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A cada 48h uma pessoa trans é assassinada no Brasil, informa Mapa da Antra

Redação,
09/01/2018 | 11h01

Por Neto Lucon

O Mapa dos Assassinatos de Travestis e Transexuais no Brasil em 2017, produzido pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) evidenciou uma realidade marcada por requintes de crueldade: A cada 48h uma pessoa trans ou travesti é assassinada no Brasil. Confira o mata clicando aqui.

Em 2018, ocorreram 179 assassinatos – sendo 169 contra travestis e mulheres transexuais e 10 contra os homens trans. O Mapa aponta que 60% das vítimas tinham entre 16 e 29 anos e que 85% dos casos os assassinatos foram com requintes de crueldade.

Ele informa ainda que 85% das vítimas não tinham relação direta com o assassino. E que dos 12% suspeitos identificados, 10% estão presos. Os crimes geralmente são feito com armas de fogo (52%), arma branca (18%) e espancamento, asfixia e estrangulamento (17%).

O estado de Minas Gerais é o que mais mata a população trans, com 20 assassinados. Ele é seguido da Bahia, 17, São Paulo e Ceará, com 16 assassinatos, Rio de Janeiro e Pernambuco, com 14. O Paraná aparece com 8 crimes, Alagoas, Espírito Santo, Palmas com 7, Mato Grosso, 6, Amazonas, Goiás, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, com 5, Tocantins, com 3. O Distrito Federal, Maranhão, Mato Grosso do Sul e Sergipe somam duas mortes cada. E uma morte ocorreu no Acre, Amapá, Piauí, Rio Grande do Norte e Roraima.

Em ordem de violência proporcional à população, é a Paraíba que supera com 10 casos (2,5 milhão habitantes), seguida do Alagoas (7 casos, 2,02 / milhão), Tocantins (3 / 2,0 milhão), Ceará (16 = 1,77 / milhão), ES (7 casos notificados = 1,75 milhão). Ou seja, nos dois cenários o Ceará é um dos que mais mata travestis e pessoas transexuais em todo o Brasil.

Os dados superam os de outros anos, sendo o topo de assassinatos. Em 2008, o Grupo Gay da Bahia – o único que contabilizava até então os crimes – noticiou 58 assassinatos de travestis e pessoas trans. O número subiu para 68 em 2009, 99 em 2010, 128 em 2012, 134 em 2014, 144 em 2016, até os 179 de 2017.

Keila Simpson, presidenta da ANTRA, revela que os números surpreenderam, pois não se pensava chegar em dados tão alarmantes. Para ela, o Brasil vive dois momentos: o dos avanços tímidos – que ela parafraseia Berenice Bento, chamando de “gambiarra legal” – num contexto de conservadorismo e dos assassinatos. “A população é vista como de terceira categoria ou de categoria nenhuma. A sociedade nos veem como seres abjetos, não-oficiais, como corpos que não podem ser mostrados, então violentar-nos é como um prêmio. A gente não vê uma consternação por parte da sociedade diante das nossas mortes. Quem está chorando por nós são os familiares ou as pessoas trans”, reflete.

De acordo com a militante Bruna Benevides, responsável pela pesquisa que fundamentou o Mapa da ANTRA, o resultado comprova que o Brasil é o país que mais mata travestis e pessoas trans no mundo e o pior lugar para ser LGBTI (segundo o NYT).  E demonstra a omissão do estado, que não se preocupa em levantar oficialmente as mortes e ignora os índices e denúncias alarmantes das violências apontadas pelas instituições como a ANTRA E ABGLT.

“A transfobia cresce à medida em que avançamos na luta por direitos da população trans, pois a reação intolerante tem sido desproporcional. Isso está ligado ao fato de que as pessoas não querem travestis e transexuais sendo reconhecidos como cidadãos e cidadãs, tendo direitos garantidos. É por isso que existe dificuldade em discutir sobre diversidade de gênero, inclusive nas escolas, perpetuando todo tipo de discriminação e violência contra as minorias sociais. O aumento de religiosos em cargos de poder tem relação, pois o controle dos nossos corpos e das nossas liberdades é uma das bandeiras deles, mesmo que para isso eles usem o Estado para amolar a faca que nos assassinam”.

É DOLOROSO CONTABILIZAR AMIGAS ASSASSINADAS

Os números do Mapa são obtidos por meio de reportagens que saíram na imprensa (televisiva, impressa e em sites) e denúncias apuradas nas redes sociais. Mas o trabalho diário e extra-oficial de Bruna exige pesquisa e muita apuração, uma vez que nem sempre a identidade de gênero, o nome social ou as reais motivações estão expostas nas reportagens.

