Até tú, Ellen? Ellen Johnson Sirleaf e a Agenda Gay na Libéria

Genilson Coutinho,
28/03/2012 | 13h03

No início dessa semana, uma declaração feita por Ellen Johnson Sirleaf  a respeito da homossexualidade deixou a comunidade internacional perplexa e aparentemente surpresa. A atual presidente da Libéria e prêmio Nobel da Paz em 2011 disse ser  favorável à lei que criminaliza as relações entre pessoas de mesmo gênero no seu país. Intolerâncias inaceitáveis postas a parte, a perplexidade  da comunidade gay diante do assunto  é tão  reveladora quanto a controversa posição defendida por Sirleaf.  O caso é também uma oportunidade para se refletir sobre a dimensão e complexidade do problema da homofobia na Libéria e na África como um todo. Afinal, por que o posicionamento da presidente liberiana surpreendeu tanto e por que, na verdade, ele não deveria ter surpreendido tanto assim?

A origem da comoção reside, sem dúvida, na trajetória de Sirleaf e no que ela representa para a história dos direitos humanos no mundo. Atualmente exercendo seu segundo mandato como presidente da Libéria, em 2006, tornou-se a primeira mulher a ocupar tal cargo na história da África. Uma vasta e celebrada trajetória profissional a qualifica para tal feito. Nascida e criada na Libéria, Sirleaf conclui sua educação superior em renomadas escolas internacionais formando-se economista e mestre em administração e políticas públicas pela Harvard Kennedy School. Conhecida militante da causa das mulheres na África, o seu currículo antecipa a personalidade de ativismo que a consagrou como figura internacional de prestígio e lhe rendeu um prêmio Nobel como reconhecimento pela sua luta em favor dos direitos humanos e da democracia.

Pondo em risco sua história de ativismo, durante entrevista conjunta concedida com o ex-primeiro-ministro britânico Tony Blair  ao jornal The Guardian, Ellen Johnson Sirleaf reforçou a tradição homofóbica já presente em 37 países africanos ao defender a criminalização da homossexualidade na Libéria. “Nós temos certos valores tradicionais em nossa sociedade que gostaríamos de preservar,” declarou a presidente, negando qualquer intenção de vetar a lei liberiana que pune a infração de sodomia voluntária com até um ano de prisão. A declaração soou como um golpe para a comunidade gay internacional, pois, ao menos temporariamente, anula uma possibilidade de diálogo que seria de fundamental importância para o avanço da agenda gay no continente africano.

Apesar da história de Sirleaf, o seu posicionamento em relação à causa homossexual era esperado. A perplexidade da comunidade gay com o fato, no entanto, sinaliza que a questão da homofobia na África pode não estar sendo entendida e atacada em suas raízes mais profundas. Educação é essencial, mas está longe de ser  medida suficiente para assegurar os direitos dos homossexuais africanos. Certamente que conhecimento não faltou para a presidente em questão. No entanto, é preciso levar-se em conta que, na Libéria e em diversos outros países africanos, o discurso anti-gay tem sido pautado como questão de soberania nacional e não de direitos humanos. O recente nacionalismo liberiano, apoiado e estimulado pela gestão Sirleaf, tem como uma de suas bases a rejeição à cultura estrangeira em favor do renascimento da cultura nativa liberiana africana. A homossexualidade tem sido retratada no país como mais uma entre as muitas influências negativas trazidas pelo estrangeiros e antigos colonizadores e, portanto, estranha aos costumes locais.

Casos recentes reportados pela mídia internacional dão conta do conflito entre o nacionalismo e a aceitação da homossexualidade na Libéria. “A homossexualidade não é parte da nossa existência como povo. Nós (os liberianos) nunca fomos desse jeito,” declarou o deputado estadual Clarence Massaquoi, durante entrevista concedida no seu escritório, em Monróvia, em março desse ano. O discurso parece estar seduzindo até mesmo setores menos conservadores da sociedade liberiana como estudantes da Universidade da Libéria (UL), que expulsaram do campus o ativista e líder do movimento gay no país, Archie Ponpon, quando ele tentava reunir apoiadores para a causa no início desse mês. Uma estudante de sociologia da UL reportou para a BBC a razão da hostilidade. “Tudo o que é bom para o ocidente é bom para nós aqui? Não faz sentido.”

A negação da homossexualidade é, portanto, parte do nacionalismo liberiano e qualquer ação ou exigência em favor da causa no país deve refletir muito cuidadosamente esse aspecto sob pena de falhar em sua proposta ou agravar ainda mais o quadro de rejeição. O posicionamento de Ellen Johnson Sirleaf é reflexo desse conflito e, por isso, não é tão surpreendente quanto parece. Na verdade, ele nos dá uma pequena amostra do desafio que a comunidade internacional terá de enfrentar para garantir o apoio aos direitos homossexuais na Libéria e na África como um todo.

Além disso, o desenvolvimento social e a soberania econômica da África devem ser metas fundamentais para a comunidade internacional interessada em avançar com a agenda homossexual no continente. Isso por que, enquanto a luta pelo direito homossexual for entendida pelos liberianos e outros povos africanos como uma afronta ao seu orgulho nacional, exigir qualquer avanço significativo para a causa parece ser pedir demais, mesmo que o pedido seja feito para alguém como Ellen Johnson Sirleaf.

Iana Borges

Mestre em Comunicação e Mídia pela Ilmenau University of Technology