Luiz Mott fala sobre homofobia, direitos LGBT e Marcos Feliciano na CDHM
Luiz Mott, Antropólogo, historiador e fundador do Grupo Gay da Bahia, gentilmente cedeu uma entrevista ao Passageiro do Mundo, onde aborda a questão de Direitos para a população LGBT, homofobia e a polêmica de Marco Feliciano na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias.
Decano do Movimento LGBT, Mott é referência mundial na questão de luta pelos direitos da população LGBT. Dedicou grande parte do seu trabalho a pesquisas de sexualidade e gênero, tornando-se uma fonte, quase que obrigatória, para todos aqueles que fazem referências acadêmicas nessa questão.
Passageiro – Como foi o seu ingresso na Militância LGBT? Quais eram as prioridades e as principais bandeiras de luta naquela época?
Luiz Mott – Tinha recém mudado para a Bahia, em 1980, quando fui covardemente esmurrado por um homofóbico ao me ver abraçado com meu companheiro num por do sol no Farol da Barra. Fiquei revoltado, procurei um policial em vão. Foi esse murro que despertou minha consciência de militante gay.
Tinha sido seminarista dominicano durante toda minha adolescência, e ao sair do convento, optei pelas Ciências Sociais, e pela antropologia em particular, pois mantive mesmo depois como ateu, o mesmo sentimento humanista inspirado no cristianismo. Nos primórdios do movimento homossexual, nossas principais bandeiras eram sair do armário, fundar grupos por todo o Brasil, lutar contra a homofobia manifesta na imprensa, que insistia em nos rotular de doentes e marginais, usando termos vulgares para se referir a nossa comunidade.
Passageiro – E como se deu a fundação do Grupo Gay da Bahia? Quais as principais áreas de atuação do GGB?
Luiz Mott – 1980 foi um ano emblemático no Brasil, no final da ditadura militar: data da fundação do PT, Olodum e GGB. O Movimento Homossexual Brasileiro havia sido fundado em 1978, com o Grupo Somos de São Paulo e o Jornal “O Lampião”. Percebi que era o momento de mobilizar os homossexuais baianos para nos organizarmos. Fundamos então o Grupo Gay da Bahia no carnaval de 1980, que desde sua origem teve como objetivo lutar contra qualquer manifestação de homofobia, divulgar informações corretas sobre homossexualidade e mobilizar a comunidade LGBT para defender sua cidadania plena.
Desde sua fundação, o GGB foi protagonista das mais importantes conquistas do movimento LGBT nacional: liderou em 1985 a campanha nacional que retirou o “homossexualismo” da condição de desvio e transtorno sexual; foi a primeira ONG/LGBT a se registrar como entidade civil e obter o status de utilidade pública municipal; foi pioneira na prevenção da Aids e fundou diversas outras ONGs, como a Associação de Travestis de Salvador, o Grupo Lésbico da Bahia, o Quimbanda Dudu de Negros Gays, entre outras.
Passageiro – O que falta no Brasil para que a homossexualidade não seja mais vista, por setores fundamentalistas, como um desvio de comportamento?
Luiz Mott – Lastimavelmente o Brasil é um país extremamente contraditório para os LGBT: em seu lado cor de rosa, abriga a maior parada LGBT do mundo, tem a maior associação LGBT da America latina, já aprovou o casamento homoafetivo, porem, tem seu lado vermelho sangue, representado pelos cruéis assassinatos de gays e travestis. A cada 26 horas registra-se um “homocídio”, 338 em 2012, 86 só neste início de ano. Metade dos assassinatos homofóbicos do mundo são cometidos no Brasil. Herdamos da Inquisição e escravidão essa sangrenta homofobia, infelizmente atualizada pelos sermões homofóbicos dos fundamentalistas evangélicos e católicos, cada vez mais poderosos no Parlamento e que fizeram a Presidenta Dilma refém de seu projeto teocrático de dominação de nosso país.
