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É por isso que não somos respeitados: a triste sina da bicha moralista

Genilson Coutinho,
07/08/2014 | 12h08

vergonha-gay
Por Fabrício Longo

Sempre me perguntei se uma das razões da homofobia não seria a inveja. Um tipo de recalque hétero, em relação às cores fabulosas de nossa liberdade de ser e de desejar, mas principalmente do nosso sexo. Um sexo que é safado, sujo, dos becos e saunas e boates, com toda a dor e a delícia que só o profano proporciona. Um sexo maldito e underground, tão diferente do “papai-e-mamãe” institucional que chega a causar repulsa, quase na mesma proporção em que gera fascínio. É, faz sentido. Ou pelo menos fazia…

Durante anos, o preconceito contra homossexuais foi alimentado por uma imagem de promiscuidade e libertinagem que criou o mito do “gay predador”, que estaria sempre disposto ao sexo e à espreita para  converter um hétero.  Mais que isso, atrelou essa imagem – e todo o horror dela – à identidade gay em geral, como um tipo de “marca da espécie”.

A homofobia sempre faz esse caminho. Ela apaga a individualidade e transforma “os gays” em uma coisa só, uma espécie de monstro – ou ditadura – onisciente, pronto para o ataque.  É um tipo particularmente cruel de exclusão, que transforma a sexualidade em identidade e dita qual delas deve ser considerada normal e qual é a desviada, fazendo com que a diferença afete a visão de mundo de todos. Às vezes, quem detém o poder nem percebe isso, mas certamente não deseja perdê-lo. E quem é excluído passa a vida como um pedinte, de mãos estendidas por uma esmola de aceitação.

Ora, a homossexualidade só é invejável se for aproveitada! Envelhecer com o mesmo parceiro, criando gatos numa casinha com cercas brancas é uma opção maravilhosa, pois felicidade não tem receita. Entretanto, é só mais uma opção. A beleza da diversidade é a liberdade de escolha, e adequar-se a um padrão considerado “respeitável” não significa ser superior a quem pensa diferente. Ser um “gay limpinho” é bom, mas ser “bicha destruidora” também.

Não é curioso que o estereótipo aceitável seja masculino-branco-educado-rico, e que a definição do que é execrado seja afeminado-negro-sem estudo-pobre? É muito fácil julgar quando se está em posição superior, mas a triste sina da bicha moralista é justamente essa: gritar por inclusão em um sistema que nunca a aceitará.

Teoricamente, além de uma sexualidade mais liberal, a vivência da homossexualidade deveria nos fazer pessoas mais generosas. É compreensível que o privilegiado não tenha ciência de seu privilégio, mas é absurdo que o excluído não perceba sua posição. Mais bizarro ainda é quando esse excluído não tem capacidade de empatia para com outros “desviados” e pior, reproduz a discriminação para se colocar acima de alguém. Pisa para ser menos pisado, para sair melhor em comparação. Essa é a nossa vergonha. Isso sim é um desrespeito. E de quebra, ainda mostra o quão danosa é a nossa homofobia internalizada.

Um indivíduo postou uma selfie de dentro do motel, em plena ação. Outro dia, um ex-ator pornô foi “flagrado” em um aplicativo, com um perfil que procurava sexo a três com o namorado. Qual foi a reação do mundinho? Espanto! Horror! “É por isso que não somos respeitados, por causa desse tipo de gay!”

Ah, gente…

Sexo é ótimo, todo mundo adora. Madonna à parte, se existe alguma coisa que empresta unidade aos homossexuais é o desejo sexual, já que até a afetividade não é praticada por todos. Como grupo, somos definidos por nossa sexualidade. É ela que vira um marcador cultural de identidade, concordemos com isso ou não. Moralismo simplesmente não combina com o arco-íris, é muito cinza ou bege…

Temos radares de caçar homem instalados em nossos celulares e compartilhamos barbaridades em grupinhos do Face ou do Whats, e no entanto nos preocupamos com a “nossa imagem” para omundo exterior. O fantasma da exclusão é tão grande que nos convencemos de que os héteros estão preocupados com o que fazemos.

Como assim, gente? Não somos respeitados porque o machismo se alimenta desse desrespeito, dessa generalização da inferioridade. Essa prática de “vigiar e punir”, apontando qual comportamento seria digno ou não, só nos mantém no lugar que foi designado para nós: o inferior.

Nós sempre seremos considerados inferiores porque a heterossexualidade – a norma – precisa dessa validação. É necessário apontar o reprovável para que seja possível colocar-se acima disso, e essa situação não vai mudar. Transformar atitudes individuais – sejam elas consideradas certas ou erradas – em ônus ou bônus para TODOS os gays é uma ignorância. É homofobia. É gritar que “essa bicha não me representa” tentando se diferenciar, apenas para reafirmar a ideia de que somos todos a mesma coisa. É um paradoxo.

Se somos tão diferentes, qual seria o porquê  de nos defendermos dessa forma? Se cada um é responsável por suas ações, que diferença faz que A ou B aja desse ou daquele jeito? Não se vê heterossexuais sendo responsabilizados como um todo por, por exemplo, crimes praticados por indivíduos, certo? Já disse uma vez que “respeito não se pede e nem se conquista, é um direito universal”. Então não há razão para aplicarmos esse tipo de julgamento tão ferrenho entre nós.

É claro, a não ser que concordemos com nossa inferioridade. Isso sim, além de vergonhoso, é digno de pena.
Por Fabrício Longo

Editor Chefe do Os Entendidos

Do d’Os Entendidos