Direitos humanos: não se pergunta, se respeita

Genilson Coutinho,
15/01/2014 | 11h01

“É uma afronta em todos os sentidos propor a realização de um plebiscito para ‘decidir sobre a união civil de pessoas do mesmo sexo’. Os direitos humanos das pessoas não podem ser questionados”, diz Toni Reis

A lei máxima no Brasil é a Constituição Federal. Tem entre seus princípios, direitos e garantias fundamentais a igualdade, a não discriminação, a dignidade humana, a privacidade, a proteção jurídica e a liberdade de expressão e de crença. Entre os diversos acordos internacionais que o Brasil tem ratificado está a Plataforma de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (Cairo, 1994), que reafirmou a existência dos direitos sexuais das pessoas (entre outros direitos), inclusive o direito de viver e expressar livremente a sexualidade sem violência, discriminações e imposições, o direito de expressar livremente a orientação sexual: heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade (Ministério da Saúde, 2006).

Dentro deste quadro, em 5 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou por unanimidade que a união estável homoafetiva tem de ser reconhecida em perfeita igualdade com a união estável entre um casal heterossexual. O STF nada mais fez do que garantir que os direitos constitucionais acima mencionados fossem acessados com igualdade pela população homossexual, e ninguém no Brasil perdeu nada com isso. Aliás, a decisão do STF não foi insólita: outros 34 países, inclusive os vizinhos Argentina e Uruguai, já reconhecem o casamento e/ou a união estável entre pessoas do mesmo sexo (ILGA, 2013).

No entanto, a decisão do STF não agradou a todos. Entre outras reações, surgiram no Congresso Nacional proposições legislativas apresentadas principalmente por parlamentares de convicção religiosa, inclusive a de “convocar um plebiscito para decidir sobre a união civil de pessoas do mesmo sexo” (PDC 232/2011, entre outras).

Diante dessa ocorrência, é preciso voltar a princípios básicos consagrados na legislação brasileira. Desde 1890 o Brasil é um Estado Laico, significando – grosso modo – que o país não tem uma religião oficial, as pessoas têm liberdade de escolha e prática de suas religiões, o Estado não deve interferir e nem apoiar as religiões e que estas também não devem interferir em qualquer uma das esferas e níveis do governo. Laicidade significa a efetiva separação entre todas as instâncias do governo e as religiões.

A partir dessa perspectiva, quem é eleito pelo povo para exercer função pública, inclusive no parlamento, tem a obrigação de respeitar o princípio da laicidade do Estado. Quem legisla deve apresentar proposições alicerçadas na lei maior do país, e não em convicções pessoais em contrário, inclusive as de cunho religioso. Isso não quer dizer que a pessoa não tem liberdade de crença, apenas que ela precisa saber distinguir entre o foro pessoal e o foro público.

Antes da decisão do STF, os casais homoafetivos não dispunham dos mesmos direitos que suas contrapartes heterossexuais, prevalecendo uma situação de injustiça e ausência de proteção jurídica, ferindo a Constituição e o princípio da universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos, termos estes que significam que os direitos são iguais para todas as pessoas, sem distinção e sem exceção, sendo iníquo tratar diferentes setores da população de um mesmo país de forma diferenciada perante a lei. Como afirmou o ministro do STF, Celso de Mello, “Ninguém pode ser privado de seus direitos políticos e jurídicos por conta de sua orientação sexual.”

Neste sentido, é uma afronta em todos os sentidos propor a realização de um plebiscito para “decidir sobre a união civil de pessoas do mesmo sexo”. Os direitos humanos das pessoas não podem ser questionados – muito menos decididos – desta forma. Têm de ser garantidos e respeitados, de maneira indiferenciada.  Isto é o que estabelece a Constituição que rege nosso país.

Por famílias de todas as cores e todos os amores!

Do : Congressoemfoco