dos mecanismos diretos e indiretos totalizaram mais de R$ 200 milhões em 2010 . Ou seja, é muito fácil captar para um filme, o que levou a qualquer um a pretensão de fazê-los. Hoje, todo mundo quer ser diretor de cinema. Por mais dinheiro que exista, sempre haverá muito mais gente ficando de fora. O problema real é quando cineastas como Nelson Pereira dos Santos, Ruy Guerra e Roberto Farias, que são a história da nossa cultura, caem nesta vala comum.

Sobre a captação para produções voltadas para o público gay, que não é caso de Elvis & Madona, creio que seja difícil em todo o mundo.

 

DT Como estão os preparativos para grande estreia. Haverá pré-estreia em Salvador?

 ML: Quem poderá lhe responder esta pergunta é minha distribuidora. Se você conseguir esta resposta, por favor, me avise, pois eu também gostaria de saber.

Visite o site oficial do filme aqui 

 Estréia dia 23 de Setembro nos cinemas.

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