Além da homofobia cultural, que fragiliza e vulnerabiliza os LGBT, dominando o imaginário dos assassinos de gays, sofremos da homofobia governamental da atual presidenta – chamada de Dilmofóbica nas listas LGBT e vaiada de norte a sul nas Paradas Gays – que vetou a distribuição do kit antihomofobia, que deveria ter capacitado mais de 6 milhões de jovens no respeito a diversidade sexual.
Passageiro – Porque os fundamentalistas são tão homofóbicos?
Luiz Mott – Desde os tempos da Inquisição, o amor que não ousava dizer o nome foi perseguido pelo Rei e pela Igreja. Chamavam aos sodomitas de “filhos da dissidência”. E de fato, o estilo de vida dos homossexuais e transexuais sempre foi uma ameaça ao conservadorismo familista do antigo regime, na medida em que os gays baseiam suas alianças no tesão e paixão, diferentemente das uniões heterossexuais, baseadas na aliança e controle das família: Matrimônio/Patrimônio.
Ainda hoje em dia, os LGBT são a última tribo romântica do mundo, pois lutamos pelo direito de se casar enquanto a maioria dos heterossexuais estão se divorciando, vivendo apenas amizades coloridas, “ficando”. Homossexualidade é vista pelos conservadores como uma anarquia perigosa que mina os alicerces da obediência cega dos filhos aos pais, ameaçando a tradição patriarcal. Acresce-se o fato de que LGBT em principio não reproduzem, e deixarão de nascer novos fundamentalistas, o que não interessa às religiões que precisam das novas gerações para continuar sua cruzada familista tradicional.
Passageiro – Por que não avançamos o quanto deveríamos em relação às políticas públicas LGBT?
Luiz Mott – É notório que nos últimos anos o antigo MHB, hoje MLGBT foi maciçamente cooptado pelo partido governista, e apesar de muitas lideranças homossexuais estarem trabalhando em órgãos federais, estaduais e municipais, infelizmente o governo não está conseguindo resolver nossa prioridade máxima: sobreviver aos “homicídios” e à Aids.
O Governo não tem sequer habilidade para criar um banco de dados sobre assassinatos de LGBT: é o GGB quem há décadas faz tal levantamento, disponibilizado no blog “Quem a homofobia matou hoje” com atualização diária sobre crimes homofóbicos. Mesmo o tal Disk 100, que registrou 4.614 denúncias de homofobia em 2011 (cadê os dados de 2012 e 2013?), lastimavelmente não implementou nenhuma ação eficaz para diminuir tal calamidade. Portanto, as políticas públicas LGBT são poucas, tímidas, ineficazes. Falta vontade política e “savoir faire”, inteligência estratégica governamental para erradicar esse cancro que de nosso país, onde são mortos mais homossexuais do que em todos os países muçulmanos onde há pena de morte contra os LGBT.
Passageiro – Como você vê a eleição de Marco Feliciano para a presidência da CDHM?
Luiz Mott – Nunca antes na nossa história houve uma mobilização nacional e internacional tão orquestrada contra a homofobia deste indigno presidente da Comissão de Direitos humanos e Minorias da Câmara dos deputados. É fantástica e de altíssimo nível a quantidade de artigos e ensaios escritos contra o pastor Feliciano. As incontáveis fotos de Vips e cidadãos comuns se beijando na boca como protesto continuam pipocando na internet. As manifestações em todas capitais, muitas cidades do interior e do exterior, sempre com o mote FORA FELICIANO é inaudito em nossa história, configurando-se como o maior movimento de massas do século 21, só igualadas pelas lutas Contra a Ditadura, Diretas Já, Fora Collor, do século passado.
A produção de charges e cartoons fora Feliciano é fantástica: o GGB inaugura em maio, em Salvador uma exposição com 50 caricaturas dos melhores cartunistas brasileiros sobre esse tema. Infelizmente, Feliciano é cria e cota de Dilma e só teve essa visibilidade devido a irresponsabilidade do PT e seus partidos aliados, que após quase duas décadas na condução da comissão de DH, optaram por comissões mais poderosas e midiáticas. Quem pariu Feliciano, que o embale!
*Reprodução da entrevista publicada no blog passageiro do mundo em 3 de maio de 2013. Marcos Freitas Arujá, São Paulo, Brasil.