Colunistas

Opinião

A folia de todas as cores

Dra. Bethânia Ferreira,
31/01/2016 | 09h01

Eis que o Carnaval se aproxima! E para aqueles que, como eu, gostam de pular e curtir a festa de momo, é um momento de muita alegria e diversão. Entre confetes e serpentinas, a festa mais popular do país leva uma multidão de pessoas para a folia e as ruas viram um grande palco onde toda a sociedade se encontra.

Esse grande palco formado por pessoas com todas as orientações sexuais, cores, etnias, religiões e sexo, também pode gerar um espetáculo desprezível de preconceito, racismo, sexismo, homofobia e transfobia. Nada mais é do que reflexo de nossa sociedade, mas todos ocupando o mesmo espaço: ruas e circuitos do carnaval.

Já faz um tempo que as instituições – Defensoria Pública, Ministério Público, Governo do Estado e Município de Salvador – vêm se preocupando com o preconceito e com todas as formas de discriminação. Durante o Carnaval, criam-se mecanismos que vão além dos já existentes para a proteção das pessoas que sofrem discriminação, abuso psicológico e violência física em virtude de serem negros, mulheres ou por pertencerem à comunidade LGBT.

A folia momesca possui regras contra o preconceito. O estado da Bahia possui legislação (Lei nº 12.573/2012) que impede o pagamento, com dinheiro público, para artistas que em suas músicas desvalorizem as mulheres, incentivem a violência, exponham mulheres a situações constrangedoras ou contenham manifestação de homofobia, discriminação racial ou apologia ao uso de drogas ilícitas.

Na mesma lógica, o município de Salvador possui legislação (Lei nº 8.286/2012) que dispõe sobre a contratação de artistas que em suas músicas, danças e coreografias desvalorizam, incentivam a violência ou expõem as mulheres a situações de constrangimento. A mensagem é clara: recurso público não pode custear a promoção do racismo, homofobia, transfobia, machismo e sexismo em música e danças.

Ainda existem outros diplomas que regulam o combate ao preconceito no Carnaval e em outras festas populares, como a Portaria nº 11 do Conselho Municipal do Carnaval – Comcar – e o Código de Ética do Carnaval (Estatuto do Carnaval). Bom, definitivamente, não se pode sair por aí cantarolando músicas homofóbicas ou transfóbicas no Carnaval. É importante ressaltar o esforço que Defensoria Pública e Ministério Público vêm despendendo para o cumprimento dessas normas, inclusive com a expedição da Recomendação nº 001/2016 e nº 002/2016 do Ministério Público.

A Secretaria Municipal da Reparação, por sua vez, instala o Observatório da Discriminação Racial e LGBT durante o Carnaval, além de um ponto fixo no Campo Grande. Vários observadores circulam pelos três circuitos da folia, apontando e descrevendo casos de discriminação e violência contra a mulher, atos de racismo, homofobia e transfobia, com intuito de apuração da denúncia pelo Ministério Público e Defensoria Pública.

Sabemos que apesar da folia organizada contra o preconceito, a homofobia e a transfobia, esses atos não deixarão de acontecer, infelizmente. Ouvir piadinha ou música que desvaloriza ou achincalha gay, lésbica, travesti ou transexual não é divertido ou engraçado. Além de ser preconceituoso ou discriminatório, comportamentos desse tipo podem levar à violência. Por isso, denuncie os casos de homofobia e transfobia para a Defensoria Pública, Ministério Público, Observatório da Discriminação e órgãos de Segurança Pública. O preconceito, a violência e a discriminação podem vir, inclusive, de algum agente público. Nesse caso, não pense duas vezes, denuncie.

O relatório do Observatório da Discriminação Racial de 2015 apresenta números expressivos de violência contra a população LGBT, totalizando 664 ocorrências, o que representa mais do que 110 casos de agressão verbal, física ou sexual contra a população LGBT por dia. O documento aponta ainda que 69% dos casos de violência ocorreram na forma de agressão verbal; 5% na forma de violência sexual e 26% na forma de violência física. A maior parte das agressões (51%) foi cometida pelos foliões durante o carnaval. A violência institucional, aquela praticada por agentes públicos, apresentou um dado interessante. No circuito Barra-Ondina a maioria dos casos de violência contra população LGBT foi praticada pela guarda municipal, enquanto que no circuito Campo Grande a maior parte das violações foi praticada pela Polícia Militar.

Lamentavelmente, ocorrências como as analisadas no Relatório do Observatório retiram o brilho do Carnaval, contudo não podemos nos acovardar. Vamos nos divertir e brincar, sempre respeitando o próximo, e atentar para os casos de homofobia e transfobia. A denúncia será um importante instrumento, para que tenhamos um Carnaval mais igual e menos preconceituoso. Bom Carnaval para todas e todos!

A Def. Bethania Ferreira

A Def. Bethânia Ferreira