Para falar de temas como ativismo e militância nos tempos da internet, o Dois Terços bateu um papo com o professor adjunto da UFBA Leandro Colling, que coordena o grupo de pesquisa Cultura e Sexualidade (CUS). Colling é ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos da Homocultura. Entre outras coisas, conversamos com ele sobre o II Seminário Desfazendo Gênero, que rolou agora em setembro, em Salvador, com discussões sobre o cenário de gênero e sexualidade.
Dois Terços – No mês de setembro o II seminário Desfazendo Gênero movimentou a cena LGBT, além ter levantado novas discussões sobre o tema. Qual a sua avaliação desta edição?
Leandro Colling – A minha avaliação pessoal e das diversas pessoas que se manifestaram, inclusive em nossa plenária final do evento, foi muito positiva. A segunda edição do Desfazendo Gênero foi um sucesso não só de público, mas também por ter produzido uma intensa e por vezes tensa discussão entre academia, ativismo e artivismo em torno do tema central do evento: ativismos das dissidências sexuais e de gênero. Quem acompanhou de perto o evento também percebeu que além de Judith Butler também trouxemos para Salvador outras pessoas muito potentes e significativas para dialogar com pessoas igualmente potentes e significativas que moram aqui em nossa cidade. Estou muito feliz por ter ajudado a construir um evento sobre sexualidade e gênero radicalmente diferente dos demais realizados no país.
DT – O CUS tem sido um instrumento fundamental para inserir na UFBA discussões sobre a comunidade LGBT. Houve alguma resistência no inicio da criação
LC– Resistência explícita não houve, mas implicitamente sempre sofremos algumas resistências e isso ficou novamente evidente na realização do II Desfazendo Gênero. Um exemplo explícito: praticamente todo o dinheiro para viabilizar o evento foi captado fora da UFBA. Sinto que somos considerados, por parte da comunidade da UFBA, como uns inconsequentes, umas malucas que não produzem conhecimentos (eu nem falo em ciência, pois nem quero reivindicar essa categoria para o meu trabalho, pois sei o quanto a tal ciência é preconceituosa e patologizante até hoje, vide como tratam as pessoas trans).
DT – Há uma queixar de que o movimento gay deixou as ruas e agora se manifesta nas redes socais. Como você tem visto essas críticas?
LC – Não vejo nenhum problema em manifestações nas redes sociais. Eu mesmo uso muito as redes sociais. Considero um grande equívoco considerar as manifestações nas redes sociais como algo menor do que as manifestações nas ruas. Hoje é impossível fazer aquela antiga distinção entre ambiente real e virtual. O virtual é real, estamos conectados online o tempo todo, sequer existe o tal offline, pelo menos para uma parcela cada vez maior de pessoas. Eu acho mais prudente pensar por que as pessoas não vão às ruas, ao invés de pensar só por que elas têm usado as redes sociais. Eu pergunto: quem se sente contemplado ou pelo menos instigado com os bordões, cartazes e frases de efeito mais usados pela maioria dos grupos que vão às ruas?“
DT – Eu não namoro com uma molinha nem passiva”. Essa é uma frase muito comum nas rodas de conversas dos LGBT. Como lidar esse tipo de preconceito?
LC –Evidenciando o machismo, a homofobia e inclusive a misoginia presente em frases como essas. Para combater os preconceitos, sejam eles quais forem, minha aposta sempre foi a de evidenciar como eles foram construídos, cristalizados e incorporados pelas pessoas. Quando a pessoa se dá conta dos seus próprios preconceitos, de como ela está reproduzindo discursos preconceituosos criados historicamente na base de muito sangue, mudanças podem acontecer.
DT – Muitos casos de assassinatos de LGBT na Bahia ganham a mídia e o protesto da militância, mas quando chegam na justiça travam. O senhor acredita que falta um pouco mais de empenho da justiça quando o assunto está diretamente ligado aos gays?
LC – Não tenho como responder taxativamente essa pergunta, pois não acompanho tão de perto os processos judiciais. Mas quero aproveitar a pergunta para falar uma coisa que talvez também se reflita na Justiça: a sociedade em geral e a própria população LGBT também choram de formas diversas as mortes de pessoas LGBT. Algumas mortes têm mais repercussão que outras, a polícia prende com mais rapidez autores de apenas alguns crimes. Como diz Butler, vale a pena pensarmos sobre quais mortes nós choramos. Daí veremos quem conta mais como ser humano, como funciona a hierarquia entre quem é ser humano e quem não é considerado como tal.
DT – As paradas são fundamentais para dar visibilidade à causa, porém, nos últimos anos, o número de héteros nesses eventos vem crescendo e a ausência do LGBT também. É tempo de repensar esse formato?
LC – Não acho que a presença de heterossexuais seja o grande problema das paradas, pelo contrário. Se não tivermos heterossexuais parceiros de nossas causas tenderemos a ficar eternamente no mesmo lugar. Tenho dito há anos que precisamos repensar o formato. Para fazer isso, o primeiro passo é democratizar radicalmente a forma de organização das paradas.