HIV em pauta

‘É preciso que a gente volte a falar de prevenção nas escolas’, diz coordenador do Fundo PositiVo

Genilson Coutinho,
30/11/2020 | 22h11
Harley Henriques, Coordenador Geral do Fundo PositiVo (Foto: Hugo Martins)

Com a proximidade do Dia Mundial de Luta Contra a Aids, no dia 1 de dezembro, o Dois Terços convidou Harley Henriques, Coordenador Geral do Fundo PositiVo, para uma conversa necessária sobre a epidemia de HIV/AIDS e seus desdobramentos. Tem dúvidas? Então, confira esse bate-papo cheio de informação:

Dois Terços: Você desenvolveu um grande trabalho na luta contra a AIDS fundando o Grupo de Apoio à Prevenção à Aids da Bahia (GAPA Bahia), e hoje está à frente do Fundo PositiVo. Conte um pouco sobre essas experiências!

Harley Henriques: Iniciei minha trajetória enquanto ativista no movimento de luta contra a epidemia do HIV/AIDS em 1988, ainda muito jovem, com 18 anos, quando fundei o GAPA Bahia, a primeira Organização Não Governamental a trabalhar no enfrentamento da epidemia do HIV/AIDS, na prevenção e na assistência e cuidado às pessoas vivendo com HIV. No início, vivíamos um contexto muito desafiador. Uma epidemia extremamente estigmatizante, onde a morte civil – que é a morte social, antes da morte biológica – era uma constante, já que o estigma e o preconceito eram muito grandes. Não havia uma resposta efetiva e eficaz por parte dos poderes públicos. Então, o GAPA Bahia assumiu uma ação muito estratégica de ativismo, de luta por direitos, e se tornou uma das maiores ONGs no campo de HIV do Brasil, com resultados extremamente vitoriosos na comunicação, prevenção, estratégias de cuidado e atenção a pessoas vivendo com HIV e na gestão social. Isso fez com que eu seguisse meu caminho na formação acadêmica em administração de empresas e na área da sustentabilidade das organizações da sociedade civil, na qual eu fui chamado, em 2013, para ingressar no Ministério da Saúde, como consultor, para pensar uma política de governo que contribuísse para a sustentabilidade das organizações da sociedade civil, o que resultou, no ano de 2014, na fundação do Fundo PositiVo, um fundo privado, autônomo, independente, com o objetivo de financiar organizações engajadas na causa do HIV/AIDS, proporcionando espaços de formação e capacitação para esses projetos. Hoje, o Fundo PositiVo não trabalha só com HIV, mas com diversidade, saúde e direitos sexuais reprodutivos e apoia mais de 120 projetos no Brasil.

DT: O que é o Fundo PositiVo?

HH: O Fundo PositiVo tem apoiado inciativas em todo o território nacional, com pluralidade de regiões e territórios. Desde a região amazônica, passando pelo Nordeste, projetos na Bahia (como o GAPA Itabuna) e outros projetos no Rio de Janeiro, na favela da Maré, até chegar ao sul do Brasil. Atendendo diversas populações, 65% dos nossos projetos contemplam instituições do movimento LGBT.

DT: Ao longo de mais de 30 anos na luta contra a AIDS, quais avanços você pode destacar?

HH: Sem dúvidas, há muitos avanços quando se trata da epidemia de HIV/AIDS no mundo. A epidemia existe há mais de 30 anos e podemos identificar como um dos maiores avanços o fato de que, já há algum tempo, as pessoas podem viver com HIV/AIDS até se tornar indetectável e não transmitir o vírus. No início, não tinha tratamento nenhum, as pessoas morriam. Hoje, elas podem viver com HIV e com qualidade de vida. Desde os tratamentos com coquetéis, que foram iniciados em 1996, e, hoje, com os antiretrovirais, até a lei que aprovou a distribuição gratuita dos medicamentos pelo SUS, temos vários avanços. Isso, sem dúvida, foi proporcionado pela ciência, pelos médicos e pelos movimentos sociais. Além disso, termos conseguido estabilizar a curva de disseminação do vírus que era crescente. O estigma e o preconceito ainda são fortes, mas, sem dúvida, é bem menor que no início da epidemia.

DT: Mesmo com muitas informações, o preconceito com as pessoas que vivem com HIV ainda é muito grande. Como lidar com essa triste realidade?

HH: A gente conseguiu de alguma forma diminuir o estigma através da comunicação e da prevenção. A informação contribui para a diminuição desse estigma. Especialmente desde que pessoas com HIV/AIDS apareceram no cenário público nacional e mostraram que são pessoas que tem direitos como qualquer outra. Essa visibilidade ajudou muito. Assim como o racismo, que é um mal crônico que a gente luta para exterminar, a gente também tem carregado o preconceito associado ao HIV/AIDS, mas acreditando que podemos diminuí-lo com trabalhos de prevenção, estimulando que falem sobre esses temas nas escolas, nos grupos familiares e fazendo com que mais pessoas com HIV/AIDS tenham visibilidade e mostrem suas vivências. Tudo isso contribui para diminuição do estigma e preconceito.

DT: As poucas campanhas de prevenção às IST’s e o HIV têm sido esquecidas pelos governos ano após ano. Como você vê essa situação?

HH: Realmente, houve uma banalização da epidemia de HIV/AIDS, deixou de ser atenção do governo, que só produz campanhas no Dia Mundial de Combate a AIDS ou no Carnaval – sendo que no último carnaval não teve campanha – e até da grande mídia. Perdeu o foco de atenção. É preciso que a gente volte a falar da prevenção, é preciso que volte a se falar nas escolas, junto aos grupos mais vulneráveis (como jovens gays), nos espaços de socialização. Retomar um trabalho que deu muito certo nos anos 90, que é a formação de agentes pares: jovem falando pra jovem, gay falando pra gay, com a mesma linguagem. É importante que essas ações retornem. E o trabalho do Fundo PositiVo estimula e financia exatamente este tipo de ação.

DT: Qual mensagem você deixaria para uma pessoa que descobriu o diagnóstico positivo para sua sorologia?

HH: Minha mensagem para uma pessoa que descobre a sorologia positiva para HIV/AIDS é que, sim, se inicia um novo ciclo na sua vida, um ciclo em que você vai ficar mais atento a sua saúde. O relato que nós escutamos das pessoas que vivem com HIV é que passam a dar mais valor a vida, que é algo importante, que todos nós deveríamos fazer. Então, a pessoa que descobre a sorologia positiva precisa saber que está descobrindo algo com o qual é possível viver, se vive com HIV. E ela, a pessoa, não é o HIV, o vírus. O HIV apenas está no corpo dela e pode virar indetectável. Não associe sua imagem ao HIV. Não permita o estigma e discriminação apenas porque você tem um vírus. Procure uma rede de afeto, fale apenas para as pessoas que você tem confiança. E, sim, faça adesão ao tratamento correto, porque aderindo ao tratamento você pode se tornar indetectável e ter uma vida de qualidade, saudável e plena de direitos.