Jesus diria sim ao PLC 122 e ainda faria mais

Genilson Coutinho,
19/01/2012 | 11h01


Fazendo um pouco da retrospectiva de fim de ano em meio das celebrações do natal, não dá pra não comentar um dos assuntos mais abordados ao longo de 2011 no Brasil: o crescimento da homofobia, da violência contra homossexuais e do protagonismo pentecostal na luta contra os direitos LGBTT.

Então..neste Natal, convivi com a seguinte pergunta: Qual seria a posição de Jesus perante o PLC 122 e a luta pelos direitos LGBTT no Brasil??

Comparando com outras situações que Jesus enfrentou ao longo de sua vida, narrada nos Evangelhos, me parece claro que ele apoiaria a implementação do PLC 122, em sua integridade, sem mediações com a bancada fundamentalista. Duas são as justificativas:

1 – Jesus sempre defendeu o amor acima da lei:

O Antigo Testamento, base da religião judaica, tem nos seus livros iniciais, o Pentateuco, a base das leis que regem a comunidade. Estas leis foram escritas no processo de transição da escravidão egípcia para a terra sagrada (Ex, 34). Era um povo nômade, com muita garra, que enfrentaria diversos outros povos, mas que dependia da vida em comunidade (e da fé em Deus e no Pastor Moisés) para seguir seu caminho. Longo caminho por sinal, durando uma geração até a chegada à terra prometida (Dt, 1).

Neste sentido, as leis do Antigo Testamento mesclavam os princípios de Deus com regras comunitárias que, para serem cumpridas, precisavam ser ditas como sagradas. Estas regras comunitárias eram fundamentais para que o grupo caminhasse firme e unido. Eram, portanto regras que levariam o povo â promessa de Deus, mas obviamente estavam adaptadas ao povo nomade, fugindo da escravidão de alguns milhares de anos atrás.

Passados parte destes milhares de anos, Jesus questiona ao longo de toda a sua vida pública a aplicação literal das leis comunitárias da Bíblia (Mt 12, 1 – 4) no Israel de sua época. Sua mensagem é clara: o projeto de Deus é o projeto da vida no Amor, no respeito, na partilha, na comunhão. “Quero Misericórdia, e não Sacrifício” (Mt 12, 7). Em diversas situações Jesus contrapôs-se a regra literal colocando em primeiro lugar a pessoa, a vida comunitária e a construção do Reino de igualdade e fraternidade (Lc 7, 37-48; Lc 18, 10-14; Mt 5, 1 – 11).

Hoje, boa parte das leis escritas na Bíblia, já não são mais tratadas como verdade absoluta por serem fenômenos biológicos ou da natureza. As mais famosas são a exclusão da mulher durante a menstruação (Lv 15, 19) (uma questão de saúde pública para o povo nômade do Egito) e a condenação de exclusão em virtude da lepra (Lv 13). Afinal, hoje os sacerdotes não precisam ser médicos!!! Ou seja, não é mais necessário a religião para explicar estas questões e orientar o povo. A religião fica mais livre para atingir seu fim: orientar os princípios de uma vida na sua integridade.

Do mesmo modo, se vivesse nos dias de hoje, ao perceber que a sociedade busca excluir pessoas, grupos sociais de seus direitos, se justificando em interpretações literais e pré-conceitos que fogem do projeto de Deus, Jesus não teria dúvidas na defesa do PLC 122 e da condenação da hipocrisia dos principais defensores da homofobia.

Mas, insistem alguns, e as condenações explícitas ao homossexualismos escritas na Bíblia? Muitas delas inclusive no Novo Testamento, ou seja, após Jesus Cristo?

Não é possível entrar em muitos detalhes da exegese bíblica neste momento. Porém de forma resumida, podemos dizer que:

(a) O povo de Deus do Antigo Testamento (aquele povo nomade de milhares de anos atrás) ainda convivia com regras comunitárias bem distintas das de hoje: aceitava a escravidão (Ex 20, 17; Dt 5, 21), a mulher deveria ser submissa ao homem, a poligamia masculina era aceitável (Dt 21, 15 – 17), mas a feminina não (Dt 22, 16), etc. Se hoje negamos a muitas destas “leis”, porque não negar também a homofobia? Onde há conflito com a Lei e o amor de Deus aí ao defender a criminalição da homofobia?

b) No Novo Testamento, as passagens estão restritas ás cartas de São Paulo, sendo a única inferência direta o texto aos Romanos (Rm 1, 18-32), o mesmo que mostrou a Pedro e outros discípulos que a mensagem cristã não deveria ficar restrita aos judeus, mas a todos os povos. Ao sair para evangelizar especialmente nos territórios dominados por Roma, Paulo buscou dialogar com os trabalhadores e o povo pobre escravizado. As condenações morais que faziam, diziam respeito à prática da elite grega e romana. E sabemos  que o homossexualismo era até mais que aceito na Roma dos patrícios. Assim, ao condenar o homossexualismo, Paulo condenava na verdade a vida opressora dos patrícios e líderes romanos, que largavam seu povo. É uma condenação semelhante a que fazemos hoje ao consumismo, ao hedonismo e a concentração de riqueza.

