50 Anos e Stonewall e o resgate do protagonismo Trans no Movimento LGBTI

Genilson Coutinho,
28/06/2019 | 09h06

Keila Simpson é presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra)

Por Keila Simpson

A revolta de Stonewall não é o primeiro, mas talvez seja um dos mais importantes marcos do processo de organização coletivas de pessoas LGBTI em prol de um objetivo comum: Enfrentar as violações, violências e lutar por direitos que foram negados.

Especialmente para nos lembrar que Stonewall foi um levante contra a violência policial. A mesma polícia que caçou e perseguiu travestis, gays e lésbicas durante a ditadura militar. A operação tarântula no final dos anos 80 é o exemplo real de como a população de travestis eram tratadas naquele período, e nos dias atuais essa violência persiste quando em 2017 a prefeitura de São Paulo no governo João Dória orienta que policiais prendam 20 travestis na Praça da República por estarem exercendo o seu direito de trabalho naquele que ainda é um dos únicos espaços onde essa população pode trabalhar. A prostituição.

O dia da Revolta de Stonewall, 28 de junho, é o mesmo em que hoje se comemora o dia do Orgulho LGBT. E as protagonistas dessa história eram Travestis. Historicamente as mais afetadas pela violência, intolerância e negação de direitos.

É uma data para se comemorar, mas a maior lição que se deve tirar dela é a possibilidade da auto organização dessa população para fazer frente à violência estatal que sempre tentou manter as pessoas Trans no único lugar possível de (re)existência que são as esquinas.

Marsha P. Johnson, Travesti, negra, prostituta moradora das ruas de Nova Iorque, odiava responder se era homem ou mulher, e ao lado de Sylvia Rivera, travesti, latina enfrentam até hoje constantes tentativas de apagamento das suas participações e o verdadeiro resgate do protagonismo na história internacional do movimento LGBTI.

Liderando o levante das pessoas que estavam no bar Stonewall Inn que enfrentava forte repressão e havia sido invadido pela polícia, atirando o primeiro copo de vidro contra as viaturas policiais – estava Marsha P. Johnson.
Não poderia estar mais óbvio que não havia nenhuma razão para a comunidade LGBT tentar apagá-las, a não ser por racismo, classicismo, transfobia e sexismo.

Juntas criaram a ”Ação das Travestis de Rua Revolucionárias”, também chamada de S.T.A.R House, instituição de amparo para Travestis e Transexuais em situação de vulnerabilidade social e enfrentamento do HIV. Além de atuarem muito fortemente na pauta do HIV Aids conscientizando as pessoas sobre essa epidemia faziam fortes denúncias pelo pouco acesso ao trabalho da população trans.

A coragem que teve Marsha é um exemplo a seguir. Foram as Travestis, junto de lésbicas e outras mulheres dissidentes que pariram este movimento.

É necessário resgatar e garantir o protagonismo dessas lutas. Colocar de vez um fim na transfobia estrutural que ainda mantem a população Trans em um lugar inferior, subalterno e marginal.
Reviver a luta de Marsha e Sylvia é fundamental para combater o senso comum e a plena confiança no lobby parlamentar como única saída de transformação.

Em julho de 1992, após a Marcha do orgulho LGBT, o corpo de Marsha foi encontrado boiando no rio Hudson.

Em 2019, Marsha e Sylvia terão estátuas inauguradas em memória de sua luta e em homenagens às suas importantes participações na Revolta de Stonewall.

E que hoje, no dia do orgulho LGBTI, mesmo galgando parcas conquistas, as pessoas se sentem incomodadas ainda com a visibilidade e representatividade da população de Travestis, mulheres Transexuais e homens Trans, mesmo essa população afirmando que ainda são insuficientes tamanha a deficiência de acesso aos espaços sociais, ao mercado formal de trabalho, a educação e a outros direitos básicos.

Somente uma luta radical contra o sistema capitalista, racista, misógino e LGBTIfobico, que se baseia na exploração e opressão das pessoas, pode fazer as pessoas Trans conquistar uma verdadeira liberdade em todos os aspectos e âmbitos.

Precisamos de reparação histórica. E agora!

Keila Simpson
Presidenta da ANTRA

**Contém trechos do texto de Anghel Valente para a Revista Hibrida