Rede Afro faz análise da conjuntura LGBT
A Rede Nacional de Negras e Negros LGBT manifesta preocupação com a conjuntura política nacional referente às políticas de combate à homofobia. Após a vitória no Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a união estável de pessoas do mesmo sexo, as bancadas conservadoras do Congresso Nacional miraram as políticas públicas e os projetos de lei pró-cidadania LGBT como alvos principais. Como resultado, derrotaram o kit contra a homofobia e agora o foco é o projeto de lei complementar (PLC) 122/2006, que visa criminalizar a homofobia. Certa experiência do movimento negro nas discussões sobre a criminalização do racismo, e na aprovação de leis importantes no Legislativo, pode ser útil para compreender o momento atual.
A idéia de criminalizar a homofobia através do PLC 122, plataforma central do movimento LGBT nos últimos anos, remete à Lei Caó de 1989. a lei é pouco utilizada em casos de racismo contra o povo negro: a Justiça costuma tipificar os casos como injúria racial, que não é imprescritível nem inafiançável, como está sendo aplicado ao diretor Wolf Maia. Ainda assim, tem o importante efeito simbólico de inibir um comportamento publicamente racista. Com efeito, agressões morais e físicas contra travestis, transexuais, gays, lésbicas e bissexuais é exercida e até incentivada à luz do dia, em ambientes abertos, ou até mesmo diante das câmeras.
Mas se a lei é válida para coibir o incentivo público à violência contra LGBT, devemos conhecer seus limites. O PLC 122 não vai acabar com a homofobia. O discurso se adapta e se disfarça, acumula forças e retorna em contra-reação. E como vida imita a arte, é só ver a novela. Já tem vários personagens gays assumidos e orgulhosos, mas a julgar pela primeira protagonista negra, um beijo gay na mesma emissora vai demorar – e em seguida o mocinho pode ajoelhar, pedir perdão e mesmo assim levar um tapa na cara em pleno 28 de junho. E o PLC 122 não vai gerar um processo contra o autor.
As recentes conquistas da luta LGBT têm ajudado a compreender melhor o fenômeno do “racismo subjetivo”. Com a agenda do movimento no topo dos debates do país, ao lado de temas antigos como a corrupção, os discursos já começaram a se modificar e evidenciar a “homofobia subjetiva”.
Um exemplo é a retórica contra a homofobia do Governo Dilma Rousseff. A presidenta e seus ministros tem se esforçado em condenar a homofobia antes e após anunciar alguma medida que recua na promoção da cidadania LGBT. Na prática, o kit apenas suspenso foi vetado, e agora afirma-se que irá à escola como um material “amplo contra o preconceito”. Não é coincidência que esse discurso seja reforçado por detratores do kit: é um eufemismo para o fim dele.
Da mesma forma, não se pode acreditar muito na rejeição à homofobia de figuras como Demóstenes Torres e Marcelo Crivella. Pelo pouco que se sabe da reunião a portas fechadas que tiveram com Toni Reis, da ABGLT, e a senadora Marta Suplicy, eles fizeram juras de ódio à homofobia. Acredita quem quer acreditar.
Da reunião, saiu a proposta de produzir um substitutivo a ser preparado por Marta e Crivella. A se levar em consideração o processo de discussão do Estatuto da Igualdade Racial (EIR), é uma movimentação perigosa. Assim como o PLC 122, o Estatuto tramitava há 10 anos e os líderes negros do Congresso acharam que era hora de aprová-lo, mesmo recuado, e sem ampla consulta ao movimento. Não valeu a pena. Alguém fala no EIR, um ano depois da aprovação? A verdade é que o Estatuto aprovado era gelo que, sob o sol, derreteu. A mesma história pode se repetir.
Por vontade própria ou não, os representantes públicos têm de opinar sobre as pautas dos LGBT. Mas os setores conservadores mantêm-se no poder e não vão fazer concessões. A solução é adotar o discurso politicamente correto, não necessariamente traduzido em ações. Por trás da condenação retórica da homofobia, pode vir uma reafirmação concreta dela.
Nós já conhecemos o discurso da luta pela reparação racial. O senador Demóstenes Torres, do DEM, dizia que era contra o racismo enquanto dilapidava o Estatuto da Igualdade Racial. Presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, ele agora terá o PLC 122 nas mãos.
Rede Nacional de Negras e Negros LGBT
Coordenação Nacional
Foto: Reprodução