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Comparação entre covid e HIV feita por Bolsonaro é preconceituosa, equivocada, desinformada e um desserviço para a população, dizem ativista

Genilson Coutinho,
09/04/2021 | 17h04

Em discurso na cidade de Chapecó (SC), o presidente Jair Bolsonaro fez uma comparação do vírus HIV com a covid-19 (saiba mais). Ele voltou a defender o uso do chamado ‘tratamento precoce’ contra a Covid-19, que utiliza medicamentos sem a eficácia comprada para a doença e afirmou que nos anos 80 foi utilizado tratamento precoce para HIV e que o vírus “era mais voltado para uma classe específica que tinham comportamentos sexuais diferenciados.”

“Naquela época, o que foi usado para combater o HIV? O AZT, era comprovado cientificamente? Não. Se não tivesse usado, não chegaríamos no futuro ao coquetel. Que dá quase uma condição de vida normal aquele que contraiu o vírus.” justificou o presidente.

Ativistas do Brasil inteiro que consideraram a fala de Bolsonaro “equivocada”, “preconceituosa”, “desinformada” e um “desserviço para todos. A Agência Aids conversou com alguns deles. Leia abaixo:

Juny Kraiczyk – diretora da Ecos Comunicação em Sexualidade

“Há muito tempo sabemos do equívoco de atribuir a determinados grupos sociais a responsabilidade pela infecção do HIV/aids. A responsabilização individual ou de grupos específicos reforça estigma. É um desserviço para todos e não atinge só quem é diretamente exagerado por esse agravo. O HIV, da mesma forma que o COVID, é um problema de saúde pública e como tal deve ser tratado. Com seriedade e responsabilização por todos, em especial, por quem deveria zelar e garantir a saúde, tal as instâncias governamentais”.

Márcia Leão – Coordenadora Executiva do Fórum de ONG/aids do RS

“No dia de hoje, o Presidente Bolsonaro perde, mais uma vez, a oportunidade de não passar vergonha. Acredito que, em mais um de seus pronunciamentos, o Presidente fez mais uma de suas falas equivocadas e desprovidas de qualquer embasamento científico. É uma lástima para o nosso país, que seu governante máximo esteja sendo imortalizado por ser o gestor público que mais utiliza falácias em seus pronunciamentos. O Presidente demonstrou não somente desconhecer a natureza da pandemia de Covid-19, bem como as determinações científicas para o enfrentamento dessa, ao defender o tratamento imediato, mas também demonstrou desconhecimento e preconceito ao comparar a Covid-19 com o HIV. Em uma fala que mostra o quanto ignora as formas de enfrentamento ao HIV e aids, pois o tratamento com AZT, que na época era o melhor disponível e sempre teve base e recomendação científica, era apenas uma das abordagens. O HIV e aids sempre tiveram seu enfrentamento calcados em iniciativas de prevenção.  O pronunciamento do Sr. Jair Bolsonaro, remete ao preconceito e estigmatiza mais as pessoas que vivem com HIV e Aids, pois desconsidera os diferentes contextos de uma epidemia múltipla e que teve a sua resposta construída em múltiplas frentes.”

Alessandra Nilo – Coordenadora da GESTOS – Soropositividade, Comunicação e Gênero

“A afirmação do Presidente Bolsonaro reforça o que o mundo já sabe: além de desinformado e preconceituoso ele mente em público, sem inibição. Por causa dele o Brasil está perdendo a credibilidade no mundo inteiro e chegamos ao patamar de 4200 mortes diárias. E por causa dele, a crise sanitária segue sem controle. Esse presidente já deveria ter sido impeachment há tempos. A cada dia que seu mandato continua, o Brasil perde vidas”.

Moysés Toniolo, coordenador de direitos humanos da Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/Aids e representante da Articulação Nacional de Luta Contra a Aids no Conselho Nacional de Saúde (CNS):