“Existem muitos casos onde intencionalmente fazem associação com drogas ou outras atividades ilegais, ou ainda usam rixas por disputa de territórios para justificar os assassinatos, em uma escrita recheada de preconceitos e ignorância. Há ainda matérias que expõem fotos dos cadáveres, o que é uma violação da imagem daquela pessoa, já brutalmente assassinada. Que também expõe as famílias e suas dores.”, declara.

Os dados não contabilizam suicídios. A Associação explica que ainda discute internamente a melhor maneira de trabalhar a questão e fazer o recorte. “Temos iniciado uma discussão muito cuidadosa para não incorrer em riscos primários que tendem a invisibilizar os dados ao colocar todos como homicídio, culpabilizar as vítimas ou transformar apenas em números – erros comuns do senso comum”.

Bruna aponta que os números de assassinatos podem ser ainda maiores, uma vez que não há a tipificação de transfobia como motivação de tais crimes e porque muitos casos são subnotificados – aqueles em que policiais, familiares e jornalistas não respeitam o nome social e a identidade de gênero das vítimas, muitas vezes noticiando como assassinados de homossexuais ou lésbicas cisgêneros.

ATAQUES AOS NÚMEROS

Presidentes de grupos LGBT, responsáveis por outras pesquisas, questionaram os dados, os números levantados e a iniciativa de fazer o recorte da população trans e travesti, em detrimento da população LGBT como um todo, e a ausência de casos de suicídio. Keila vê o ataque como transfobia.

“Eles pensam: Como a Antra, uma instituição composta por pessoas extra-oficiais tem a ousadia de apontar o assassinato da própria população? Só esquecem que isso não é tarefa simples. Contabilizar uma companheira que está morrendo é a coisa mais cruel que alguém pode fazer.  É pensar todo dia onde vai vir a próxima morte, qual é o rosto da próxima travesti que vai ser assassinada?”, diz.

A presidenta defende que o trabalho deveria ser feito pelo Estado e que essas iniciativas, ainda que contestadas, podem estimular pesquisas oficiais e, enfim, mudanças na violência. “Certa vez falei que estimava que a população trans era de um milhão e meio de pessoas, mas um homem se levantou e disse: ‘De onde você tirou esse dado?’. E eu questionei: ‘De onde você tirou que não é?’. Ou seja, as pessoas não mostram uma pesquisa que falam sobre a gente, não se mobilizam para isso, mas ser armam quando fazemos uma estimativa ou uma frase. Independente de qualquer coisa, sempre falam que se é algo feito por travesti não é confiável, não serve”.

 

No Brasil, não há um instituto que pesquise, por exemplo, quantas travestis, mulheres transexuais e homens trans existem no país.

Sobre as críticas, Bruna defende que o objetivo não é ter exclusividade em relação aos dados. “Sabemos que há outras instituições que também fazem um trabalho semelhante, o que não desqualifica o nosso. Ao contrário, demonstra a importância de fazermos esse levantamento”.

O QUE FAZER COM ESSES DADOS?

Após o lançamento do Mapa, o objetivo da Antra é denunciar o Brasil nas cortes internacionais, como o OEA e ONU e incentivar a discussão sobre a urgência de criminalizar a LGBTfobia. Por meio da visibilidade ao tema, querem diminuir os assassinatos e os números nos próximos anos.

“Precisamos de campanhas preventivas e educativas sobre suicídio da população LGBT, realizar ações efetivas e continuadas de combate a Transfobia, organizar GTs de segurança LGBT nos estados e municípios, garantir o atendimento das travestis e mulheres transexuais na DEAM, efetivar a padronização da coleta de dados de violência nas delegacias, hospitais e IML, com o uso adequado do nome social e marcação da identidade de gênero”, aponta Bruna sobre as estratégias.

No dia da Visibilidade Trans, no dia 29 de janeiro, será lançado e disponibilizado as informações e dados sobre os assassinatos levantados. Ele contará com artigos artigos de pessoas das mais áreas como educação, segurança pública e direito, trazendo o olhar de cada área sobre os assassinatos de forma transversal e de como combater os índices de violência e a transfobia estrutural.

Outra ação é nunca perder a memória sobre aquelas que foram silenciadas e assassinadas. “É nosso dever gritar por elas, por mim, por nós”, finaliza Bruna.