Sala VIP

“Hoje me entristece muito olhar para o cenário que se encontra a Avenida Carlos Gomes”, contou Camila Parker

Carlos Leal,
19/12/2023 | 12h12
Foto: Arquivo pessoaç

Estudante do terceiro semestre do curso de Serviço Social, ela é Camila Parker Conceição de Oliveira, 52 anos de idade e 25  dedicados à arte, desses, oito anos trabalhando na Europa. Além de artista da noite, com passagem pelas principais casas de Salvador, ela também faz parte da equipe de trabalho das Voluntárias Sociais da Bahia e possui seu terreiro de candomblé, onde é Ialorixá. Nesse bate-papo para o Sala Vip ela conta um pouco de sua trajetórias e seus projetos em andamento. Confiram.

DOIS TERÇOS:  Como surgiu Camila Parker? Qual foi sua principal inspiração?

CAMILA PARKER: Camila Parker surgiu em um momento  que eu passava por grandes dificuldades em minha vida, chegando ao ponto de ficar pensando como iria pagar minhas contas e honrar meus compromissos. Ai um amigo meu que fazia shows no Rio de Janeiro deixou uma mala em minha casa, que ficou comigo durante dois anos mas eu nunca abri. Nessa época, eu desempregada, nessa situação delicada, resolvi olhar o que tinha naquela mala. Para minha surpresa, me deparei com perucas, sapatos, roupas, maquiagem… ai chamei um amigo meu e disse: encontrei a resposta que eu esperava para sair desse momento tão difícil pelo qual estou passando. Vou me montar. Daí, quando me vi na frente do espelho me apaixonei por aquela mulher que já existia dentro de mim e que eu precisava colocar para fora. Era a minha auto-identidade  que eu estava naquele momento descobrindo. Conversei com esse meu amigo e disse que iria fazer shows em boates, mas precisava de um nome. Foi quando estourou o escândalo do Príncipe Charles com a Camila Parker Bowles. Eu assistindo ao Jornal da Globo, na hora que vi já decidi que aquele seria meu nome artístico: Camila Parker.

DTSabemos que é difícil viver de arte no Brasil. O que faz Camila Parker fora dos palcos?

CP: Hoje sou funcionária pública, mas sempre fui uma pessoa muito ativa. Também faço parte de religião de matriz africana há trinta anos, sou Ialorixá em um terreiro de Candomblé no bairro de Coutos, aqui em Salvador, tenho meus filhos de santo e cuido de tudo fazendo meus trabalhos espirituais…. mas sempre fui  uma pessoa determinada, nunca rejeitei trabalho, sempre estava disposta a fazer qualquer coisa que fosse digna  para ganhar o meu dinheiro e honrar os meus compromissos. Fora dos palcos eu já bordei, cozinhei e exerci várias atividades para manter as minhas condições necessárias de sobrevivência. 

DT: Salvador tem grandes artistas que trabalham na noite. Você, ao longo de sua carreira, já sentiu algum tipo de rivalidade ou há união entre todos?

CP: Eu venho de uma época onde, no início, observava essa rivalidade, mas também tinha grandes nomes que me inspiravam. Tem artistas que até hoje tenho o maior respeito e admiração, como por exemplo Dion, Bagageryer Spielberg, Dalma Calandre, Nina Vogue,  Lena Oxia… então eu até sentia que existia uma rivalidade, mas eu não me apeguei a isso, preferi me inspirar e vê-las como inspiração, inovação e ter um entendimento que eu era o novo naquele momento me inspirar na qualidade do trabalho de cada uma delas.

DTVocê viveu todo aquele movimento do centro de Salvador nos anos 90 e 2000, sente saudades? Como você a noite soteropolitana hoje?

CP: Costumo dizer que esse foi o auge da minha carreira e que me sinto privilegiada. Tive a honra de trabalhar em casas como Âncora do Marujo, Boate Caverna, Bar de Rai, Boate Tropiocal, Adé Aló… hoje me entristece muito olhar para o cenário que se encontra a Avenida Carlos Gomes. Era o local necessário para a existência dessas casas e que permitiam que levássemos nossa arte, nossa representação, nosso brilho, além de levar cultura e alegria para aquelas pessoas. Era um ambiente onde nos sentíamos livres e  de certa forma, protegidos e seguros. Hoje me sinto triste, pois nossos grandes artistas estão ai, sejam os do passado ou os que vieram depois, mas que, infelizmente, não existem mais casas suficientes para que todos possam levar sua arte.

DTO Brasil é um dos países que mais mata LGBTs no mundo, fora a violência sofrida pela comunidade. Você já foi vítima de algum tipo de  violência ?

CP: Pois é… infelizmente fazemos parte desse cenário triste de violência. Eu, graças a Deus nunca passei por situações de violência, mas tenho certeza que todas as mães, inclusive a minha, tinham e tem essa preocupação com relação a violência, que a cada dia aumenta de maneira desrespeitosa. E isso acontece apesar de todas as manifestações, de todas as militâncias, de tantas pessoas que lutam pela igualdade dos direitos humanos. É importante que todos tenhamos essa sensibilidade de ver que nós precisamos de segurança pública, segurança nos nossos ambientes, precisamos de segurança na nossa história. Infelizmente é muito triste fazermos parte de uma estatística que tanto nos entristece.

DTAlcione é uma referência muito forte no seu trabalho, eu comecei a ouvir Alcione a partir das suas apresentações. Como é feita a escolha do seu repertório?

CP: Eu tenho três divas que para smim são referência, um ponto de partida, que fizeram meu crescimento profissional, que contribuíram para o meu desenvolvimento. São, justamente, Alcione, principalmente com a músicas A Loba e Além da Cama. Alcione tem o dom e a magia da interpretação, de falar do sentimento através da canção. Outra referência para mim é a cantora Whitney Houston, que, inclusive, fui consagrada como cover dessa grande artista e minha terceira diva, que sou apaixonada, que é Cátia Guimma. Ela tem uma canção chamada Razão de Viver que relata toda a história da minha vida.

DTCamila, quais são seus projetos para 2024?

CP: Além de meus compromissos artísticos e com o axé, também faço parte do cenário político. Já fui candidata a deputada federal, vereadora e agora através do Partido Verde (PV), do qual faço parte e sou Secretária dos Direitos Humanos, estamos cogitando minha candidatura nas eleições de 2024.  Eu tenho um projeto lindo, que já foi, inclusive, iniciado na questão jurídica, de documentação…ele consiste na criação de um instituto chamado Casa Rosa que servirá para acolhimento a todo público LGBTQIAPN+. Nossa intenção é acolher de maneira prática essa comunidade, dando dormida, alimentação e  promovendo cursos preparatórios para sua inserção no mercado de trabalho. Para mim, isso é mais que um projeto: é um sonho, grande, mas não impossível. O público LGBTQIAPN+ precisa desse acolhimento e esse suporte é necessário.

DT:   Quem quiser assistir aos seus shows, por onde você tem se apresentado?

CP: Eu hoje não tenho pauta fixa em nenhuma casa, mas atendo a convites, a exemplo do Clube 11, do Carmem… são duas casas que sempre me convidam. Além de receber convites para eventos fechados. Devido ao meu trabalho, o tempo está sempre curto.

DT: E tem as Paradas…

CP: Sim, aproveitando para registrar  que na mais recente parada eu tive a oportunidade de colocar um trio, chamado África de Todas as Cores, que foi um sucesso e já fizemos o pré-lançamento do nosso tema para 2024 que será o Trio Camila Parker em Uma Noite em Las Vegas, já estamos trabalhando nesse projeto.