“O que se pode comentar sobre o que o Presidente Jair Bolsonaro fala sobre o HIV é que ele é um completo ignorante sobre a história da epidemia de aids no Brasil. Porque, primeiro porque diferente do que ele pensa em sua grandíssima ignorância, essa não é uma doença de públicos diferenciados, como ele fala. Ele simplesmente, de certa forma, mantém um discurso preconceituoso e homofóbico sobre a população LGBT, que naquela época era mais afetados pela epidemia. E diferente do que ele pensa, a epidemia continua ocorrendo em todos os lugares do mundo. Isso é um erro que ele comete, ao não considerar que o HIV/aids precisa ser tratado e combatido aqui como ele vem sendo. Ele mantém a linha fundamentalista de atacar populações que ele sequer conhece ou sequer algum dia estudou sobre os problemas que essa população enfrenta. É triste dizer que o presidente só passa a, de certa forma, se envolver com algum assunto a partir do momento que isso afeta ele ou a família dele. E nós gostaríamos muito que isso nunca chegasse a acontecer com a família dele para que ele nunca soubesse o que é enfrentar o vírus HIV no seu corpo. Outra coisa muito terrível do discurso, é que diferente do que ele afirma, o HIV foi combatido sim desde o início, surgiram ONGs, serviços desde a época dos EUA, em Nova York, que começaram a dar apoio aos doentes de aids, Então, ele mostra mais uma vez sua ignorância total que o faz, claro e óbvio, motivo de chacota para todo o mundo. Quando o resto do mundo souber dessa declaração dele, será motivo de piada internacional o fato de ele em vez de governar um país, só dizer besteiras”.

Veriano Terto – vice-presidente da Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids (ABIA)

“O presidente só está outra vez tentando cria polêmica inútil no enfrentamento da pandemia. Isso só favorece a ignorância. O que ele disse está errado. Podemos até dizer que na história do AZT houve erros. O medicamento era usado em uma dose muito mais alta do que deveria e causou problemas em pacientes mais debilitados. O que não quer dizer que não era um medicamento que estava em estudo e que era eficaz, só estava sendo dosado de maneira errada. Foi justamente a crítica da sociedade civil, bem documentada, que fez que os estudos fossem revistos. Naquela época, a crítica de médicos, militantes foi ouvida e os estudos foram refeitos, mas continuaram. Alguns medicamentos que vieram em seguida chegaram a ser usados fora de estudo em monoterapia, em um mecanismo chamado acesso expandido ou compassivo. Era o caminho que um paciente em estado crítico tinha para ter acesso a uma droga não tóxica, não ameaçava a vida e estava em estudo. Apenas não tinha sido testada em massa, na fase 3. O DDI e alguns inibidores de protease foram usadas desta forma. Mas o acesso a eles não foi utilizado como tratamento precoce, o que é muito diferente do que está sendo proposto hoje pelo presidente, com drogas que causam danos ao paciente. Era um tratamento de emergência, como última opção. Agora, as críticas hoje não são bem-vindas. O governo brasileiro insiste em recomendar o uso de drogas cientificamente comprovadas como não eficazes. Bolsonaro poderia ter recorrido a exemplos mais inspiradores, mais construtivos na comparação da covid com o HIV. A resposta ao HIV sempre foi um esforço coordenado e sólido entre gestão, ciência e sociedade civil, exemplo que o governo não quer repetir. Por que não ouvir a ciência e a sociedade civil, os pacientes que precisam do tratamento?”

Pisci Bruja – travesti antropóloga, articuladora em saúde na Casa Chama e na Coordenadoria de Aids, e educadora comunitária no CPC do HCFMUSP. Membro da Coletiva Loka de Efavirenz.

“Estigma é uma relação de poder. E o estigma em HIV/aids se utiliza do que há de mais valioso para a colonialidade: as opressões sociais, o racismo, a homofobia, a transfobia…, as ideias de “degeneração” e de “impureza”, etc.. É assim que ele se nutre e permanece atuante, reatualizando o domínio sobre os grupos sociais mobilizados. Bolsonaro sabe como jogar com a violência. Ele nutre um ódio antigo na sociedade, e tenta desviar o foco do fato de que seu governo é genocida, com uma política propositalmente desastrosa, como demonstraram os estudos coordenados pela professora Deisy Ventura. Ele escolhe dizer que “o HIV não foi combatido porque era de uma classe social muito específica”. A obviedade com que ele trata o desinteresse na vacina do HIV é de fato assustadora. Quem quer tratar puta e viado, não é mesmo? Mas já era de se esperar que ele preferiria escolher esta direção do que falar, por exemplo, dos estudos de vacina para o HIV que estão acontecendo em cinco estados brasileiros. Bolsonaro joga com o que a colonialidade lhe deu, lhe ensinou, e lhe possibilitou enriquecer e até armar suas milícias. A colonialidade favorece Bolsonaro. Não é à toa que ele trata África e Brasil com tanto desdém, como a galera que “não tem vacina”, mas que pode se virar com remédio pra verme, afinal tamo na …”

A AHF Brasil também se manifestou por meio de seu perfil no Instagram:

“Mesmo com 340 mil mortos no #Brasil, ainda há quem recorra à mentira para descredibilizar a ciência e desinformar a população. Não é assim, nem com preconceito e ignorância, que venceremos as pandemias de #Covid19 e de #HIV #AIDS.

Veja a postagem aqui.