Comportamento

Social

Dilma e Aécio: “programas de governo” muito pobres para LGBTs

Genilson Coutinho,
27/07/2014 | 11h07

plano

João Marinho*

Após ler as propostas de governo que os dois candidatos têm para os LGBTs e de ler as manifestações dos LGBTs que se alinham a uma e outro, Dilma e Aécio, justificando seus posicionamentos, sinceramente, fui tomado de um receio. Receio de que estejamos nos contentando com migalhas. Com “citações”, “falas”,

Vejam, o programa de governo de Dilma Rousseff diz o seguinte sobre nós:

“Ainda no elenco de desafios institucionais, a luta pelos direitos humanos se mantém, sempre, como prioridade, até que não existam mais brasileiros tratados de forma vil ou degradante, ou discriminados por raça, cor, credo, sexo ou opção sexual” (depois corrigido para “orientação sexual e identidade de gênero”).

E… Daí?

Você lê o programa de Dilma Vana Rousseff e vê propostas com algo de concreto pontuado em uma série de outros campos. Cito algumas, todas extraídas do programa oficial de governo, a título de exemplo:

• Redução drástica da burocracia para as empresas;

• Universalização do Simples Nacional e implantação da REDESIM;

• Segunda fase do PRONATEC;

• Implantação das Plataformas de Conhecimento;

• Implantação do Cadastro Ambiental Rural;

• Reestruturação produtiva em direção à economia de baixo carbono;

• Universalização das creches e educação infantil até 2016;

• 12 milhões de vagas para cursos técnicos até 2015;

• Reforma federativa;

• Sistema Nacional de Participação Popular;

• Lei de Cotas no sistema público federal;

• Implementação da Casa da Mulher Brasileira, para mulheres…

E nós, os LGBTs, ganhamos um “vaguíssimo” “luta pelos direitos humanos”?!

E vamos lutar COMO, cara pálida?

Cadê a coisa concreta, cadê a coisa palpável?

Haverá uma Casa dos LGBTs? Luta pela proposta de criminalização da homofobia? Apoio à alteração do artigo constitucional referente ao casamento, implantando o casamento igualitário? Luta pela introdução do conceito de crime de ódio e criação de um cadastro único de violência contra LGBTs, por exemplo, visando à implantação de estratégias de segurança pública para grupos vulneráveis e para esse em particular? Alteração nas atribuições do atual Conselho, com poder decisório sobre políticas voltadas a nós?

Ou vamos “lutar pelos direitos humanos” sentada na frente do computador e mandando mensagens de apoio pelo Twitter? “Go, gays! Estamos com vocês!”?

… E não tem nenhuma menção ao enfrentamento da epidemia de HIV/Aids em relação aos GBTs.

Então, percebem que não tem, na verdade… NADA?!

Nada de concreto, nada de palpável, nada de meta? Bem diferente em relação ao que há no mesmo programa de governo inclusive em relação a outros grupos minoritários, como negros e mulheres, que têm mencionados a Lei das Cotas, a ampliação do programa Juventude Viva e a Casa da Mulher Brasileira?

***

Em relação ao programa do Aécio, é noticiado que ele elenca OITO pontos em que trata os LGBTs.

Contudo, de novo, quando olhamos o palpável, o concreto, temos apenas três, na verdade:

• Elaboração do 4º Plano Nacional de Direitos Humanos (que inclui os LGBTs e outros grupos vulneráveis);

• Oitiva permanente do Fórum Nacional de Diálogo (da qual os LGBTs participa(riam)m com outros grupos);

• Organização de Protocolos de Prevenção ao Racismo e Discriminação por Orientação Sexual;

E, se dermos uma forçadinha, um quarto:

• Articulação das Políticas de Saúde, Assistência Social, Trabalho, Educação, Previdência, Direitos Humanos e Justiça para a “defesa e acesso” aos direitos sociais por parte dos LGBTs.

As outras propostas caem no generalismo sem concretude também.

Não há menção ao casamento igualitário, cadastro de violência contra LGBTs e apenas uma vaga menção ao programa de HIV/Aids – e um monte de outras ideias que possamos ter ou debater, ou sua campanha, e deviam estar lá… Não estão lá.

Portanto, muito pouco… Mas objetivamente melhor que Dilma. Inegavelmente.

***

No entanto, para além disso, eu penso que é hora de o movimento LGBT brasileiro amadurecer nesse ponto.

Declarações dadas em entrevistas para jornalistas, por exemplo, são de fato indicativos. Só que nós as estamos tomando como FINS EM SI MESMOS, e NÃO SÃO.

A Dilma e o Aécio, ou qualquer outro, podem ser a favor do casamento entre homossexuais. Podem ser a favor da cirurgia de redesignação sexual. Isso é um sinal – mas isso É SÓ um sinal.

E aí?

É a opinião pessoal deles ou é uma proposta de governo, um plano de governo, uma meta?

Ora, é muito bom que o candidato ou a candidata achem que o casamento deve ser um direito de todos.

Entretanto, sejamos sinceros, de nada adianta eles pensarem assim quando estiverem sozinhos com seus travesseiros no Palácio da Alvorada, enquanto seus governos não têm qualquer meta, plano ou proposta nesse sentido.

Ter uma presidenta ou um presidente que apoie, particularmente, na vida privada, os LGBTs – mas não faça nada por nós, objetivamente, enquanto chefe de governo e gestor público é ter praticamente nada.

Quando muito, vamos poder esperar uma sanção de uma lei se, e somente se, o Congresso a aprovar. Todo o restante, inclusive o que compete diretamente ao Executivo, fica inexistente.

De novo: muito pouco.

Se uma candidata, como Dilma, fala em “luta pelos direitos humanos” e inclui os LGBTs, eu quero saber COMO seu governo vai fazer ou pelo menos iniciar essa luta. Quero uma coisa concreta, palpável.

Se um candidato, como Aécio Neves, fala em “estímulo aos movimentos afrodescendentes, LGBT, indígena e cigano para a promoção de eventos contra o racismo e a homofobia”, eu também quero saber QUAIS são esses estímulos.

Vamos fazer um exercício de memória? Os LGBTs franceses votaram em François Hollande porque o casamento igualitário e a adoção de crianças por casais de mesmo sexo faziam parte das propostas de seu partido e de suas metas de governo como candidato (leia aqui e aqui).

Nós? Nós estamos considerando votar em um porque ele disse que é a favor “em algumas falas” e em outra porque ela mencionou uma vaga “luta” pelos direitos humanos e nos cita “en passant” em uma linha que mais parece copiada de um artigo da Constituição Federal?

Eu penso que já era hora de nos posicionarmos com um pouco mais de vigor, não?

Até posso entender que o contexto político é complicado, que os evangélicos fundamentalistas são uma força que qualquer candidato vai levar em conta, que é preciso flexibilizar aqui e ali, que tem a “proposta de Brasil” trazida por A ou B, etc., etc., etc. Mas temo que, se nós abrirmos mão demais de nós mesmos, enquanto LGBTs, não fiquemos com nada.

Afinal, somos nós os LGBTs, somos nós o movimento LGBT – e se nós não defendermos o nosso quinhão e a nós mesmos, nossos interesses, quem o fará?

Magno Malta?

* João Marinho é ativista, jornalista diplomado pela PUC-SP e hoje atua como editor-chefe em veículos de conteúdo adulto, revisor e designer free-lancer.