Se boa parte das religiões superou o atrito com as ciências biológicas e os fenômenos da natureza, muitas delas ainda precisam se livrar dos dogmas morais, escritos em outras época, para entender o importante significado da mensagem cristã na atualidade.

2 – Jesus sempre esteve ao lado dos oprimidos pelo sistema:

Assim como condenava as leituras literais da Bíblia que justificavam a opressão e o ódio, Jesus também sempre tomou partido quanto as situações de Morte provocadas pelo contexto social, político e econômico que vivia seu povo (Mc 11, 15; Mc 12, 14-17). Não era a toa que procuravam matá-lo. E Jesus, ao tomar partido desta situação, colocava-se ao lado daqueles que sempre eram os oprimidos do sistema. (Lc 5, 27-31; Jo 8, 1- 9). Não existia, por parte de Jesus, nenhuma condenação moral, mas sim um trabalho para promover a vida, a dignidade e a luta conjunta.

Neste ano de 2011, vimos o crescimento da violência fruto do ódio, do pré-conceito e da ganância humana. Indígenas e homossexuais foram vítimas crescentes do processo de arrogância e ódio ao diferente. Os fatos, há muito, já deixaram de ser isolados e tornaram-se um problema social. Neste sentido, assim como com todos os(as) excluídos(as) de sua época Jesus se colocaria ao lado da luta indígena e LGBTT, por entender que é assim que mudamos a face e o mundo onde vivemos. Jesus entenderia que demarcar as terras indígenas, e aprovar o PLC 122 são elementos fundamentais para combater o pré-conceito, as situações de morte, de ódio e de ganância e, assim, promover a vida.

3 – Outras ações:

Porém, com mais certeza ainda, Jesus não limitaria sua atuação a uma simples mudança nas leis. Ele, mais que ninguém, sabe como é necessário valorizar cada ser humano em especial. Assim, sua atuação iria para além do PLC 122. Destaco ao menos duas ações que imagino que Ele nos desafia:

a) Respeito com todas as crenças e formas de diálogo com Deus: Deus não está inscrito em uma religião. Ele dialogo com cada povo conforme sua cultura e cada ser conforme sua própria individualidade. O sentido deste diálogo não é outro senão a promoção da vida, em sua integralidade, individual, comunitária, coletiva e social (Jo 10, 10). Assim, o respeito às diversas manifestações culturais e religiosas de promoção da vida, é fundamental numa sociedade laica e que preza pela diversidade, igualdade e respeito.

Nesta mesma linha, Jesus jamais alcunharia com termos excludentes os fiéis pentecostais. Ele sabe que, assim como nos terreiros do Camdoblé e da Ubanda, onde se utiliza da tradições afros para dialogar com seu povo, Deus também promove a vida e resgata a dignidade de milhares de pessoas nos cultos e missas pentecostais.

Mas, Jesus com certeza condenaria padres, bispos, pastores, líderes de qualquer religião que, ao usar o nome de Deus, pregue o ódio, a exclusão e a ausência de amor. Se Jesus fez isto em seu tempo (Mt 23), também faria hoje. Mas sempre respeitando a religiosidade e a cultura popular. Assim, Jesus defenderia que o PLC 122 tem que valer também para dentro das Igrejas, pois a homofobia em nada tem a ver com a religião e, quanto mais elas se afastarem, melhor será para a própria religião.

b)  relações humanas e de amor, ao invés de pré-conceitos: Jesus inovou e quebrou os pré-conceitos de sua época ao expressar seu amor e afeto às pessoas que o cercam. Tirou a mulher de sua condição submissa e não se intimidou inclusive em demonstrar maior ligação e afeto a um discípulo que a outro (Jo 21, 20). Ao condenar os líderes religiosos e políticos da época, Jesus voltou-se para o povo, buscou entender a vida e os sentimentos de cada um(a). Era assim, ao promover o amor e misericórdia, que realizava seus milagres. Quando ele mesmo errava, reconhecia o erro e aprendia com o povo (Mt 15, 22 –28)

Jesus sempre soube que de nada adianta leis sem a prática e a vivência cotidiana. Foi um dos primeiros educadores populares da história. Como educador popular sabe que a verdade não se encontra nos livros estancados para interpretação de poucos, mas sim, e ainda que orientado pelos livros, na vivência cotidiana e comunitária para a promoção da vida, da justiça e da igualdade.

Na época de Jesus não existia a escola formal de hoje. Em vivendo hoje, por ser um educador, Jesus com certeza entenderia o papel da Escola como educadora e produtora da vida. Saberia da importância da educação na transmissão de valores e princípios. Assim, ao defender que as relações humanas se prezem pelo amor, e não pelo pré-conceitos, Jesus defenderia sem sombra de dúvidas o desenvolvimento de diversas iniciativas visando o respeito às diferenças ao invés de se impor uma verdade absoluta, a busca de relações afetivas livres ao invés das relações que prezam pelo ódio, pelo orgulho e sentimento de posse. É com leis e com a prática que se combate a homofobia e o conjunto de pré-conceitoe e formas de opressão. Esta prática tem que ser vivenciada nas escolas, nas igrejas, em cada espaço de nossa sociedade. Uns chamam isto de Kit-anti homofobia. Mas, com certeza, Jesus, nos dia de hoje, iria além.

Francisco Carneiro De Filippo (Chico) é cristão; economista e militante do PSOL.