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Lutaremos como maricas

Armando Januário,
21/11/2020 | 23h11

(Foto: Reprodução)

Na última terça-feira, 10 de novembro, o presidente brasileiro afirmou que o Brasil precisa “deixar de ser um país de maricas” e “enfrentar [a pandemia de Covid-19] de peito aberto”. Não é a primeira vez em que o presidente atenta contra a democracia: em outras ocasiões, ele emitiu visões, acenando para os teóricos da conspiração e o movimento antivacina. No início da pandemia, afirmou que havia um superdimensionamento acerca do vírus. Logo depois, classificou o vírus como uma “gripezinha” ou “resfriadinho”. Em junho, ao ser perguntado por um repórter sobre o número recorde de mortes, ele respondeu com outra pergunta: “e daí?” Subsequentemente, o mandatário passou a ostentar opiniões antivacina mais abertamente: “vacina obrigatória só aqui no (cachorro) Faísca”. Em outubro, revogou um acordo de aproximadamente 2 bilhões de dólares com a China, para a aquisição da vacina chinesa Sinovac, produzida em parceria com o Butantan.

Analisando as frases do presidente brasileiro, especialmente a última, lembramos da produção do fundador da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939), O Ego e o Id, trabalho publicado em 1923. Em linhas gerais, Freud propôs que a mente humana estaria dividida em três dimensões: o id, região onde abrigamos nossos impulsos mais primitivos e selvagens; o superego, representado pelas normas civilizacionais e materializado nas instituições; e o ego, responsável por mediar as exigências do id e os padrões do superego. Nessa perspectiva, poderíamos viver em equilíbrio, caso id e superego entrassem em uma relação de equilíbrio, dirigida pelo ego.

Lamentavelmente, atingir essa estabilidade não tem sido possível no Brasil. As declarações do presidente demonstram o quanto ele está empenhando em corroer as instituições, sem demonstrar qualquer comoção com a miséria que se aprofunda na sociedade brasileira. Sua luta pela destruição dos marcos civilizatórios avança, o que na prática representa a sistemática liberação do id em nossa sociedade. O crescimento do ódio no Brasil demonstra como o país está doente: hoje, inúmeras pessoas declaram abertamente seus preconceitos, confundindo discurso de ódio com opinião, haja vista se sentirem à vontade para isso, já que o presidente incentiva permanentemente a violência, o preconceito e qualquer forma de segregação.

Para quem reconhece o valor do pensamento democrático, resta lutar como maricas. Esse termo homofóbico nos serve de esperança para resistir e derrotar o fascismo, porquanto, ainda que pejorativamente, expressa as subjetividades envolvidas nas sexualidades socialmente consideradas abjetas. E é através das subjetividades que conseguiremos destronar o tirano que (des)governa a Nação.

*Armando Januário dos Santos é mestrando em Psicologia pela UFBA, psicólogo graduado pela UNEB, pós-graduado em Psicanálise; em Gênero e Sexualidade; e em Literatura. Graduado em Letras com Inglês. Autor do livro Por que a norma? Identidades Trans, Política e Psicanálise. E-mail: armandopsicologia@yahoo.com.br | Instagram: @januario.psicologo.