Jovem portador do vírus HIV fala ao Dois Terços no Dia Mundial de Luta contra a AIDS . Confira a entrevista aqui

Genilson Coutinho,
01/12/2012 | 04h12

Para marcar o dia mundial de luta contra a AIDS, o site Dois Terços conversou com Rafael Lopes, de 28 anos, ator e produtor cultural que descobriu que era soropositivo em 2009. Um mês depois de receber a notícia, e ainda aprendendo a conviver com a nova realidade, ele decidiu criar um blog onde pudesse compartilhar os anseios, a rotina e as expectativas de um jovem portador do vírus HIV. Após três anos, o blog ganhou vida e se transformou no livro, “Uma Vida Positiva”, pela Editora Cidade Viva, lançado na última sexta-feira, 30, no Rio. Nessa entrevista, Rafael conta um pouco da sua trajetória e dos desafios de viver com AIDS no Brasil.

DT – Quais foram suas maiores dificuldades e medos ao descobrir que era portador do vírus HIV?

Claro que o primeiro medo que aparece é o da morte, e a dificuldade foi justamente essa: compreender, de fato, tudo que iria acontecer comigo, a partir da descoberta do meu diagnóstico.

DT – Como nasceu a ideia de criar o blog que deu origem ao Livro “Uma Vida Positiva”?

Quando jovem, tive outros blogs. Como artista, gosto de exteriorizar  pensamentos, reflexões e sentimentos. Descobri a doença em dezembro de 2009. Naquele Natal me presenteei com o Livro do ator Michael J. Fox, no qual conta sua vida com o Mal de Parkinson, o que me inspirou a colocar para fora o que estava se passando comigo. Um mês depois do diagnóstico, eu já estava iniciando o blog. Foi um processo importante, pois quando falamos e escrevemos tornamos tudo mais real, e isso me ajudou a aceitar o vírus na minha vida.

DT – Familiares de portadores do HIV eram presença constante no seu blog na busca de conhecimentos de como lidar com um portador do vírus no eixo familiar. Como era sua relação com essas pessoas que você encontrou após cada nova postagem?

Muitos faziam essa comunicação por meio de comentários, agradecendo ou contando e compartilhando suas histórias. Por e-mail eu conseguia ter a possibilidade de responder e de receber coisas mais pessoais. Esta relação foi importante justamente para eu perceber a importância do que estava fazendo e confirmar esta lacuna de informações mais pessoais e verdadeiras diante do contexto da doença.

DT – Você acredita que a evolução dos tratamentos tenha feito com que as pessoas deixem de lado o uso do preservativo?

Não acredito que seja o avanço no tratamento que tenha causado isso, mas talvez a forma como isso é colocado na mídia. É claro que tenho uma qualidade de vida bem melhor comparado aos anos 80 e 90, mas não me agrada quando usam a frase que um soropositivo tem uma vida normal. Deixo claro que é QUASE normal. Tive que mudar muitos detalhes da minha vida e, juntando cada detalhe, a mudança é grande. Estou bem, com certeza, mas simples não é. Por isso, enfatizo que vale sim a pena o uso da prática do sexo seguro, preservativo sempre. Independentemente da qualidade da medicação atual, a vida sem o vírus vale muito mais.

DT – Alguns psicólogos incentivam que os portadores do HIV revele para seu parceiros que é soropositivo. Como você encara essa orientação?

Sei que isso é algo particular, mas eu opto por informar, por entrar em qualquer relação com a verdade. Se não consigo contar logo de cara, tomo todos os cuidados para fazer tudo com segurança, mas na primeira oportunidade prefiro contar. É só fazer com segurança, com atenção. A verdade traz consequências, mas, para mim, é o melhor caminho.

DT – A campanha do governo este ano chega convocando a população para realização do teste diante dos números de pessoas que têm o vírus e não sabem. Qual sua visão das políticas do Ministério da Saúde no que tange a AIDS no Brasil?

O Brasil é realmente referência em pesquisa e tratamento. Sinto que o momento agora do país é justamente pensar em formas de melhorar a parte social da doença. Campanhas como essa devem ser divulgadas, deve se tornar um hábito realizar o exame. Mas trabalhar a parte social, psicológica do próprio portador, acredito ser fundamental em um momento como este. Tornar o portador mais consciente pode, no futuro, evitar que outros se contaminem. Não é algo fácil, existe pouca referência em nosso país, muitas imagens ainda estão ligadas aos anos 80 e 90. Este perfil mudou e todos nós, a sociedade, temos que mudar junto. O Governo tem que fazer a parte deles e nós a nossa. Não é só o problema “dos outros”, é só pensar que ao realizarmos um ato sexual, estamos fazendo parte do risco. Cabe ao indivíduo fazer sua parte.

DT – O número de jovens contaminados já entrou no foco das campanhas do Ministério da Saúde face o crescimento de contaminação deste grupo. O que você diria para um jovem que descobre que é portador do HIV?

A primeira coisa que diria é: calma, respira. Pensa. Tenha paciência e força. A partir daí você tem que se informar e aos poucos ir se adaptando ao novo momento de vida. Se revoltar ou algo do tipo não é o melhor caminho. Cuidar-se é a melhor escolha. E qualquer dúvida, medo ou angústia estou por aqui, me chame no blog!

DT – Como seus amigos e familiares lidaram ao descobrirem que você era portador do HIV?

O que mais observei com o fato de contar aos familiares e amigos foi que a postura que escolhi para isso foi muito boa. Busquei informações e quando ia contar fazia de uma forma calma, serena e firme. Todos, é claro, ficaram muito tristes, mas quando me viam forte eles não desabavam diante de mim. Percebi todos querendo entender melhor, se preocupando mais. Foi importante para mim e para eles.

 

DT – Você acabou de lançar seu primeiro livro que é fruto dos post do seu blog. O blog vai continuar, ou você irá focar agora na literatura?

O blog continua, junto com meu projeto que visa trabalhar o tema direto ou indiretamente em diferentes plataformas. O blog e o livro fazem parte do projeto, assim como um espetáculo de teatro voltado para as universidades da área da saúde, um espetáculo de dança e um documentário. Vale lembrar para todos que estou buscando patrocinadores, entrem em contato pelo e-mail: umavidapositiva@gmail.com para conhecer melhor os projetos.

DT – Teve algum motivo especial para você escolher a internet como uma ferramenta de apoio após a descoberta?

A internet é rápida, assim como os pensamentos que estavam surgindo em minha cabeça. Com ela pude buscar informações, expor sentimentos e refletir diante do meu novo contexto. É uma excelente ferramenta quando usada para coisas boas.