Battlestar Galactica: não há solução fácil para a democracia

Genilson Coutinho,
01/04/2012 | 12h04

Quando conheci o remake BattlestarGalactica, de 2003, fiquei encantado. Não é um material fácil, mas cativa muito mais pelo seu discurso político e humanista do que por sua estética de ficção científica. Em um período desconhecido, existem doze colônias humanas instaladas em doze planetas habitáveis em uma galáxia indefinida. A vida humana não começou naqueles planetas, mas veio pelo espaço, emigrando de um planeta chamado Kobol, dizimado por guerra.

Kobol era um planeta extremamente desenvolvido tecnologicamente e foi esta tecnologia que, além de destruí-lo, conduziu os sobreviventes pelo espaço. Ao chegarem aos seus novos lares, as doze tribos destroem as tecnologias que os transportaram e recomeçam a vida civilizada do zero.

Inevitavelmente, milênios depois da colonização, os humanos chegam a um patamar de desenvolvimento científico e tecnológico tal que permite a criação de formas de vida robóticas, os Cylons (Cybernectic Lifeform Node). Usados para “pacificação” das colônias após ataques terroristas e um movimento separatista de natureza religiosa – parte das colônias era monoteísta, parte era politeísta.

A situação fica um tanto mais complicada quando os cylons desenvolvem não apenas inteligência mas a capacidade de sentir. Então, se percebem escravos e se rebelam em uma insurreição sangrenta.

Um armistício é selado e por quarenta anos nenhum humano tem notícia do cylons. A civilização nas Doze Colônias prospera e alcança 28 bilhões de pessoas. Um dia, os cylons voltam e, em um ataque surpresa – uma vendetta -, os planetas são bombardeados com armas nucleares. Cerca de cinquenta mil pessoas – entre civis e militares – sobrevivem ao ataque.

 E agora?

Apenas um membro do poder Executivo sobrevive, a Secretária de Educação, que acaba assumindo o governo interino. Ela descobre que por mais bem intencionada e qualificada que seja, eventualmente eleições precisam ser organizadas para a sua sucessão. O fim trágico da humanidade e o retorno dos cylons sinalizam outra possibilidade de recomeço para os personagens. O problema é que não existem recomeços, apenas continuidades. O recomeço é, na verdade, a ausência de memória. E a memória é fundamental para a paz. Lembrarmos do que fizemos de errado para tentarmos acertar nas próximas ocasiões.

 Por que eu trouxe Battlestar Galactica para este texto?

Desde a greve de policiais na Bahia anterior ao Carnaval deste ano até as atuais denúncias de corrupção no Planalto, tenho escutado entre alguns palavras de ordem do tipo “Volta ACM”, “abaixo o sistema”, “a mídia foi vendida” etc… É do entendimento destes que o “mal” está por toda parte e que se faz necessária algum tipo de revolução tal como houve no Oriente Médio para modificar o “governo que está aí”. Ora, senhores, alcançamos um nível tal de desenvolvimento, inclusive socialmente orientado, que nos permite entrever um futuro promissor pela primeira vez desde o fim da ditadura e a abertura política subsequente. O sistema não está caduco, ele finalmente está chegando à maturidade. Falta é entender a sofisticação do sistema, do processo político e do processo democrático.

Diferenças culturais levaram a conflito entre os humanos, que levou à criação dos cylons (a solução fácil da vez!). Eventualmente, os cylons construiram modelos humanóides, feitos de carne e osso, mas sintéticos. E humanos e cylons precisaram aprender a conviver para findar o ciclo de violência que assolava as duas civilizações desde sempre. Criador e criatura precisaram aprender a por de lado diferença e coexistir. Battlestar Galactica é um ensaio sobre a política contemporânea, conflitos culturais, genocídio e violência. Dou graças por seu forte teor humanista, que entende e se compadece da condição de ser humano.

Coexistir é o exercício e a meta da democracia. E não existem soluções fáceis ou glamurosas para os problemas que tendem a aparecer no sistema e no governo.

Ariano Suassuna, paraibano, intelectual, e humanista de carteirinha declarou em aula na última terça-feira (27) algo que sumariza as minhas ideias: ‎”Política é a arte do bem comum, dizia Aristóteles. Existem políticos corruptos. Nem tire o povo brasileiro por eles. Nem tire a classe política por eles. É melhor uma democracia aberta, livre, do que qualquer regime fechado, purificador”. Lembrando ele que a ditadura foi instaurada no Brasil porque resolveram que o governo era corrupto e não servia mais… Derrubar governo e governantes só é solução para governos tirânicos e estamos bem longe disto o Brasil, mesmo com todos os nossos problemas.

A Primavera Árabe mudou a cara da geopolítica mundial. Os cidadãos de lá entenderam que eram governo. Nossos cidadãos já são governo há décadas. Precisam entender que fazem parte da gestão da coisa pública e que, para tanto, precisam compreender as nuances e particularidades dos processos políticos e democráticos. Qualquer coisa menor do que isto, ou menos sofisticada do que isto é preguiçoso e inaceitável. Através deste conhecimento podemos melhorar o Brasil e a própria prática democrática.

Soluções fáceis são em geral ingênuas e resultam em violência, que nunca deve ser uma opção. A violência é horrível, não é gloriosa, não deve ser glamurizada e é absolutamente condenável em qualquer situação ou aspecto, mesmo como forma de resistência à tirania. A violência é anti-civilizada, e como afirmava Gandhi, é a arma do covarde. Não descemos das árvores para recorrer à violência.

Pensem nisso.

João Barreto – Jornalista

Jornalista e mestre em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia. É analista de comunicação e cultura, especialmente de poéticas audiovisuais. Também tem interesse em desenvolvimento sustentável.
twitter: @jaobarreto / Blog – http://jaobarreto.wordpress.com/