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A interseccionalidade de marcadores sociais na exclusão das pessoas trans

Genilson Coutinho,
17/06/2022 | 11h06

Walleria Suri

O cenário de vulnerabilidade extrema enfrentado pela comunidade transgênero em praticamente todas as regiões do mundo é um dos temas de atenção nas ações realizadas em junho, o mês do Orgulho LGBTQIAP+.
 

No contexto global de intensa exclusão e opressão contra transgêneros, o Brasil se destaca como um dos países mais hostis e perigosos para essa comunidade. Os crimes de ódio praticados contra pessoas trans alcançam em nosso país os maiores índices mundiais. O projeto de pesquisa Trans Murder Monitoring (TMM) aponta que 38,2% dos assassinatos de pessoas trans no mundo acontecem no Brasil; pelos dados de 2021, mencionados no Dossiê Antra 2022, o país permanece como o que mais assassinou pessoas trans, com 125 mortes. Isso ocorre em função da cultura patriarcal, machista e sexista que predomina secularmente na sociedade brasileira e tem sido amplamente disseminada nos últimos anos.
 

Assumir uma identidade trans no Brasil implica ocupar uma posição social de profunda vulnerabilidade e invisibilidade, que se evidencia desde a rejeição familiar, com expulsão precoce dessas pessoas dos lares de suas famílias, até a ampla falta de oportunidades no mercado de trabalho formal, que empurra mais de 90% dessa população para os setores de exploração sexual. 
 

Contudo, os aspectos de segregação e violência que atingem a comunidade de transgêneros no Brasil são ainda mais severos quando pessoas de gênero trans possuem ainda outro marcador social também alvo de exclusão. No caso dos registros de assassinatos de pessoas trans, verifica-se que a maior parte das vítimas são também pessoas afrodescendentes e vivem em localidades periféricas e carentes de grandes centros urbanos. Isso demonstra que a transfobia no Brasil se mostra ainda mais violenta quando associada ao racismo. 
 

Outra característica com o efeito de aumentar imensamente a posição de vulnerabilidade social de uma pessoa trans é a de uma deficiência somada ao seu perfil pessoal. Apesar de não haver estudos de nenhuma ordem sobre as condições sociais de pessoas trans com deficiência, a existência dessa interseccionalidade como parte da diversidade humana é inquestionável, mesmo sendo algo tão invisibilizado.
 

O fato de não haver dados e referências estatísticas que possam revelar como são as condições de vida de pessoas trans com deficiência já se mostra como importante indício de que este segmento tão específico da sociedade vive totalmente ignorado por todas as instituições sociais, sejam elas públicas ou privadas. 
 

Nesse sentido, ser uma pessoa com identidade de gênero trans e ter também uma deficiência se torna uma existência quase que fantasmagórica, onde a luta por reconhecimento e representatividade se dá dentro dos próprios segmentos a que essas pessoas pertencem. Ou seja, frequentemente elas experimentam a condição de pertencimento algum. 
 

Lidar cotidianamente com a transfobia e o capacitismo juntos é enfrentar incessantemente seu apagamento social. Pois tal interseccionalidade dificulta até a conquista de aliados, considerando que grande parte das pessoas antitransfóbicas podem ser capacitistas, e muitas das pessoas anticapacitistas podem ser transfóbicas. 
 

Diante de tantos desafios decorrentes dessa interseccionalidade, ocupar uma vaga no mercado de trabalho tem o lugar de um sonho inalcançável para profissionais que apresentam tais características. Nessa busca constante por reconhecimento social da própria existência, conseguir uma vaga de emprego pode significar finalmente ser visto como ser humano. 
 

Olhar de forma atenta e receptiva para perfis de pessoas que apresentam intersecções de marcadores de exclusão social é muito importante. Promover diversidade e inclusão dentro do ambiente de trabalho é direcionar esforços para construção de espaços laborais que possam refletir de forma respeitosa, acolhedora e representativa toda a gama de possibilidades de características humanas. 
 

O que constitui cada ser humano como uma pessoa única e, consequentemente, como um profissional único é sua combinação também única de habilidades, aprendizados, experiências e características pessoais.


Sobre Walleria Suri 
Consultora Talento Incluir 
 

 
Walleria Suri é mulher transgênera com deficiência visual. É paulistana e reside na cidade de Presidente Prudente SP. Cursa o 10º Termo de graduação em Direito, no Centro Universitário Toledo Prudente.
 

Atua desde 2018 com capacitações sobre as questões sociais que envolvem as identidades trans e também as pessoas com deficiência, abordando temas como transfobia, invisibilidade social, reconhecimento humano, desenvolvimento profissional, capacitismo, auto determinação, inclusão e acessibilidade, oferecendo palestras e workshop para instituições de ensino, órgãos da administração pública e organizações empresariais.
 

É ativista pelos Direitos Humanos desde 2015, compondo movimentos sociais pela igualdade de acesso à saúde, à educação, ao mercado de trabalho, à segurança, à cultura e ao lazer. É integrante co-fundadora dos Coletivos “Grupo Somos LGBTI+ de Presidente Prudente” e o “Grupo O.I.A.”, que atua pelos direitos das pessoas com deficiência visual de Presidente Prudente e região.
 

Participou como delegada representante da V Conferência da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (2015); da I Conferência LGBT de Presidente Prudente e Região (2015); da III Conferência LGBT Estadual de São Paulo e da III Conferência Nacional de Direitos Humanos da Comunidade LGBT (2016). Representa as Pessoas com Deficiência no Conselho Municipal para Políticas Culturais de Presidente Prudente. É integrante do Movimento Brasileiro de Mulheres Cegas e com Baixa Visão (MBMC) e da coordenação da Frente Nacional de Mulheres com Deficiência (FNMD).
 

É embaixadora do Squad de Diversidade & Inclusão da Associação Brasileira de Profissionais de Recursos Humanos (HUBRH+), e protagonista do filme documentário: “Aurora — Vida e Luta de Walleria Suri”, produzido no ano de 2019, pela Escola de Comunicação e Estratégias Digitais da Universidade do Oeste Paulista (Unoeste).

Sobre o Grupo Talento Incluir
 
 

Grupo Talento Incluir é um ecossistema da diversidade e inclusão pioneiro no Brasil. Seu objetivo é promover a equidade nas relações empresariais e sociais por meio de diferentes unidades de negócios: a Talento Incluir Consultoria, com soluções focadas nos pilares de D&I Conscientização, Contratação, Carreira e Acessibilidade e Consultoria Estratégica de Marketing e Comunicação para pessoas com deficiência; a UinHub, o primeiro e mais acessível marketplace do mundo para pessoas com deficiência e a Talento Sênior, que colabora com a inclusão de profissionais 45+ no mercado de trabalho.
 

Fundada em 2008, a Talento Incluir Consultoria – a primeira empresa do grupo -, já inseriu no mercado de trabalho mais de 8 mil pessoas com deficiência, buscando sempre o desenvolvimento de carreira destes profissionais para que a inclusão aconteça de maneira profunda e verdadeira, gerando impactos positivos na vida destas pessoas e na sociedade. Em toda a sua trajetória, aplicou Programas de Inclusão 360º para formar e fortalecer a cultura de inclusão em mais de 400 empresas de diversos setores em todo Brasil, como Mercado Livre, Syngenta, Gol, Carrefour, Grupo Boticário, Raia Drogasil, Bradesco, Tereos, PwC PricewaterhouseCoopers, GRU Airport, AccorHotels, Avanade, WhirlPool (Consul e Brastemp) entre outras.

Walleria Suri, consultora na Talento Incluir, mulher transgênero com deficiência visual